Descrição de chapéu
Governo Biden Partido Republicano

Republicanos foram com tanta sede ao pote contra o aborto que espantaram eleitor mediano

Imbróglio explica por que o partido foi melhor nas corridas para a Câmara do que nas disputas para o Senado nas midterms

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

São Paulo

Durante muito tempo, o Partido Republicano usou a bandeira da oposição ao aborto para mobilizar o eleitorado mais conservador. Nos EUA, onde o voto não é obrigatório, não basta conquistar a preferência do eleitor; é preciso também motivá-lo a sair de casa e visitar a urna. Funcionou.

Posições antiaborto, ou "pró-vida", como eles gostam de dizer, tornaram-se "mainstream" entre os republicanos. O presidente Donald Trump fez questão de nomear para a Suprema Corte três juízes contrários à prática. E eles não perderam tempo. Tendo a maioria do tribunal, repeliram Roe vs. Wade, a decisão de 1973 que assegurava nacionalmente às mulheres o direito de interromper a gravidez.

Em vários estados do Sul e do Meio-Oeste, regras muito restritivas passaram a valer automaticamente.

Voters cast their ballots on Election Day at a polling location in Brooklyn, Nov. 8, 2022. Economic issues are among the top worries heading into the midterms. (Sarah Blesener/The New York Times)
Eleitores votam nas midterms em Nova York - Sarah Blesener/The New York Times

A história de sucesso acaba aqui. Bandeiras pró-vida caíam bem entre os mais conservadores, mas não no conjunto da população. Mais de 40 anos de aborto legalizado fizeram com que o direito da mulher de decidir sobre o próprio corpo fosse incorporado à preferência média do cidadão americano.

Segundo pesquisa Gallup, só 19% dos americanos acham que o aborto deve ser proibido; 80% pensam que ele deve ser permitido, dividindo-se entre os que o chancelam em todos os casos (32%) e os que pensam que deve ser permitido em certas ocasiões (48%). Assim, o fim de Roe vs. Wade não foi bem recebido.

O Kansas, estado bem mais rural e conservador do que a média nacional, já dera em agosto um sinal de que isso poderia ocorrer, quando uma consulta popular determinou que o aborto deveria continuar um direito. Agora, nas eleições de meio de mandato, o efeito voltou a aparecer com força no país e pode ter sido parcialmente responsável por evitar o que seria uma avassaladora vitória republicana no Legislativo.

Pesquisa de boca de urna da rede CNN mostrou que 27% dos eleitores disseram que o aborto foi fator que mais influiu em seu voto, o que o coloca muito perto da economia, o eterno campeão. Mais ainda, quatro estados, Michigan, Kentucky, Califórnia e Vermont, realizaram consultas populares sobre o aborto, e os eleitores de todos eles decidiram manter ou expandir o direito.

O imbróglio ajuda até a entender por que os republicanos foram melhor nas corridas para a Câmara do que nas para o Senado. Por uma série de mecanismos, o Partido Republicano vem selecionando candidatos e lideranças que são mais radicais do que seu eleitorado médio, seja em questões comportamentais como o aborto, seja na defesa da tese trumpista de que o último pleito presidencial foi roubado.

Vários deles tiveram sucesso na disputa por uma cadeira na Câmara, já que ela se dá por meio de distritos que, devido a anos e anos de "gerrymandering" (redesenho dos limites das seções eleitorais com o objetivo de favorecer o partido no poder), vêm se tornando cada vez mais radicais.

O problema é que a eleição ao Senado não se dá por distritos, mas em âmbito estadual. Aí, afastar-se da preferência média deixa de ser uma vantagem para tornar-se um ônus. Em resumo, a bandeira pró-vida, enquanto utilizada com moderação, ajudou os republicanos. Mas eles perderam a cabeça e depois foram com tanta sede ao pote que ela acabou espantando o eleitor mediano e até o levemente conservador.

Há chance de algo parecido acontecer no Brasil? Receio que não. Nos EUA, é clara a preferência média por uma legislação pouco restritiva. No Brasil, ocorre o contrário. Segundo o Datafolha, 71% querem ou manter a lei como ela está —só admitindo o aborto em caso de estupro, risco de vida para a mãe ou anencefalia do feto— ou restringi-la ainda mais. Os que defendem sua ampliação ou o fim de qualquer limitação são apenas 26%.

Considerando-se que aqui o Congresso foi ainda mais para a direita e que o governo Lula não terá muita disposição de contrariar a bancada da Bíblia, as chances de descriminalização repousam todas no Supremo Tribunal Federal, que poderia em princípio reconhecer a decisão sobre seguir ou não com uma gravidez como um direito fundamental da mulher. Seria o Roe vs. Wade brasileiro.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.