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Etiópia e separatistas do Tigré acertam acordo para encerrar guerra civil

Negociações foram recebidas com surpresa pela comunidade internacional, que elogiou compromissos de ambas as partes

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Pretória | Reuters

O governo da Etiópia e as forças separatistas da região do Tigré acertaram nesta quarta (2) um cessar-fogo no norte do país, onde os conflitos já duram dois anos e acumulam milhares de mortes e relatos de crimes de guerra. O pacto, assinado em Pretória, na África do Sul, foi mediado pela União Africana.

"Ambas as partes do conflito etíope concordaram formalmente com a cessação das hostilidades e com o desarmamento sistemático, ordenado, suave e coordenado", afirmou o ex-presidente da Nigéria Olusegun Obasanjo, chefe da equipe de mediação da UA, em uma cerimônia.

O ex-presidente queniano Uhuru Kenyatta aplaude o representante do governo etíope, Redwan Hussien, à esq., e o delegado de Tigré, Getachew Reda, após ambos assinarem, em Pretória, um acordo de cessar-fogo
O ex-presidente queniano Uhuru Kenyatta aplaude o representante do governo etíope, Redwan Hussien, à esq., e o delegado de Tigré, Getachew Reda, após ambos assinarem, em Pretória, um acordo de cessar-fogo - Siphiwe Sibeko/Reuters

Obasanjo disse ainda que o acordo inclui a "restauração da lei, da ordem e de serviços, o acesso irrestrito a suprimentos humanitários e a proteção de civis, em especial mulheres, crianças e outros vulneráveis". O anúncio foi recebido com certa surpresa pela comunidade internacional, que via dificuldades para um pacto.

A cerimônia que o oficializou atrasou três horas —e jornalistas haviam sido originalmente chamados para uma entrevista do negociador nigeriano.

O enviado do governo etíope, Redwan Hussein, confirmou o cessar-fogo e disse que "agora cabe a todos honrá-lo". O líder das forças separatistas, por sua vez, chamou as concessões feitas de dolorosas, ainda que necessárias para o fim da morte e da destruição em larga escala na região.

"Este não é o fim do processo de paz. A implementação do acordo assinado hoje é crucial para seu sucesso", afirmou Obasanjo.

As negociações, retomadas há uma semana, não incluíram o governo da Eritreia nem outras forças regionais que apoiam a Etiópia no conflito. A presença deles era vista como crucial para dar concretude ao acordo, já que as forças eritreias são acusadas de estarem envolvidas em alguns dos piores abusos na guerra, como estupros coletivos, assassinatos e saques.

Nesta quarta, segundo a agência de notícias Associated Press, citando uma fonte humanitária que pediu anonimato, diversas mulheres em Adwa foram estupradas por soldados —algumas delas ficaram gravemente feridas. Procurados pela agência, nem o regime eritreu nem as forças regionais se manifestaram sobre a trégua acertada. A Eritreia é um país vizinho à Etiópia que faz fronteira com a região do Tigré; a nação apoia as tropas de Adis Abeba, com soldados auxiliando nas ações militares.

Independentemente da posição de Asmara, o secretário-geral da ONU, António Guterres, celebrou o acordo e disse se tratar de um primeiro passo "para trazer algum consolo para os milhões de civis etíopes que sofreram muito durante esse conflito". As negociações também foram elogiadas pelos EUA.

Agora, o maior desafio é levar ajuda humanitária ao Tigré, onde linhas de comunicação e de transportes estão cortadas desde o início da guerra civil. Na região, faltam alimentos, vacinas e itens como insulina.

Devido à falta de insumos, os médicos, segundo relatos, recorrem ao uso de soluções salinas e panos para tratar as feridas dos pacientes. Um profissional de saúde do principal hospital da região definiu a situação como estar de volta à cirurgia do século 18. De acordo com a ONU, 90% das pessoas no Tigré precisam de ajuda. A desnutrição afeta entre 16% e 28% das crianças e cerca de 50% das grávidas e lactantes.

Investigadores de direitos humanos das Nações Unidas disseram que o governo etíope vem usando "a fome de civis" como arma de guerra, o que Adis Abeba contesta. O premiê da Etiópia, Abiy Ahmed, venceu o Nobel da Paz em 2019 por sua postura conciliatória e pelo empenho em encerrar a guerra iniciada nos anos 1990 com a Eritreia.

Em discurso nesta quarta, antes do anúncio do acordo, ele defendeu os esforços para estabelecer um cessar-fogo na região. "Estamos finalizando a guerra e agora traremos paz e desenvolvimento", disse.

No mês passado, o regime já tinha anunciado um cessar-fogo com os separatistas, mas dias depois Adis Abeba reivindicou a retomada de Shire, uma das maiores cidades do norte, antes sob controle da Frente de Libertação Popular do Tigré (TPLF).

Primeiro da etnia oromo a chegar ao poder, Ahmed é acusado de perseguir os tigrínios, que governaram a Etiópia por três décadas. Desde que assumiu o cargo, em 2018, ele implementou reformas liberais e entrou em conflito com a TPLF. Para os líderes do Tigré, os projetos de Ahmed visam a centralização do poder e o fim da perda de autonomia regional —um dos pilares políticos das últimas décadas no país.

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