Greve de enfermeiros engrossa onda de paralisações no Reino Unido e abre crise para Sunak

Sindicatos de diferentes setores acusam intransigência do governo e estimam mais de 1 milhão de dias perdidos em dezembro

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Milão

Neste dezembro, além de acompanhar o calendário do advento, como é chamada a contagem regressiva para o Natal que tradicionalmente enfeita as casas europeias, os britânicos precisam seguir com atenção uma outra agenda —a das greves dos serviços públicos.

Depois de diversas paralisações entre junho e agosto, que afetaram o funcionamento dos transportes no período de férias, uma nova onda atinge o Reino Unido desde o início do mês, sem sinais de arrefecer nas próximas semanas, de festas de fim de ano. A cada dia, uma categoria diferente promete cruzar os braços.

Agora, porém, a interrupção de serviços vai muito além de estações de trens e aeroportos. Nesta quinta (15), o sindicato britânico dos profissionais de enfermagem, o Royal College of Nursing, organiza uma greve de 12 horas com previsão de adesão de até 100 mil trabalhadores na Inglaterra, na Irlanda do Norte e no País de Gales. Será a primeira da história do colegiado, fundado em 1916 —a segunda já foi anunciada para terça (20).

Plataforma lotada na hora do rush matinal na estação de Clapham Junction, em Londres, em meio a paralisação de trabalhadores do setor ferroviário - Henry Nicholls - 14.dez.22/Reuters

A categoria se junta aos 115 mil funcionários dos correios e 40 mil do setor ferroviário, que programaram diversos atos ao longo do mês. Além deles, aderiram trabalhadores do controle de fronteiras em aeroportos e agentes de segurança do Eurostar, linha de trem que liga o Reino Unido à Europa continental. Na semana que vem, operadores de ambulância ameaçam interromper os trabalhos.

A previsão dos sindicatos é que, neste mês, na soma de cada funcionário parado, haja mais de 1 milhão de dias perdidos por greves, o maior contingente desde julho de 1989. Em outubro, a cifra acumulou 417 mil dias —a maior desde 2011.

As greves que atingem o setor público estão sendo convocadas como forma de pressionar o governo por reajustes salariais que superem a inflação, medida em 11,1% em outubro, recorde em mais de 40 anos. O sindicato dos trabalhadores da enfermagem pede por 5% acima da inflação.

O primeiro-ministro, Rishi Sunak, do Partido Conservador, argumenta que não há condições de dar aumentos acima da inflação para o setor público, com a justificativa de que isso poderia resultar em mais pressão sobre a alta de preços. Para compensar a interrupção dos serviços essenciais, o governo considera escalar membros das Forças Armadas para, por exemplo, dirigir ambulâncias.

Nesta terça (13), após uma última tentativa de acordo que pudesse cancelar a greve da enfermagem, a líder do sindicato chamou a posição do governo de beligerante. "Pedi várias vezes para discutir o salário e todas as vezes voltávamos ao mesmo ponto –que não havia dinheiro extra na mesa e que eles não discutiriam o tema. Eles fecharam os livros e foram embora", disse Pat Cullen, do Royal College of Nursing. A categoria promete manter a atividade em unidades essenciais, como terapia intensiva e oncologia.

O líder da oposição, o trabalhista Keir Starmer, descreveu a greve da enfermagem como uma vergonha para o governo. "Tudo o que o primeiro-ministro tem que fazer para impedir isso é abrir as portas e discutir o salário com eles. Em vez de mostrar liderança, ele está brincando com a saúde das pessoas", disse, nesta quarta, no Parlamento.

Susan Milner, professora de política europeia e sociedade da Universidade de Bath, diz à Folha que o momento é de endurecimento das posições. "Com o governo adotando uma recusa geral, é provável que os movimentos de greve aumentem. Eles não devem desaparecer da noite para o dia."

Pesquisadora de organizações trabalhistas, Milner diz que, diferentemente de agora, as greves registradas nas últimas décadas tiveram picos pontuais, limitados a poucos setores por vez. "O que temos agora é um sentimento de que o setor público é um lugar de descontentamento, porque ofertas salariais são muito abaixo da inflação e da progressão média do setor privado", afirma. "É algo generalizado, o que é novo."

A atual onda de greves difere também dos movimentos do fim dos anos 1970 que entraram para a história do Reino Unido com o "inverno dos descontentes" —em setembro de 1979, o número de dias perdidos por paralisações passou de 11 milhões. Com o endurecimento da legislação promovido pela então primeira-ministra Margaret Thatcher, ficou mais difícil para um sindicato convocar uma greve. "Mas organizações, como a dos ferroviários, se adaptaram e aprenderam como agir dentro do sistema", explica Milner.

Talvez essa expertise ajude a explicar por que os britânicos se dividem na hora de apoiar paralisações dos ferroviários, enquanto se colocam mais claramente ao lado dos trabalhadores da enfermagem, que param pela primeira vez, e das ambulâncias.

Segundo pesquisa YouGov dos dias 6 e 7 de dezembro, 33% dos britânicos culpavam o governo pela greve no sistema de trens, enquanto 31% miravam os sindicatos. Já em relação aos profissionais da área da saúde, a maioria (46%) pensa que o culpado pela situação seja a gestão Sunak. "Olhando de fora, os enfermeiros parecem ter a melhor chance de pressionar o governo para chegar a um acordo", diz Milner.

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