Noruega busca ampliar influência na América Latina com diplomacia e pauta ambiental

País aprofunda soft power ao explorar tradição pacifista e discurso sustentável na Colômbia, na Venezuela e no Fundo Amazônia

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São Paulo

A Noruega está a mais de 8.000 quilômetros da América do Sul, mas a distância não tem impedido Oslo de buscar certo protagonismo em discussões centrais na região. Nas últimas semanas, o país voltou a se envolver em temas que vão da preservação da Amazônia a diálogos de paz na Colômbia e na Venezuela.

Dona do segundo maior IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) do mundo e longe de ter a ambição de se tornar uma potência militar, a Noruega tradicionalmente investe na diplomacia como forma de expandir a influência política e econômica.

É essa estratégia que ajuda a explicar o país ter entrado recentemente como garantidor nas complexas negociações entre a guerrilha ELN (Exército de Libertação Nacional) e o Estado colombiano e na mediação de conversas entre o ditador Nicolás Maduro e a oposição na Venezuela.

O norueguês Dag Nylander e o presidente da Assembleia Nacional da Venezuela, Jorge Rodríguez, em entrevista coletiva sobre as negociações entre ditadura e oposição de Caracas, na Cidade do México - Henry Romero - 26.nov.22/Reuters

A aposta na difusão do chamado soft power —influência exercida pela cultura e pelo prestígio sem o uso de armas— remonta à formalização do Estado norueguês, segundo Vinicius Rodrigues Vieira, professor de relações internacionais da Faap e da FGV.

O país se tornou independente da Suécia em 1905, encerrando uma unificação estabelecida em 1814, depois de mais de 400 anos sob domínio da Dinamarca. Ao conquistar a autonomia política de forma relativamente tardia, a Noruega nunca foi uma potência colonial, como outros europeus que ainda hoje têm influência sobre ex-colônias.

"Que outras nações falam norueguês? O idioma é pouco difundido, a cultura também. Oslo encontrou nos mecanismos de cooperação internacional maneiras para construir seu soft power", explica Vieira.

Uma segunda tradição que tampouco se desenvolveu foi a bélica —o contingente ativo hoje é de 23 mil militares, muito abaixo do 1,4 milhão dos Estados Unidos, segundo a organização Global Firepower. O viés adotado foi, ao contrário, o pacifista, por meio do qual o país buscou se tornar referência na mediação de conflitos.

A Noruega tem desenvolvido, por exemplo, um amplo material acadêmico sobre o assunto em universidades e centros de pesquisa. O Peace Research Institute Oslo (Instituto de Pesquisas da Paz de Oslo) foi fundado em 1959 com foco em estudos que pensem em "condições para relações pacíficas entre Estados, grupos e pessoas".

A pesquisadora Wenche Hauge ressalta que essa ênfase da política externa se evidenciou em 1993, quando o país atuou em conjunto com os EUA na intermediação do conflito entre Israel e Palestina, nos chamados Acordos de Oslo —ainda que eles não tenham encerrado as tensões, que persistem até hoje.

O tratado precedeu uma série de esforços, e desde então a Noruega já se envolveu em diálogos em locais como Guatemala, Mali, Sudão, Sri Lanka, Haiti, República Dominicana e Filipinas.

Segundo Hauge, a estabilidade política de Oslo é fundamental para a manutenção desse caráter: mudanças de governo, da esquerda para a direita ou vice-versa, não representam risco de saída de determinados processos. Além disso, o país é relativamente pequeno, com 5,4 milhões de habitantes, e com situação econômica confortável, dono de um dos maiores PIBs per capita do mundo.

Tudo isso somado aos fatos de não integrar a União Europeia e de ter menos interesses privados em outros lugares e menos burocracia garante mais autonomia e facilita a tomada de decisões flexíveis e rápidas de assistência financeira.

No caso da mediação no Sri Lanka, por exemplo, Hauge lembra que só Noruega e Suíça puderam receber as partes envolvidas porque os Tigres Tâmeis —grupo armado que quer criar um Estado independente— foram classificados como organização terrorista por EUA e países da Europa.

"Na América Latina, o país não tem histórico de divergências e goza de expressiva neutralidade em temas de direito internacional, diferentemente, por exemplo, de Rússia, China e EUA", afirma Ricardo Macau, professor de direito internacional em um curso preparatório para o Instituto Rio Branco.

Outra aposta do soft power de Oslo é a diplomacia ambiental, área em que a atenção se volta ao Brasil. Ao lado da Alemanha, a Noruega é um dos principais doadores do Fundo Amazônia, criado em 2008 com o objetivo de captar recursos para ações de prevenção, monitoramento e combate ao desmatamento na Amazônia Legal

Segundo Vieira, os investimentos na área ambiental são uma demanda da própria população, em um país que, ao mesmo tempo, é grande produtor de petróleo, tem parte do território no Ártico e sofre impactos diretos da crise climática, com fatores como o derretimento de geleiras. "No Brasil, a pauta climática ganhou importância nos últimos dez anos, mas nos países nórdicos está presente desde os anos 1970."

Isso explica, por exemplo, a iniciativa do Cofre Global de Sementes, em Svalbard, um dos locais mais isolados do planeta e projetado para resistir a furacões, terremotos e ataques nucleares —a estação armazena sementes de todo o mundo com o objetivo de preservar espécies do risco de extinção. Também está por trás da rigidez em tratados para a área.

Em 2019, ano em que Jair Bolsonaro (PL) assumiu a Presidência do Brasil, o país escandinavo suspendeu os repasses ao Fundo Amazônia. No governo que hoje está em seus últimos dias o desmatamento na Amazônia aumentou 70%, índice considerado escandaloso pelo ministro do Meio Ambiente norueguês, Espen Barth Eide, que apontou um "confronto frontal" de visões com Bolsonaro sobre o tema.

"Em relação a Lula [presidente eleito], observamos que na campanha ele enfatizou a preservação da floresta amazônica e a proteção dos povos indígenas", disse Eide, acrescentando que 5 bilhões de coroas norueguesas (R$ 2,5 bilhões) voltarão a ser disponibilizadas para o programa após a posse do petista.

Analistas ponderam, de toda forma, que, ao trabalhar para aumentar sua influência, qualquer país também visa a ganhos econômicos a médio e longo prazo.

"A América Latina, por exemplo, é grande fornecedor de matérias-primas, e a Noruega abriga uma série de empresas que atuam na exploração do petróleo e minerais", diz Vieira. "Ninguém investe apenas por benevolência, por ser instituição de caridade. Quando um país sinaliza que é um parceiro internacional, abre portas para oportunidades econômicas."

No Brasil, a companhia norueguesa Hydro, uma das maiores do mundo no setor, atua no Pará na mineração de alumínio. Na Venezuela, Oslo pode ampliar transações envolvendo equipamentos para a extração de petróleo.

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