Novo líder da Al-Qaeda foi contra o 11 de Setembro e fez parte do Black Hawk Down

Relatórios da ONU e dos EUA dizem que Saif al-Adel vive no Irã e era responsável por treinamento militar de jihadistas

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Paulo Narigão Reis
Público

Saif al-Adel, um antigo oficial das forças especiais do Egito que tem uma recompensa de US$ 10 milhões (R$ 52,4 milhões) por sua captura, é agora o líder da Al Qaeda. A ascensão ao topo do grupo terrorista, sucedendo a Ayman al-Zawahiri, morto em 2022 em Cabul pelos EUA, foi revelada num relatório da ONU.

Nesta quarta-feira (15), o Departamento de Estado americano confirmou a informação, e, segundo o porta-voz Ned Price, Saif al-Adel está atualmente baseado no Irã.

Saif al-Adel, o novo líder da Al-Qaeda, em fotografia sem data conhecida
Saif al-Adel, o novo líder da Al-Qaeda, em fotografia sem data conhecida - Handout/FBI/AFP

Embora o grupo ainda não tenha nomeado formalmente o sucessor de Al-Zawahiri, as Nações Unidas afirmam acreditar que al-Adel –que integra a lista dos terroristas mais procurados pelo FBI– "já esteja operando como líder incontestado da Al Qaeda".

"Sua liderança não pode ser declarada devido à sensibilidade da Al Qaeda em relação às preocupações do Talibã em não reconhecerem a morte de Al-Zawahiri e à presença de Saif al-Adel no Irã", diz o relatório da ONU. "Sua localização levanta questões quanto às ambições da Al Qaeda em assumir a liderança de um movimento global diante dos desafios colocados pelo Estado Islâmico."

Para os EUA, a presença de Al-Adel em território iraniano "é mais um exemplo do amplo apoio do Irã ao terrorismo e das suas atividades desestabilizadoras no Oriente Médio e em outros lugares", disse Price.

"Não vamos permitir que surjam ameaças que desafiem os Estados Unidos e os seus parceiros e aliados", acrescentou o porta-voz, lembrando a operação especial que eliminou Al-Zawahiri, morto num ataque cirúrgico com drones à sua residência na capital do Afeganistão.

"Espada da justiça"

A ascensão de Saif al-Adel ao topo da hierarquia da rede fundamentalista levanta várias interrogações quanto à estratégia futura da Al Qaeda. Ao contrário de Osama bin Laden e Ayman al-Zawahiri, cujo perfil público era alimentado por vídeos incendiários com ameaças aos EUA, pouco se sabe sobre as ideias do novo líder, visto como eficaz e que ajudou a planejar ataques mortíferos da organização.

Entre eles estão os atentados de 1998 às embaixadas dos EUA no Quênia e na Tanzânia, que mataram 224 pessoas, feriram mais de 5.000 e pelos quais foi indiciado por um tribunal federal americano.

Membro da Al Qaeda desde o início da década de 1990, Al-Adel –cujo nome é Mohammed Salahuddin Zeidan– integrou desde cedo a cúpula da organização, nomeadamente o comitê militar. Apesar de ter sido próximo de Bin Laden, divergiu em várias ocasiões do caminho seguido pelo líder histórico, morto em 2011, no Paquistão, entre as quais nos ataques de 11 de Setembro nos Estados Unidos.

Segundo refere o relatório da Comissão do 11 Setembro, Saif al-Adel –"espada da justiça", em árabe– fazia parte do grupo de conselheiros que orientou Bin Laden a não levar para frente os planejados ataques em solo americano, alinhado com a posição inicial do então líder dos talibãs, o mulá Omar, de que atacar diretamente os EUA seria contraproducente para o movimento.

Apesar das divergências com o caminho escolhido por Bin Laden –em 2010, criticou, numa série de cartas enviadas a Abu Walid al-Masri, jornalista e combatente durante a invasão soviética de Cabul, os erros do movimento jihadista e dos teólogos islâmicos–, al-Adel foi, nas últimas três décadas, uma figura central na organização da Al Qaeda, nomeadamente no planejamento de operações e atentados.

"Saif é um dos mais experientes soldados profissionais no movimento jihadista mundial, e seu corpo carrega as cicatrizes da batalha", escreveu em 2021 Ali Soufan, antigo agente do FBI.

Especialista em explosivos

Nascido em 1960 na província de Monufia, a norte do Cairo, al-Adel começou por fazer carreira no Exército egípcio, no qual ascendeu à patente de tenente-coronel como especialista em explosivos. Segundo estudiosos do movimento jihadista, ele iniciou a sua longa e sangrenta carreira em 1981, quando foi suspeito de envolvimento no assassinato do presidente egípcio Anwar al-Sadat no Cairo.

Sabe-se que, em 1988, fugiu para o Afeganistão, no período final da invasão soviética, vindo a treinar os mujahedin (guerreiros islâmicos) no manuseamento de explosivos. Após a guerra, deu formação militar aos talibãs antes de se juntar à Al Qaeda, ascendendo em pouco tempo na hierarquia da organização.

Como responsável pela formação militar dos jihadistas, al-Adel estabeleceu campos de treino no Afeganistão, no Paquistão e no Sudão. Em 1993, segundo o então líder do grupo Al-Shabaab, Ahmed Abdi Godane, desempenhou um papel importante na Batalha de Mogadíscio, também conhecida como Black Hawk Down, na qual morreram 18 soldados americanos e que foi imortalizada no filme com o mesmo nome realizado em 2001 por Ridley Scott.

Saif al-Adel teria também participado no planejamento do sequestro e assassinato do jornalista americano Daniel Pearl no Paquistão em 2002 e do ataque a bomba em Riad, na Arábia Saudita, em 2003.

Depois dos atentados no Quênia e na Tanzânia em 1998, o ex-tenente-coronel do Exército egípcio mudou-se para o sudeste do Irã, onde viveu sob a proteção da Guarda Revolucionária antes de ser colocado, em 2003, junto a outros membros da Al Qaeda, em prisão domiciliária. Acabou por ser libertado em 2010 numa troca de prisioneiros com um diplomata iraniano que tinha sido raptado no Iêmen.

Após uma breve passagem pelo Paquistão, acabou por regressar em 2011 ao Irã, onde vive desde então, segundo o relatório da ONU. "O histórico militar profissional de Saif al-Adel e a sua valiosa experiência como chefe do comitê militar da Al Qaeda antes do 11 de Setembro significam que ele tem fortes credenciais para assumir a liderança geral da Al Qaeda", considera Elisabeth Kendall, especialista em jihadismo na universidade de Oxford, no Reino Unido, em entrevista à agência de notícias Reuters.

Alguns estudiosos questionam, no entanto, se Al-Adel será um líder eficaz depois de ter passado a maior parte da sua carreira na Al Qaeda como responsável pela parte operacional e pelo treino dos militantes.

"Muitos insiders argumentam que ele teve um importante papel operacional no passado, mas que não está preparado para a liderança", disse à Reuters Jerome Drevon, analista no International Crisis Group. "Suas capacidades são mais adequadas para a organização de operações armadas do que para a administração de uma ampla rede de afiliados."

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