FBI mira grupos extremistas depois de prender quase mil pessoas 2 anos após invasão do Capitólio

Investigação sobre ataque à democracia no Congresso dos EUA tenta fechar o cerco a 'peixes grandes'

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Washington

A invasão do Congresso dos EUA em 6 de janeiro de 2021, em que apoiadores de Donald Trump tentaram impedir a confirmação da vitória de Joe Biden na eleição para presidente do ano anterior, foi o maior ataque à democracia americana na história recente. E o remédio não tem sido menor.

Dois anos depois do episódio que continua a assombrar os corredores do poder na capital dos Estados Unidos, o FBI prendeu mais de 950 pessoas —a investigação é considerada a maior da história do órgão. Só em vídeos, a polícia federal americana afirma ter analisado nove terabytes de informação, algo que, se colocados em uma única trilha, somariam 361 dias ininterruptos de gravações.

Comitê da Câmara dos EUAque investiga o ataque ao Capitólio em 6 de janeiro de 2021 em última sessão - Mandel Ngan - 19.dez.2022/AFP

Ao todo, foram abertos processos contra 940 pessoas, segundo o Programa sobre Extremismo, grupo da Universidade George Washington, na capital americana, que monitora os casos do 6 de Janeiro. Mais da metade dos réus, 482, confessou a culpa, e outros 44 foram assim considerados pela Justiça.

A sentença mais longa até aqui foi dada a um ex-militar e policial aposentado de Nova York, Thomas Webster, 56, condenado em setembro a pouco mais de dez anos de prisão —por, entre outras coisas, ter agredido um policial com o mastro de uma bandeira e tê-lo enforcado ao tentar retirar seu capacete e a máscara de gás. A agressão foi registrada pela câmera corporal do agente e por outros manifestantes.

"Como ex-policial e fuzileiro naval dos EUA, que jurou defender a Constituição contra todos os inimigos estrangeiros e domésticos, Webster sabia da gravidade de suas ações", disse o diretor-assistente do FBI Steven D'Antuono à época da condenação. "Quando agrediu uma autoridade naquele dia, ele traiu não só seu juramento, mas também seus colegas policiais, que se arriscam para proteger o povo americano."

A sentença de Webster, porém, é exceção. Dos 353 réus que já tiveram a pena decidida —nos EUA, a condenação e o anúncio da pena são feitos em momentos diferentes—, só 47 foram condenados a mais de um ano de prisão; a maior parte recebeu apenas algumas semanas de sentença.

Este é o caso dos dois brasileiros réus devido ao episódio. Letícia Ferreira Vilhena, engenheira que mora na região de Chicago, foi condenada em outubro a duas semanas de cadeia, 60 horas de serviço comunitário e US$ 500 (R$ 2.701) em multa após firmar um acordo, pelo qual se declarou culpada.

A Folha não conseguiu contato com Vilhena. No processo, os advogados afirmaram que ela não tem direito de votar nos EUA, só queria ver a manifestação e não endossa a violência daquele dia. Vilhena afirmou que foi seguindo a multidão e passou 20 minutos dentro do Capitólio.

O outro brasileiro é Eliel Rosa, morador do Texas, condenado a 12 meses de liberdade condicional, além de multa de US$ 500 e cem horas de serviço comunitário. No julgamento, ele expressou arrependimento e chamou o ato de estupidez —ele não respondeu às mensagens da reportagem da Folha.

Jonathan Lewis, pesquisador da Universidade George Washington, afirma que as sentenças mais baixas até aqui são resultado de uma estratégia do Departamento de Justiça para lidar com o imenso número de processos e que, a partir de agora, as condenações devem ser maiores.

A Justiça decidiu dividir os réus em três grupos. O primeiro, com pessoas que estiveram fisicamente no Capitólio mas não cometeram violência. "A gente brinca que são 'os normais', que entraram com um boné de ‘make America great again’ [lema de Trump], passaram um tempo e foram embora", explica Lewis.

O segundo reúne os que comprovadamente cometeram atos violentos, a maior parte contra policiais. Segundo o FBI, das quase mil prisões feitas, cerca de 200 envolveram agressão a agentes de segurança. Um deles morreu no dia seguinte, após dois derrames, e outros quatro se suicidaram depois da invasão.

Com o andamento dos processos desses dois grupos, depoimentos e acesso a publicações em redes sociais, troca de mensagens e fotos e vídeos feitos nos dias da invasão, a investigação avança agora sobre o terceiro grupo, o de radicais ligados a grupos extremistas, como Oath Keepers e Proud Boys.

"Pessoas que não apenas estiveram no Capitólio, mas que conspiraram por muito tempo antes do ataque e que foram ao local com a intenção específica de impedir a transferência pacífica de poder", diz Lewis.

No fim de novembro, a Justiça americana condenou cinco membros dos Oath Keepers, grupo armado considerado terrorista doméstico por especialistas no assunto. O cofundador Elmer Stewart Rhodes 3º, 57, e os demais foram condenados por crimes como conspiração sediciosa (contra uma autoridade do Estado), obstrução de procedimento oficial e adulteração de processos. A pena máxima para cada um desses processos é de 20 anos de prisão, mas a sentença ainda não foi divulgada.

A amplitude da investigação indica que o governo americano, via Departamento de Justiça de Joe Biden, não pretende deixar o ataque ao Capitólio, descrito como uma tentativa de golpe de Estado, passar em branco. Até aqui, só uma pessoa foi inocentada, segundo os dados da George Washington —Matthew Martin, do Novo México, que afirmou que foi ao Congresso achando que era só mais uma manifestação de Trump e que a polícia o deixou entrar porque não havia nenhuma barreira de segurança.

As ações contra os invasores não são as únicas, e o próprio ex-presidente é alvo de investigação do Departamento de Justiça. O republicano também acabou de ser acusado pelo comitê da Câmara dos Representantes que apurava o ataque, que pediu seu indiciamento por crimes como conspiração e incitação a insurreição, em outra investigação histórica, que gerou um relatório de mais de 800 páginas.

Dois anos depois do ataque, a ameaça mais concreta nos EUA hoje não vem mais de organizações extremistas, mas de indivíduos radicalizados por esses discursos, segundo Lewis —que cita como exemplo o ataque ao escritório do FBI em Ohio em agosto, após a operação contra a residência de Trump na Flórida. Na ocasião, um apoiador do ex-presidente tentou invadir um prédio da polícia federal com um fuzil AR-15, trocou tiros com agentes e foi perseguido até ser morto.

"Não são atores associados de maneira formal a grupos extremistas violentos domésticos. Mas estão dispostos a se mobilizar para cometer atos de violência, ressoando as mesmas teorias da conspiração e a retórica violenta da multidão que invadiu o Capitólio em 6 de Janeiro. É o principal perigo dos EUA hoje."

Erramos: o texto foi alterado

A causa da morte de um dos policiais após a invasão do Capitólio dos EUA foi dois derrames, não infarto como afirmava incorretamente versão anterior do texto.

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