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Peru tem novas mortes em atos após presidente propor antecipação de eleições

Protestos aumentam, fecham aeroporto de Arequipa e acumulam ao menos 7 vítimas; Dina decreta estado de emergência

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Lima | AFP e Reuters

Pressionada nas ruas por uma onda de protestos, nos quais novas mortes foram registradas nesta segunda-feira (12), a nova presidente do Peru, Dina Boluarte, afirmou que apresentará um projeto de lei ao Congresso para antecipar as eleições gerais para 2024 —no país, mandatos presidenciais duram cinco anos, de modo que ela seguiria no posto até 2026.

Em mensagem televisionada, a ex-vice de Pedro Castillo, destituído pelo Parlamento e preso após uma tentativa fracassada de golpe de Estado, disse estar atendendo à vontade popular. Ela também anunciou o estabelecimento de um estado de emergência para "recuperar o controle da ordem interna".

Apoiadores do agora ex-presidente Pedro Castillo durante confronto com a polícia na capital do Peru, Lima - Ernesto Benavides - 11.dez.22/AFP

O anúncio, porém, não apaziguou a insatisfação. Pouco depois da fala, um ato com centenas de pessoas bloqueou a pista do aeroporto de Arequipa, segunda maior cidade do país, com pedras, pedaços de pau e pneus em chamas, exigindo a renúncia da líder. Mais tarde, uma pessoa morreu em Ciudad Municipal, na mesma região.

Na região de Apurímac, foram ao menos mais duas mortes, depois de outras duas que já haviam sido registradas no domingo (11) —esses funerais, aliás, foram marcados por cenas de violência entre os presentes e agentes de segurança. Desde quarta (7), quando os protestos começaram na sequência da deposição de Castillo, já são ao menos sete vítimas —incluindo dois menores— em confrontos entre manifestantes e policiais, segundo a ouvidoria estatal peruana.

A missão no Peru do Alto Comissariado para Direitos Humanos da ONU reagiu às mortes e defendeu "a importância de ouvir as preocupações e reclamações da população para enfrentar de forma eficaz a situação atual".

Dina afirmou que o estado de emergência valeria para zonas com alto grau de conflito. Depois, o ministro do Interior nomeado, César Cervantes, detalhou que a medida valerá para as regiões de Apurímac, Arequipa e Ica, todas no sul do país, e que começará "o mais rápido possível", sem especificar quando.

Antecipar eleições não é um processo de todo simples, e analistas consultados pela agência AFP estimam em até 16 meses de caminho legal. Segundo a legislação peruana, reduzir mandatos populares requer a aprovação de uma reforma constitucional e até de um referendo —tarefas que se prenunciam complexas para um governo frágil como o de Dina.

"Ela não pode convocar eleições imediatas, porque, de acordo com a Constituição, elas devem ser realizadas em 2026", diz o ex-presidente do Tribunal Constitucional Ernesto Álvarez. "A reforma constitucional é obrigatória porque a regra é respeitar os prazos do mandato de cinco anos assinalado pela Constituição para o presidente e o Congresso", completa o jurista Roberto Pereira.

A Constituição estabelece dois caminhos: aprovar reformas com a metade mais um dos votos dos 130 congressistas e um referendo; ou o voto de dois terços do número legal de congressistas em duas legislaturas ordinárias, sem a necessidade de uma consulta. Então, tudo dependerá da vontade política do Congresso, dominado pela direita e relutante em reduzir seu mandato.

O caminho alternativo seria Dina renunciar, deixando a Presidência para o líder do Congresso, que deverá convocar eleições em um prazo mínimo de seis meses.

Sindicatos rurais e organizações ligadas a povos originários convocaram uma paralisação por tempo indeterminado a partir desta terça (13) em apoio a Castillo, populista de esquerda que, antes de eleito, ganhou notoriedade por liderar uma greve nacional de professores.

A paralisação se daria especialmente em Apurímac, lar de grandes minas como o projeto de cobre Las Bambas, de propriedade da empresa chinesa MMG —o Peru é o segundo maior produtor de cobre do mundo, e há anos comunidades lutam contra a exploração do material.

A Frente Agrária e Rural, guarda-chuva de 12 organizações, argumenta que o ex-líder não tentou um golpe de Estado quando anunciou a suspensão do Congresso e disse que governaria por decreto e exige, além de eleições, a elaboração de uma nova Constituição para o país.

No front diplomático, os governos de Argentina, Bolívia, Colômbia e México assinaram um comunicado conjunto, divulgado pela chancelaria de Bogotá, expressando respaldo a Castillo —chamado de presidente— e exortando o Peru a proteger os direitos humanos e legais do político.

"Nossos governos convocam todos os atores envolvidos no processo a priorizar a vontade dos cidadãos que se manifestou nas urnas [em 2021]. Exortamos às instituições que se abstenham de reverter a vontade popular expressada com o voto popular livre", diz a nota, que, de forma ambígua, não pede a restituição do populista ao cargo.

Em uma carta que teria escrito na prisão, Castillo disse que ainda se considera chefe do Executivo. Sem mencionar o nome da atual presidente, ele se refere a Dina como usurpadora e diz ser contrário à realização de novas eleições.

"Sou incondicionalmente fiel ao mandato popular e constitucional que exerço como presidente e não renunciarei nem abandonarei minhas altas e sagradas funções", disse o político no documento, escrito à mão e divulgado em suas redes sociais. "O que foi dito recentemente por uma usurpadora não passa do mesmo ranho e baba da direita golpista. Portanto, o povo não deve cair no jogo sujo das novas eleições."

Ainda no domingo, uma tumultuada sessão no Parlamento terminou com a aprovação de uma moção, com 67 votos, para derrubar a imunidade de Castillo, facilitando a abertura de uma investigação criminal contra ele. O mecanismo, conhecido na política local como "antejuízo político", derruba a proteção em torno de políticos e permite processos penais devido a possíveis infrações.

Partidos aliados de Castillo, como o Perú Libre, ao qual o ex-presidente pertenceu mas se desfiliou há cerca de cinco meses, buscaram impedir a votação. A legenda propôs uma moção de censura contra a Mesa Diretora que preside o Congresso, mas a medida foi descartada com 68 votos contra e 43 a favor.

Castillo é acusado pelo Ministério Público de rebelião e conspiração, por violar a ordem constitucional. Sua defesa, por ora, alega que o populista estava dopado no momento em que leu a mensagem na qual anunciou a tentativa malsucedida de golpe de Estado.

Em outra carta que teria escrito na prisão, Castillo afirma que um médico e enfermeiras, acompanhados de um promotor encapuzado, o teriam forçado a fazer exames de sangue na sexta-feira (9) e no sábado (10), mas que ele se recusou a colaborar, por temer por sua segurança.

O presidente do Instituto Médico-Legal peruano, Francisco Brizuela, afirmou que, assim, a perícia para detectar se Castillo estava de fato dopado no momento das declarações não pôde ser concluída.

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