Sunak, que não liga para isso, simboliza ascensão de hindus no Reino Unido

Premiê de origem indiana lidera o governo britânico, mas não faz dessa pauta uma bandeira política

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Madri

A eleição de Rishi Sunak como primeiro-ministro representa um passo muito importante para a comunidade imigrante, mais especificamente a indiana, nos países do Reino Unido. Historicamente relegados a trabalhos braçais ou de segunda categoria, indianos lutam há pelo menos cinco décadas contra o racismo e o preconceito —assuntos que raramente são discutidos de forma profunda no ambiente político britânico.

Os indianos representam há décadas a maior comunidade racial de não brancos a viver no país. Segundo estudo de 2019 (o último censo foi realizado em 2011) do Escritório de Estatísticas Nacionais, os indianos formam hoje 2,9% da população britânica, e, importante dizer, cerca de metade deles já nasceu no país, como o novo premiê.

O primeiro-ministro do Reino Unido, Rishi Sunak, em frente a sua residência oficial em Londres - Justin Tallis - 26.out.22/AFP

Rishi Sunak nasceu em 1980 e faz parte das primeiras grandes gerações de indianos nascidos no Reino Unido. Apesar de haver registros de imigrantes da Índia há mais de um século, foi apenas nos anos 1960 que a migração ganhou ares de diáspora. O censo de 1971 indicava uma comunidade de 375 mil indianos no país, quase cinco vezes mais do havia sido registrado dez anos antes. Em 2011, o grupo já somava 1,5 milhão de pessoas.

O racismo profundo a que esses imigrantes e seus filhos foram submetidos nas ilhas levou à criação de organizações como o Conselho Hindu, em 1994, e o Centro de Estudos Hindus da Universidade de Oxford, três anos depois.

Sunak nasceu em Southampton, cidade costeira no sul da Inglaterra, filho de um clínico geral e de uma gerente de farmácia que economizaram para mandar seus filhos para escolas de elite. "Em termos de educação cultural, no fim de semana eu estaria no templo —sou hindu— mas também poderia ir ao estádio do Southampton para assistir a um jogo de futebol", afirmou Sunak em 2019 à BBC.

Ele se diz sortudo por não ter vivido muitos momentos de preconceito, mas contou um episódio que o marcou à rede britânica: "Eu era adolescente e estava com meus irmãos mais novos em um restaurante de fast food. Havia pessoas sentadas nas proximidades e foi a primeira vez que vi alguns dizendo coisas muito desagradáveis [sobre a origem da família]. Isso doeu, e ainda me lembro. Ficou na minha memória".

É claro que a comunidade celebra o fato de um dos seus membros chegar ao posto máximo do governo britânico. Mas assim como a eleição de Barack Obama não acabou com o racismo nos Estados Unidos, há pouca esperança de que o momento de Sunak traga algum tipo de transformação profunda.

Na semana passada, por exemplo, o colunista da Bloomberg Pankaj Mishra publicou um texto cujo título questionava "O que não está na lista de afazeres de Sunak?". E o próprio colunista respondia: "Acabar com o racismo".

Apesar de demonstrar orgulho de suas raízes, elas jamais foram aspectos centrais da plataforma política de Sunak. E os fatos de ele ser terrivelmente rico e de ter tido uma educação à qual muitos dos seus não têm acesso acabam por descolar o premiê da maioria da comunidade indiana no reino.

Sunak apoiou o brexit por acreditar que isso tornaria o Reino Unido "mais livre, justo e próspero". E disse que a mudança nas regras de imigração, que foram endurecidas, era outra razão importante para o voto pela saída do bloco econômico. "A imigração pode beneficiar nosso país, mas devemos ter controle de nossas fronteiras", defendeu à época, expressando posição que ele ainda mantém.

À ascensão de Sunak ao maior cargo político do Reino Unido deve-se acrescentar a eleição de Sadiq Khan para a Prefeitura de Londres em 2016 e sua reeleição em 2021. Como Sunak, Khan nasceu na Inglaterra, mas, diferentemente do premiê, tem origens paquistanesas e veio de uma família muçulmana.

Sadiq Khan, prefeito de Londres, durante entrevista na capital britânica - Maja Smiejkowska - 3.out.22/Reuters

As duas religiões têm tudo a ver com o nascimento e a independência desses países na Ásia no século passado. A Índia foi uma colônia britânica desde o século 18, mas o controle direto acabou após a Segunda Guerra Mundial (1939-1945).

Em 1947, a grande Índia foi dividida em três a partir da religiosidade de suas populações. A noroeste, criou-se o Paquistão Ocidental, de maioria muçulmana, com 30 milhões de pessoas; ao leste, o Paquistão Oriental, também muçulmano, com mais 30 milhões; no meio, ficou a Índia, de religiões hindu e sikh e seus então 330 milhões de habitantes. Mais tarde, em 1971, o Paquistão Oriental tornou-se Bangladesh.

Essas duas comunidades, paquistaneses e bangladenses, também têm grandes representações no Reino Unido. Os paquistaneses e seus descendentes, como o prefeito de Londres, são 2,4% (1,2 milhão) da população britânica, atrás apenas dos indianos e empatados com os africanos como segunda maior comunidade da nação. Os bangladenses são 1,1% (500 mil pessoas).

A partição da Índia por meio de linhas religiosas levou a migrações populacionais sem precedentes e a massacres entre etnias com violência jamais vista na região, com números que variam entre 200 mil e 2 milhões de mortos.

Mais de meio século depois, essas diferenças não cicatrizaram e chegaram ao Reino Unido. As comunidades indianas e paquistanesas não são exatamente unha e carne, e, de vez em quando, um episódio coloca a rivalidade novamente em foco.

Foi o que aconteceu há algumas semanas em Leicester, no centro da Inglaterra, quando a Índia bateu o Paquistão em jogo da Copa Asiática de críquete. Gangues paquistanesas tomaram as ruas e vandalizaram comércios indianos, casas e carros, além de aterrorizar membros da comunidade, inclusive com tentativas de esfaqueamentos. A confusão durou dias e, em resposta, a comunidade indiana organizou boicotes a comércios e restaurantes paquistaneses para "sufocá-los economicamente".

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