Pela primeira vez na história, o Parlamento da Alemanha decidiu dedicar o Dia Internacional em Memória das Vítimas do Holocausto, celebrado no país nesta sexta-feira (27), àqueles que foram perseguidos em razão de sua identidade de gênero ou orientação sexual.
A data coincide com o aniversário do fechamento, em 1945, do campo de concentração de Auschwitz-Birkenau, um dos locais mais emblemáticos da política de extermínio nazista.
Desde 1996, deputados organizam na Câmara baixa uma cerimônia na data, que tradicionalmente é um momento de homenagear os 6 milhões de judeus exterminados pelo regime de Adolf Hitler —mas outros grupos eram igualmente perseguidos pelo nazismo, entre eles gays e lésbicas.
Durante o regime, cerca de 57 mil pessoas foram presas devido à identidade de gênero ou orientação sexual. Deste grupo, entre 6.000 e 10 mil foram enviadas aos campos de concentração, onde eram obrigadas a usar, em seus uniformes, um triangulo rosa que indicava o motivo da prisão.
Estima-se que entre 3.000 e 10 mil homossexuais morreram enquanto vigorou o nazismo. Muitos deles também foram castrados ou submetidos a experimentos médicos, como cobaias.
"Esse grupo é importante, pois continua sofrendo discriminação e hostilidade", declarou a presidente do Bundestag —o Parlamento alemão—, Bärbel Bas, ao anunciar a decisão dos parlamentares de se concentrar neste ano na história das pessoas LGBTQIA+ perseguidas.
Em 1996, o fim trágico de gays e lésbicas foi lembrado pelo então presidente alemão, Roman Herzog, mas o destino dessa comunidade nem sempre é lembrado durante as homenagens.
A ausência sempre foi criticada por militantes dos direitos LGBTQIA+, que consideravam que essa população era marginalizada pelos historiadores, quando não totalmente esquecida. Por essa razão, a decisão do Parlamento deste ano é vista como "um símbolo importante de reconhecimento do sofrimento e da dignidade das vítimas presas, torturadas e assassinadas", disse Henny Engels, representante da Associação Alemã para os Direitos de Gays e Lésbicas.
A iniciativa do Bundestag também foi saudada por Dani Dayan, diretor do memorial Yad Vashem, em Jerusalém. "O Holocausto foi um ataque contra a humanidade: contra os judeus em particular, mas também contra pessoas LGBTQ, ciganos e pessoas com transtornos mentais."
De acordo com a presidente do Parlamento alemão, quase 80 anos depois do fechamento de Auschwitz, não há mais sobreviventes do campo de concentração na comunidade LGBTQIA+. Na ausência de testemunhas vivas, atores se apresentam nesta sexta no Bundestag lendo textos que relatam as histórias trágicas de membros desta comunidade perseguidos pelo regime de Hitler.
Situação da comunidade LGBTQIA+ durante o nazismo
Uma lei alemã de 1871 proibia relações sexuais entre homens e entre mulheres. No entanto, o texto praticamente não era aplicado, e, em algumas cidades do país, como Berlim, havia uma cena LGBTQIA+.
Mas tudo mudou quando o Partido Nazista chegou ao poder, após as eleições de 1933, e endureceu as regras. Em 1935, a lei passou a impor dez anos de trabalhos forçados para quem fosse condenado em caso de relações sexuais entre dois homens.
Mesmo com o fim do nazismo, o Código Penal da Alemanha Ocidental restabeleceu, em 1969, um artigo baseado na versão que precedia o regime de Hitler e continuava criminalizando a homossexualidade. O texto só foi totalmente abolido em 1994, mas só em 2017 o governo indenizou as pessoas condenadas por homossexualidade após 1945. Porém, nesse momento muitas das vítimas já estavam mortas.
Putin aproveita data para criticar ucranianos
O presidente da Rússia, Vladimir Putin, aproveitou o Dia Internacional em Memória das Vítimas do Holocausto para acusar a Ucrânia de cometer crimes "neonazistas". "Esquecer as lições da história leva à repetição de tragédias. Isso é evidenciado pelos crimes contra civis, a limpeza étnica e as ações punitivas organizadas pelos neonazistas na Ucrânia", afirmou o líder em comunicado.
A retórica é utilizada com frequência para justificar a ofensiva militar no país vizinho. "É contra esse mal que nossos soldados lutam de maneira corajosa", acrescentou Putin.
O presidente ucraniano, Volodimir Zelenski, reagiu imediatamente. Sem fazer alusão direta às declarações de Putin, disse apenas que "a indiferença e o ódio criam juntos o mal". A Polônia também criticou Moscou. O premiê Mateusz Morawiecki acusou o regime de Putin de, com a Guerra da Ucrânia, construir novos campos —em referência direta aos campos de concentração de Hitler.
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