Sob liderança de papa Francisco, Vaticano enfim se despede de Bento 16

Milhares de pessoas homenageiam papa emérito pela última vez na praça São Pedro

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Vaticano

Diante de uma praça São Pedro lotada, o papa Francisco celebrou, na manhã desta quinta (5), o funeral do papa emérito Bento 16, morto no último dia 31, aos 95 anos. A cerimônia começou às 9h30 (5h30 em Brasília), sob a neblina de uma manhã fria de Roma. Por volta das 10h45, o caixão foi levado, sob aplausos do público e gritos de "santo subito" (santo já), para dentro da basílica e foi colocado na cripta.

Pouco antes da partida do caixão, Francisco, 86, dirigiu-se em sua cadeira de rodas até ele e, com a ajuda de uma bengala, ficou de pé e o tocou com a mão, numa das cenas mais marcantes da missa. O pontífice, que sofre com dores no joelho devido a um ligamento rompido, ficou a maior parte da cerimônia sentado.

O funeral de um papa realizado por outro papa é um evento inédito na história moderna da Igreja Católica e encontra precedentes somente em 1802, quando Pio 7º conduziu o funeral de Pio 6º, morto em 1799.

Papa lidera missa em púlpito frente ao qual está depositado caixão de madeira fechado
Papa Francisco preside despedida de Bento 16 na praça de São Pedro, no Vaticano - Guglielmo Mangiapane/Reuters

Segundo o Vaticano, cerca de 50 mil pessoas assistiram à missa, metade do que fora estimado na véspera.

Um grande esquema de segurança foi montado para garantir a presença do público e de autoridades religiosas e políticas. As proximidades do Vaticano foram fechadas, e as filas para superar os pontos de controle de segurança já estavam formadas no fim da madrugada. Entre o público havia muitos vindos da Alemanha, inclusive vestidos com roupas típicas da Bavária, onde nasceu Joseph Ratzinger.

Em sua homilia, Francisco leu um trecho da Regra Pastoral, livro escrito pelo papa Gregório 1º no século 6º, fazendo referência a dificuldades similares às enfrentadas por Bento 16.

Ao convidar um amigo a lhe fazer companhia espiritual, Gregório 1º disse, na leitura de Francisco: "No meio das tempestades da minha vida, conforta-me a confiança de que tu manter-me-ás à superfície sobre a tábua das tuas orações e, se o peso das minhas culpas me abater e humilhar, emprestar-me-ás a ajuda dos teus méritos para me elevar. É a consciência do pastor que não pode carregar sozinho aquilo que, na realidade, nunca poderia sustentar sozinho e, por isso, sabe abandonar-se à oração e ao cuidado do povo que lhe está confiado".

O argentino, então, finalizou: "Bento, fiel amigo do Esposo [Jesus Cristo], que a tua alegria seja perfeita escutando definitivamente e para sempre a sua voz".

A cerimônia aconteceu após três dias de velório na basílica, onde o corpo exposto do papa emérito foi homenageado por cerca de 195 mil pessoas, entre fiéis e curiosos. As visitas foram encerradas às 19h (15h em Brasília) desta quarta (4) e o corpo, colocado em um caixão de cipreste preparado para o funeral.

Primeiro papa a renunciar em quase seis séculos, Ratzinger teve um funeral com protocolos semelhantes aos de um pontífice que ficou no cargo até a morte —ainda que em proporções menores, também a pedido dele, que queria uma cerimônia simples. Na noite da quarta, o caixão foi fechado depois de receber, junto com o corpo, medalhas e moedas criadas em seu papado, além de um texto que descreve brevemente sua vida.

Chamado de rogito, o documento em latim o define como um papa que colocou o tema de Deus e da fé no centro do seu pontificado. "Dotado de vasto e profundo conhecimento bíblico e teológico, teve a extraordinária capacidade de elaborar sínteses esclarecedoras sobre os principais temas doutrinários e espirituais, bem como sobre as questões cruciais da vida da igreja e da cultura contemporânea", diz.

No fim, faz menção a um dos marcos do seu pontificado —a crise dos casos de pedofilia cometidos por padres. "Lutou com firmeza contra crimes cometidos por membros do clero contra menores ou pessoas vulneráveis, chamando continuamente a igreja à conversão, à oração, à penitência e à purificação."

Sob aplausos dos fiéis, o caixão de Bento 16 deixou a basílica às 8h45 (horário local) para ser colocado no altar montado na praça em frente. Os presentes, então, rezaram o terço por cerca de 45 minutos. Durante a missa, páginas do Evangelho foram colocadas sobre a caixa de madeira.

A missa foi concelebrada por cerca de 3.700 sacerdotes, 200 bispos e 130 cardeais. Ao final, Francisco borrifou água benta no caixão e disse em latim: "Gracioso Pai, recomendamos a sua misericórdia ao papa emérito Bento, feito pelo senhor sucessor de Pedro e pastor da igreja, destemido pregador da sua palavra e fiel ministro dos mistérios divinos". Um coro, então, cantou em latim: "Que os anjos o conduzam ao paraíso; que os mártires venham e o recebam e o levem à cidade santa, a nova e eterna Jerusalém".

Após a missa comandada por Francisco, funcionários levaram o corpo de Bento de volta à basílica. O caixão, então, foi envolto em outros dois: um intermediário, de zinco e adornado com uma cruz, e um externo, feito de nogueira e fechado com pregos de ouro.

Atendendo a um desejo manifestado em vida por Bento 16, seu cadáver foi colocado na mesma cripta onde o corpo de João Paulo 2º ficou até 2011, quando, já beatificado, foi levado a uma outra capela.

Bento 16 ficará marcado pela decisão surpreendente, em 11 de fevereiro de 2013, de renunciar ao papado. Desde Gregório 12, em 1415, um pontífice não deixava por conta própria a chefia da Igreja Católica. Jornais italianos disseram, à época, que ele estava enojado com escândalos sexuais e financeiros na alta hierarquia do Vaticano. Mas a versão acabou não se confirmando, o que favoreceu a tese de que ele, enfermo e três encíclicas depois, estava debilitado pela rotina de quase oito anos de pontificado.

Bento 16 morreu às 9h34 (5h34 pelo horário de Brasília) de sábado, segundo a Igreja Católica. No último dia 28, o papa Francisco havia pedido orações, dizendo que o antecessor estava muito doente.

Embora apenas duas delegações tenham sido convidadas oficialmente pelo Vaticano —as da Itália e da Alemanha, onde Ratzinger nasceu—, dezenas de líderes políticos e chefes de Estado estiveram presentes.

Além dos presidentes Sergio Mattarella e Frank-Walter Steinmeier, e dos respectivos primeiros-ministros, Giorgia Meloni e Olaf Scholz, participaram o presidente da Polônia, Andrzej Duda, com o premiê Mateusz Morawiecki, o presidente de Portugal, Marcelo Rebelo de Sousa, a rainha Sofia, da Espanha, e o rei Philippe, da Bélgica. Demais líderes foram representados por ministros ou embaixadores junto ao Vaticano. Segundo a embaixada brasileira na Santa Sé, o Brasil não contou com representantes oficiais.

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