Brasil se abstém em votação da ONU para monitorar direitos humanos na Rússia

Episódio reforça suposta neutralidade do país em relação a Moscou; moção foi aprovada com apoio de nações do Ocidente

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Guarulhos

Em medida inédita, o Conselho de Direitos Humanos da ONU aprovou nesta sexta-feira (7) a criação de um mandato para um relator especial sobre violações de direitos humanos na Rússia. O Brasil, no entanto, se absteve na votação em Genebra.

O Kremlin deixou claro que não vai cooperar com o relator —o que, na prática, limita seriamente a eficácia da resolução.

A moção, apresentada por quase 50 países —incluindo EUA, Reino Unido, Ucrânia e Colômbia—, obteve 17 votos favoráveis e 6 contrários. Além do Brasil, abstiveram-se outras 23 nações, a exemplo de México, Índia e Paquistão. Ao todo, 47 países compõem o conselho.

Policiais detém manifestante contra a mobilização de reservistas decretada pelo presidente da Rússia, Vladimir Putin, em Moscou - 24.set.22/Reuters

É a primeira vez que o colegiado abre uma relatoria especial para examinar a temática em um dos chamados "P5", países que são membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU e têm, portanto, maior poder de barganha na organização —Rússia, EUA, França, China e Reino Unido.

Em Moscou, o Ministério das Relações Exteriores rejeitou firmemente a resolução, dizendo que ela contém alegações falsas, segundo a agência de notícias Tass. "A Rússia vai ignorar o mecanismo especial estabelecido pelo conselho e se recusa a cooperar com ele", informou a pasta.

À agência de notícias Reuters o embaixador britânico, Simon Manley, disse que a medida da ONU visa "não esquecer aqueles que lutam pela liberdade em casa, enquanto [Vladimir] Putin realiza opressão no exterior". Referia-se, respectivamente, à repressão contra russos contrários às medidas do governo e à Guerra da Ucrânia, iniciada em fevereiro.

Depois, no Twitter, o britânico celebrou a aprovação e, em tom irônico, desejou feliz aniversário a Putin, que completa 70 anos nesta sexta.

O chefe da diplomacia russa em Genebra, Gennadi Gatilov, também afirmou durante a votação que o texto continha alegações falsas. "Essa resolução é mais um exemplo de como países ocidentais estão usando o conselho para alcançar objetivos políticos."

O relator será encarregado de, por um ano, coletar, examinar e avaliar informações relevantes, junto à sociedade civil, sobre potenciais violações de direitos humanos, em especial de opositores do governo.

A medida não necessariamente se traduz em mudanças. No Irã, por exemplo, onde uma mobilização ocorre após a morte da jovem curda Mahsa Amini, o relator especial Javaid Rehman têm tido acesso negado para investigações in loco.

A votação nesta sexta ganha também feição simbólica. Horas antes, em Oslo, o prêmio Nobel da Paz foi concedido à organização de direitos humanos russa Memorial, pioneira no país —além do ativista belarusso Ales Bialiatski e do Centro para Liberdades Civis da Ucrânia.

O comitê norueguês do Nobel, como já havia feito na edição de 2021, que laureou o jornalista russo Dmitri Muratov (ao lado da filipina Maria Ressa), criticou a repressão posta em prática pelo regime de Putin.

Russos que, no final de fevereiro, manifestaram-se contra a invasão da Ucrânia foram detidos em diferentes partes do país. Mais recentemente, em setembro, aqueles que questionaram a decisão de uma ampla mobilização para o conflito também foram presos.

O Brasil tem sido criticado por adotar uma posição de alegada neutralidade em relação a Moscou, importante parceira comercial e aliada no Brics. Na última semana, o país se absteve em uma resolução no Conselho de Segurança que condenava a anexação de partes do território ucraniano por Moscou.

A posição da diplomacia brasileira chegou a ser repreendida pelo presidente da Ucrânia, Volodimir Zelenski. "Não acredito que alguém possa se manter neutro quando há uma guerra no mundo", afirmou, em julho, referindo-se ao presidente Jair Bolsonaro (PL).

Ainda na atual sessão do Conselho de Direitos Humanos da ONU, outra posição do Brasil chamou a atenção. Na quinta (6), o país se absteve durante a votação de uma moção para debater a situação da minoria muçulmana uigur em Xinjiang, região a oeste da China. Diferentemente do projeto desta sexta sobre a Rússia, porém, o texto da véspera não obteve sucesso em Genebra.

Com Reuters e AFP

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.