Líderes lusófonos dizem esperar retomada de relações com Brasil sob Lula

Petista liderou votação em Angola, Cabo Verde e Portugal; Bolsonaro venceu em Moçambique, Guiné-Bissau e Timor

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São Paulo

Quando a amostra de comparação do resultado das eleições do último domingo (30) são os eleitores nos oito países de língua portuguesa que, ao lado do Brasil, formam a comunidade lusófona, não há consenso sobre quem seria o melhor presidente para o país —ao menos não nas urnas.

Ainda assim, a confirmação da vitória de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) foi recebida pela maioria dos líderes lusófonos com mensagens que transpareciam a esperança de retomar relações em parte congeladas durante o governo de Jair Bolsonaro (PL).

Acompanhado de Celso Amorim, seu chanceler, o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) caminha com o então premiê de Cabo Verde, José Maria Pereira Neves, após almoço no Palácio do Itamaraty; Neves é o atual presidente de seu país, e Lula foi reeleito para o Palácio do Planalto - Sérgio Lima - 22.ago.05/Folhapress

Em três países (Portugal, Angola e Cabo Verde), o petista foi o mais votado. Em outros três (Moçambique, Guiné-Bissau e Timor Leste), o eleitorado ficou ao lado do atual presidente. Já em Guiné Equatorial e São Tomé e Príncipe não houve votação, porque o número de eleitores cadastrados é inferior a 30, cifra mínima estabelecida pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral) para que seja aberta uma seção.

No total, a votação em nações lusófonas foi favorável a Lula, que reuniu 63,7% dos votos válidos (23,6 mil), ante 36,3% de Bolsonaro (13,4 mil). Os valores são ínfimos dentro do apoio final de cada um: representam 0,04% dos 60,3 milhões de votos do petista e 0,02% dos 58,2 milhões do candidato à reeleição.

Eles, porém, são em grande parte reflexo das comunidades locais. Em Portugal, destino de milhares de brasileiros, os três colégios eleitorais —Lisboa, Porto e Faro— deram a vitória ao petista, com 23,2 mil votos ao todo.

As cifras nanicas nos lusófonos africanos e no Timor Leste, único país de língua portuguesa no Sudeste Asiático, permitem observar melhor a dissidência de opinião. Na capital moçambicana, Maputo, por exemplo, Bolsonaro recebeu 166 votos (54,3% dos válidos); Lula, 140 (45,7%). Já em Luanda, em Angola, o resultado é quase inverso: 55,6% para o petista (124), 44,4% para o presidente (99).

Nos dois países, estão a cargo do governo figuras mais simpáticas ao PT —não apenas pelo refluxo das relações bilaterais com os Palop (Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa) no governo Bolsonaro.

Durante governos petistas, as nações africanas estiveram envolvidas em casos de corrupção com a Odebrecht. A empreiteira confessou o pagamento de propina para autoridades angolanas. E o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) sofreu calote após financiar obras em Moçambique, levando o Tesouro Nacional a pagar pelo montante.

O presidente João Lourenço disse em nota que Angola e Brasil "precisam resgatar as ricas memórias de relações bilaterais", em mensagem clara sobre o distanciamento recente entre as nações.

Lourenço, reeleito em agosto num pleito contestado, é herdeiro do MPLA, que governa o país desde a independência. Lula foi próximo de seu antecessor, o autocrata José Eduardo dos Santos, morto em julho.

De Moçambique, a mensagem do presidente Filipe Nyusi, da Frelimo (Frente de Libertação de Moçambique), que chamou Lula de irmão, também denota esperança da retomada de relações: "Sua eleição abre uma nova caminhada de esperança rumo a uma nova era de reforço da nossa irmandade".

Do líder do Timor Leste, o Nobel da Paz José Ramos-Horta, veio mensagem ainda mais enfática. "Justiça foi feita ao restaurar-se a vibrante democracia brasileira e assim corrigirem-se os graves atropelos ao Estado de Direito, as injustiças e a manipulação do poder judicial", disse, referindo-se à prisão de Lula.

Ramos-Horta, um dos principais rostos da independência, e outras lideranças timorenses têm relação histórica com o petismo. À Folha, em maio, Roque Rodrigues, ex-ministro da Defesa, creditou a Lula a capacidade de aquecer a CPLP (Comunidade dos Países de Língua Portuguesa).

O tom do líder timorense, porém, não encontrou eco nas urnas: a capital Díli foi a seção lusófona no exterior em que Bolsonaro conquistou a maior fatia proporcional de votos: 62,7% (ou 37).

No arquipélago de Cabo Verde, 64,5% (40 eleitores) votaram em Lula e 35,5% (22) optaram por Bolsonaro. O presidente José Maria Neves, em uma rede social, disse esperar que os países possam trabalhar juntos para "reforçar ainda mais as relações de amizade e cooperação".

De centro-esquerda, Neves realizou boa parte de sua formação acadêmica no Brasil. À Folha, em novembro passado, disse que Lula, quando esteve no poder, tinha uma "perspectiva de promoção do Brasil no mundo" e que sem o petista no Planalto o Brasil se isolou.

Na Guiné-Bissau, a maioria foi favorável à reeleição de Bolsonaro —55,5% ou 25 eleitores. A cargo do país está Umaro Sissoco Embaló, autocrata descrito pelo próprio presidente brasileiro como "Bolsonaro da África". Ele chegou a usar a ascensão de militares a cargos no governo e em estatais na gestão Bolsonaro para justificar movimento semelhante em seu governo.

Após o resultado, o guineense foi um dos primeiros a parabenizar Lula —e, segundo a campanha petista, inclusive telefonou a Lula nesta segunda (31). "Trabalharemos por relações bilaterais sólidas e prósperas", escreveu, no Twitter, em... francês —cercado por nações francófonas, o país africano tem visto, cada vez mais, o português perder espaço para o idioma, usado majoritariamente no governo e em espaços de trabalho.

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