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Reino Unido e UE chegam a novo acordo sobre Irlanda do Norte para finalizar brexit

Plano ainda precisa de aprovação do Parlamento; questão aduaneira tem sido ponto controverso do divórcio

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São Paulo

O Reino Unido e a União Europeia chegaram a um acordo histórico nesta segunda-feira (27) que promete ser a solução para o imbróglio envolvendo questões aduaneiras entre Irlanda, Irlanda do Norte e Grã-Bretanha —um dos pontos mais controversos para finalizar as negociações do brexit, a saída dos britânicos do bloco europeu.

Em Windsor, a presidente da Comissão Europeia, a alemã Ursula von der Leyen, reuniu-se com o primeiro-ministro Rishi Sunak. Em entrevista coletiva após o encontro, ambos os líderes definiriam o trato como o "começo de um novo capítulo" na relação com a União Europeia. O pacto precisa da aprovação do Parlamento britânico e terá pontos a serem implementados gradualmente ao longo de 2023 e 2024.

O primeiro-ministro britânico, Rishi Sunak, ao lado da presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, em entrevista coletiva em Windsor
O primeiro-ministro britânico, Rishi Sunak, ao lado da presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, em entrevista coletiva em Windsor - Dan Kitwood/AFP

As discussões giraram em torno do fato de que o brexit manteve a Irlanda do Norte no mercado único europeu, evitando a criação de uma fronteira dura com a Irlanda, inexistente desde que o modelo entrou em vigor, em 1993, e liberando o trânsito de mercadorias entre os territórios que eram, então, parte da UE.

Para além de questões comerciais, o estabelecimento de uma fronteira na região poderia soprar as brasas do conflito pela unificação da ilha, relativamente pacificado desde que foi assinado em Belfast, em 1998, o acordo da Sexta-Feira Santa, que encerrou décadas de guerra civil responsável por 3.700 mortos.

O pacto reconheceu o status constitucional da Irlanda do Norte como parte do Reino Unido e criou um órgão Legislativo local, além de estabelecer o princípio de que o norte e o sul irlandeses poderiam unificar a ilha caso ambos os governos concordem na decisão.

Agora, o trato anunciado nesta segunda-feira por Sunak e Von der Leyen tenta aparar as arestas deixadas pela permanência da Irlanda do Norte no mercado único europeu sem que ela faça parte da UE —mecanismo que ficou conhecido como protocolo da Irlanda do Norte. A prática obrigou a imposição de fiscalização no mar entre a Grã-Bretanha e a ilha irlandesa e uma gama de restrições ao fluxo de produtos entre o território norte-irlandês e o restante do Reino Unido, sob o argumento de que mercadorias não poderiam entrar sem verificações no mercado europeu já que não há fronteira entre as Irlandas.

Como Reino Unido e UE têm legislações comerciais, tributárias e aduaneiras diferentes, as jurisdições sobrepostas causaram muitas complicações, com consequências sobretudo para a Irlanda do Norte.

Um produto que se tornou símbolo do impasse foi a linguiça produzida na Grã-Bretanha. Segundo os parâmetros da UE, mercadorias na categoria "produto resfriado à base de carne" só podem ser importadas pelo bloco se estiverem congeladas. Assim, regras sanitárias e inspeções congestionaram portos e fizeram as linguiças desaparecem dos mercados na Irlanda do Norte, ainda que o item estivesse circulando em território britânico. A confusão ficou conhecida como "guerra das linguiças".

O trato anunciado retira barreiras a produtos que haviam sido impactados, como medicamentos, produtos agrícolas e alimentos, assim como às linguiças, ponto ressaltado em comunicado do governo britânico.

Isso será feito com a divisão do fluxo em duas faixas nos portos norte-irlandeses: a "vermelha", para produtos que entrarão na Irlanda do Norte e seguirão para a UE —o que exigirá as verificações europeias—, e a "verde", com trânsito facilitado a produtos destinados apenas ao mercado norte-irlandês. Segundo Sunak, as novas diretrizes "retiram qualquer ideia de uma fronteira marítima no mar da Irlanda".

Apesar da facilitação, a proposta não retira a Irlanda do Norte do mercado único europeu. Por isso, o novo pacto concede ao Parlamento britânico o poder de veto sobre leis do bloco que não sejam apoiadas pelas duas partes da Irlanda do Norte, algo que foi definido por Sunak e Von der Leyen como "freio emergencial".

A líder alemã também se reuniu com o Rei Charles 3º, no castelo de Windsor, em encontro criticado por colocar o monarca no meio de uma questão política complexa —mais cedo, um comunicado do Palácio de Buckingham sugeriu que a reunião foi uma indicação do governo de Sunak. A Comissão Europeia, por sua vez, tratou de afirmar que o compromisso não tinha relação com as negociações.

Rei Charles 3º recebe Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia, no castelo de Windsor nesta segunda-feira (27)
Rei Charles 3º recebe Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia, no castelo de Windsor nesta segunda-feira (27) - Aaron Chwon/AFP

Tentativas de implementar leis para ignorar o protocolo pós-brexit, desrespeitando o direito internacional, foram feitas pelo ex-primeiro-ministro britânico Boris Johnson, o que ampliou as tensões em torno da questão, arriscou perturbar ainda mais o equilíbrio estabelecido pelo acordo de paz da década de 1990 nas Irlandas e resultou em processos do bloco europeu contra o Reino Unido.

Ainda não está claro quando o Parlamento britânico vai votar o novo plano, mas, se ele for aprovado, a União Europeia removerá todas as ações legais contra o país relativas ao caso, segundo o governo britânico, que irá retirar de tramitação projeto de lei costurado ainda na gestão de Boris para regulamentar o protocolo. Na semana passada, o ex-premiê havia criticado Sunak e afirmado que a legislação era um caminho melhor para resolver a questão do que um acordo com a UE.

Manter a Irlanda do Norte no mercado europeu significa que leis europeias atuam sobre preços e produtos no território, que não tem voz nas decisões europeias após o brexit. Segundo Sunak, porém, o pacto dá ao Legislativo local o poder de vetar leis do bloco, desde que haja apoio das duas partes —nacionalistas, favoráveis à independência do território e da unificação das Irlandas, e unionistas, pró-Reino Unido.

A estratégia deixa os líderes unionistas em posição delicada. Por um lado, podem aceitar o acordo e ganhar a possibilidade de vetar leis europeias, mas, ao mesmo tempo, sofrer resistência interna de partidários temerosos de que a submissão à legislação da UE distancie a Irlanda do Norte do Reino Unido.

Por outro lado, eles podem rejeitar o acordo e manter o impasse, sob o risco de ameaçar o equilíbrio de poder local, já deteriorado por um boicote do mecanismo de decisões compartilhadas feito pelo maior partido unionista, o DUP (Partido Unionista Democrático, na sigla em inglês).

Com Reuters

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