UE quer reconstruir Ucrânia com dinheiro da Rússia, mas plano é complexo

Bloco tem € 319 bilhões em ativos congelados de Moscou; medida é politicamente sensível e juridicamente espinhosa

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São Paulo

A União Europeia planeja aumentar seus esforços para conseguir financiar a reconstrução da Ucrânia utilizando ativos congelados russos, demanda ucraniana que vem sendo debatida desde o ano passado, mas é juridicamente complexa e pouco efetiva do ponto de vista financeiro.

Em cúpula entre o bloco europeu e a Ucrânia, nesta sexta-feira (3), em Kiev, Bruxelas também reiterou o apoio à adesão dos ucranianos ao grupo.

"A UE intensificará o trabalho para usar ativos congelados da Rússia para apoiar a reconstrução da Ucrânia e para fins de reparação, em acordo com a legislação internacional e da União Europeia", afirmaram os presidentes do Conselho Europeu, Charles Michel, e da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, em comunicado conjunto.

O presidente da Ucrânia, Volodimir Zelenski, em encontro com a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, em Kiev, nesta quinta (2)
O presidente da Ucrânia, Volodimir Zelenski, em encontro com a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, em Kiev, nesta quinta (2) - Governo da Ucrânia via Reuters

O documento, no entanto, não detalha como se daria esse processo no que diz respeito à origem da verba —há recursos de Moscou bloqueados do Banco Central da Rússia e ativos privados congelados dos oligarcas— ou à sua viabilidade jurídica, algo que pode levar a UE a patinar nesse projeto.

No caso dos ativos privados, embora tenha base legal para congelá-los sob o Tratado de Lisboa (que reformou a UE em 2009), o bloco não pode apreender ou confiscar recursos particulares a não ser que sejam resultado de atividade criminosa —a mera associação com o Estado russo e com Vladimir Putin, razão por trás de boa parte das sanções, não seria suficiente.

Além disso, vários países-membros da UE, notadamente a Hungria, têm pactos de investimento bilaterais com Moscou, o que protege os ativos privados atuais mesmo que os acordos sejam rompidos, segundo o think tank Centro para Reforma Europeia. O instituto aponta ainda a necessidade de mudanças constitucionais em nações como a Alemanha para que os recursos sejam direcionados a Kiev.

Do ponto de vista dos ativos do Banco Central, ainda de acordo com o think tank, o caminho seria mais facilmente legitimado. Primeiro, porque há precedente, embora em situação diferente, como no caso do confisco das reservas em moeda estrangeira do Iraque pelos Estados Unidos, direcionadas para reconstrução do país do Oriente Médio após a derrota de Saddam Hussein, em 2003.

Outro fator potencialmente favorável seria um eventual entendimento da Corte Internacional de Justiça de que a Rússia deveria reparar a Ucrânia pela guerra. A recusa em pagar as compensações poderia ser usada como argumento legal para o confisco.

Mesmo nesses casos, a medida planejada por Bruxelas é politicamente sensível e poderia ter implicações sérias do ponto de vista econômico. De um lado, a União Europeia abriria brecha para que outros países fizessem o mesmo, inclusive com ativos europeus alocados fora do continente. De outro, poderia indicar à certo nível de desrespeito do bloco ao direito internacional.

A discussão também acontece nos EUA, onde autoridades têm sido bastante cautelosas em sugerir o confisco de recursos russos. O desencorajamento de outros países a manter suas reservas em dólar e em instituições americanas e mesmo a ilegalidade da medida segundo as leis de Washington estão entre as possíveis consequências indicadas de uma eventual apreensão desses bens.

Outro problema sugerido pelo think tank europeu é menos complexo e mais objetivo: o total de recursos confiscados (pela UE e pelos EUA), mesmo aplicados, ficaria aquém do necessário estimado para reparar a Ucrânia. Levantamentos de Bruxelas indicam que os danos causados ao país de Volodimir Zelenski chegam a € 600 bilhões, enquanto o montante de recursos congelados é de € 319 bilhões (€ 300 bi do Estado russo e € 19 bi de oligarcas aliados de Putin).

A visita das autoridades europeias a Kiev e a cúpula organizada refletem como o bloco aprofundou seu envolvimento no conflito nos últimos dias, embora ainda reticente em alguns casos como do confisco de ativos.

Até o aniversário de um ano da guerra, no próximo dia 24, um novo pacote de sanções contra Moscou deve ser detalhado e posto em prática. Na semana passada a Alemanha anunciou o envio de tanques para Kiev e autorizou outros países que operam seus blindados a fazer o mesmo.

Na quinta (2), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) comentou o papel das lideranças europeias e afirmou que "mesmo sem querer", a União Europeia está "dentro da guerra". O petista também voltou a falar sobre a proposta de criar um fórum de países para mediar o conflito e negociar acordos de paz.

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