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Pobreza, polarização e histórico social ajudam a explicar agravamento de crise no Peru

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São Paulo

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Não há sinais de trégua na onda de protestos que toma conta do Peru desde a destituição do então presidente Pedro Castillo, no começo de dezembro.

Os confrontos entre manifestantes e forças de segurança continuam quase diariamente; 56 pessoas já morreram, centenas ficaram feridas, e esses números não param de subir.

Analistas apontam que essa é a maior mobilização social do século 21 no país andino. Fomos entender alguns fatores que explicam o caos.

Apoiadores de Castillo em protesto contra governo em Lima, no Peru
Apoiadores de Castillo em protesto contra governo em Lima, no Peru - Angela Ponce - 20.jan.23/Reuters

O estopim para a crise foi a destituição e a prisão de Castillo. Lembra dele?

O populista foi eleito em 2021. No mês passado, horas antes de o Legislativo votar uma moção de vacância contra ele, Castillo anunciou a antecipação de eleições e um estado de exceção, com a dissolução do Parlamento. Como atropelou ritos legais, isso foi caracterizado como tentativa de golpe de Estado.

A tentativa fracassou: o Congresso ignorou os atos, ele acabou destituído e depois foi preso, acusado de rebelião e conspiração.

A então vice, Dina Boluarte, foi empossada, mas desde então enfrenta forte pressão e resistência de apoiadores do antecessor, que a consideram traidora. Protestos contra a presidente ganharam peso de ponta a ponta do país —alguns com situações impressionantes:

Os atos pedem a renúncia de Dina, a libertação de Castillo, a dissolução do Parlamento e a antecipação das eleições para este ano. Outra demanda é a convocação de uma Constituinte, para renovar a Carta promulgada em 1993 pelo ditador Alberto Fujimori —atacada como fator determinante para a desigualdade no país.

Veja cinco pontos de reflexão para entender os atos.

1) Racismo e desigualdade

Voltar ao processo de formação da sociedade peruana ajuda a entender os atos de hoje, que explodiram inicialmente no sul do país, onde o apoio a Castillo é maior —professor, o ex-presidente tem origem no campo. A região é dominada por comunidades rurais mais pobres.

  • "Peru e Brasil foram os últimos países da região a permitir o direito de voto à população analfabeta", diz Alicia del Aguila, especialista em Peru e oficial de programa da International Idea, organização que monitora o estado da democracia pelo mundo.

Não à toa, predomina entre os manifestantes o sentimento de discriminação e falta de representatividade social e política. A colunista Sylvia Colombo escreveu sobre o assunto aqui.

  • Sylvia diz que, "se você estiver em Lima e ligar a TV num noticiário ou numa novela, dificilmente verá uma apresentadora indígena ou uma atriz afro-peruana num papel ‘comum’". É mais ou menos o que acontece no Brasil.

A falta de representatividade alimenta nos atos o sentimento de que a destituição de Castillo foi ilegal e um ataque contra a vontade popular.

2) Polarização

Divisões na sociedade e a pulverização partidária acirram os ânimos.

No pleito de 2021, Castillo e Keiko Fujimori travaram uma disputa bastante apertada, e Aguila lembra que, em regiões do sul, o esquerdista teve mais de 90% dos votos, enquanto a direitista obteve votações igualmente expressivas em partes ricas da capital, Lima. A instabilidade aumentou quando Keiko, que ensaiou não aceitar a derrota, tentou impugnar votos, principalmente da região sul peruana.

À polarização se soma uma instabilidade política profunda —o Peru teve 6 presidentes em 6 anos.

3) Identificação com Castillo

Castillo foi professor, sindicalista e eleito presidente como elemento surpresa: não tinha experiência em cargos eletivos ou vínculos com o establishment de Lima.

  • " O ex-presidente [Alejandro] Toledo [2001-2006] também foi pobre, mas cresceu e foi para os EUA. De alguma maneira, já o conhecíamos da política oficial. Castillo não. Tem origem pobre, rural e seus laços sociais estão aí o tempo todo, então a reação identitária de parte da população foi mais forte", analisa Aguila.

4) Pobreza

Cynthia Sanborn, professora de ciência política da Universidade do Pacífico, no Peru, diz que o chamado período de milagre econômico no país ao fim se mostrou frágil para a população mais vulnerável.

Durante o boom econômico, a pobreza caiu de mais de 40% da população para 10% em três décadas. Mas então disparou para os 26% de 2022. Hoje, quase 80% da população está na informalidade, segundo Alicia del Aguila.

  • "Existe uma sensação, agravada pela pandemia, de que as coisas precisam mudar. Não está claro o que, mas o contrato social precisa, de alguma forma, ser revisado."

5) Repressão aos atos

A ausência de diálogo entre governo e manifestantes é decisiva no acirramento dos conflitos. Nesta semana, Dina chamou parte dos manifestantes de radicais e violentos e afirmou, sem apresentar provas, que eles têm ligações com o narcotráfico, a mineração ilegal e o contrabando.

  • "A elite e parte da classe média exigem que a ordem seja estabelecida a qualquer preço. E isso de certa forma tenta justificar a violação do Estado de Direito", diz Aguila.

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Suspeito é detido após ataques em Half Moon Bay, na Califórnia - KGO - 23.jan.23/Reuters

Onde: Half Moon Bay, na Califórnia (EUA)

O que aconteceu: Zhao Chunli, 67, é detido após assassinar sete pessoas; foi o segundo ataque com arma de fogo e várias vítimas em três dias no estado —antes, um homem de 72 anos matou 11 pessoas em Monterey Park. A polícia ainda investiga os casos. Em ambos, os supostos atiradores eram idosos, caraterística que diferencia os ataques dos demais.

E a guerra?

Depois de semanas de suspense e impasse, os EUA e a Alemanha enfim anunciaram que vão mandar tanques para ajudar a Ucrânia. Serão 31 blindados M1 Abrams americanos e 14 Leopard-2 alemães. Mais: Berlim permitirá que outros países que operam o veículo forneçam unidades para Kiev.

Não é pouca coisa: a medida representa a maior escalada na ajuda militar ocidental para Kiev. Mas o que significa na prática?

  • Ainda é cedo para estimar o impacto militar, que essencialmente depende da quantidade ofertada e em quanto tempo os tanques estarão disponíveis e os ucranianos, habilitados para operá-los

  • Estudo do Instituto Internacional de Estudos Estratégicos, de Londres, aponta que alguma diferença pró-Ucrânia no campo de batalha poderia ocorrer com ao menos cem blindados

Um tanque M1A2 Abrams é preparado para ser entregue em uma base da Otan na Romênia
Um tanque M1A2 Abrams é preparado para ser entregue em uma base da Otan na Romênia - Octav Ganea - 14.fev.2017/Inquam Photos/Reuters

Moscou, claro, manifestou irritação e voltou a repetir ameaças.

E atenção: o Relógio do Juízo Final, instrumento simbólico que desde 1947 indica o quão perto da extinção a humanidade se encontra, moveu seus ponteiros. As notícias são tenebrosas: a Guerra da Ucrânia fez com que o mundo chegasse ao mais crítico índice de sua história.

Acompanhe as últimas atualizações sobre o conflito aqui.

O QUE ACONTECEU?

Uma seleção de notícias para entender o mundo

África

O governo do Egito anunciou a descoberta do que foi chamado de "restos de uma cidade romana inteira". O local, em Luxor, no sul do país, data dos primeiros séculos da era cristã.

Ásia

O frio intenso observado em partes do continente tem agravado a crise humanitária que se desenrola no Afeganistão desde o retorno do grupo fundamentalista Talibã ao poder. Somente na última quinzena, ao menos 124 pessoas morreram devido às temperaturas. A situação tem potencial para agravar também a crise econômica e a fome.

Oceania

Chris Hipkins, que teve papel preponderante na gestão da Covid na Nova Zelândia, foi escolhido pelo Partido Trabalhista para ser o substituto de Jacinda Ardern como primeiro-ministro do país —ela renunciou ao cargo em anúncio surpreendente.

Com AFP

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