Comissão Europeia recomenda candidatura da Ucrânia à UE, em impulso moral anti-Rússia

Adesão ao bloco pode levar décadas para se concretizar e, neste momento, tem apenas peso simbólico

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Bruxelas | Reuters

A Comissão Europeia, o braço executivo da União Europeia (UE), recomendou nesta sexta-feira (17) que a Ucrânia seja designada como candidata a membro do bloco, um marco em meio à guerra contra a Rússia.

Neste momento, porém, o gesto em grande parte tem apenas peso simbólico, já que o caminho para a adesão efetiva pode levar anos, ou décadas, uma vez que o processo exige reformas profundas no país.

A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, durante entrevista coletiva em Bruxelas
A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, durante entrevista coletiva em Bruxelas - Kenzo Tribouillard/AFP

Kiev pediu a entrada na UE quatro dias após as tropas russas cruzarem suas fronteiras, em fevereiro. Na sequência, Moldova e Geórgia, que também integraram a União Soviética e que, assim como a Ucrânia, lutam contra separatistas em regiões ocupadas por militares de Moscou, repetiram o movimento.

Nesta sexta, o anúncio em torno de candidaturas ao bloco europeu também incluiu os moldavos, mas deixou de fora a Geórgia, porque, segundo a comissão, o país ainda precisa atender a mais condições.

Com um casaco amarelo e uma camiseta azul, as cores da bandeira da Ucrânia, a presidente da Comissão Europeia, Ursula Von der Leyen, anunciou a decisão em entrevista coletiva. "A Ucrânia demonstrou com clareza as aspirações e a determinação para viver de acordo com os valores e os padrões europeus", disse ela. "Os ucranianos estão prontos para morrer pela perspectiva europeia."

O líder ucraniano, Volodimir Zelenski, chamou a decisão de "primeiro passo que nos aproximará da vitória", enquanto a presidente da Moldova, Maia Sandu, celebrou o anúncio como "forte sinalização de apoio".

Ambos ainda enfrentarão um longo processo para chegar aos padrões exigidos para a adesão, e há outros candidatos na sala de espera. Ao final, a filiação tampouco é garantida —a Turquia, que desde 1999 tem o status obtido nesta sexta por ucranianos e moldavos, está com as negociações sem avanços há anos.

A adesão à UE requer amplas reformas administrativas —há 35 "capítulos do acervo" que estabelecem normas a cumprir em áreas que vão do Judiciário a serviços financeiros e até segurança alimentar.

Se for aceita, a Ucrânia se tornará o maior país da UE em área e o quinto mais populoso. Por outro lado, os candidatos são muito mais pobres do que qualquer outro membro atual do bloco europeu, com PIB per capita em torno da metade da nação mais pobre, a Bulgária. Todos também têm histórias recentes de política volátil, agitação doméstica, crime organizado arraigado e conflitos não resolvidos com separatistas pró-Kremlin que proclamam soberania sobre o território protegido por tropas de Moscou.

Enquanto alguns países da UE, como Holanda e Dinamarca, não apoiam a inclusão de mais candidatos a integrantes do bloco, Zelenski ganhou o apoio de França, Alemanha, Itália e Romênia nesta quinta-feira, quando os líderes dessas nações viajaram a Kiev e a Irpin, nos arredores da capital.

Durante a visita, a primeira desde o início do conflito, o francês Emmanuel Macron, o alemão Olaf Scholz, o italiano Mario Draghi e o romeno Klaus Iohannis disseram que a Ucrânia pertence à "família europeia". Os líderes vinham recebendo críticas por não expressarem apoio mais claro a Kiev, o que era visto como decorrência da dependência energética da Europa Ocidental em relação ao gás russo.

Nesta sexta (17), a operadora GRTgaz, responsável pelos gasodutos na França, informou que os fluxos vindos da Alemanha foram interrompidos desde quarta (15). Berlim afirma que a interrupção foi uma consequência lógica desencadeada pela redução no fornecimento de gás da Rússia por meio do gasoduto Nord Stream 1 e diz que Moscou tomou uma decisão politicamente motivada de reduzir a entrega para a União Europeia (UE).

​A italiana Eni e a eslovaca SPP disseram terem sido informadas pelas Gazprom, a gigante estatal ussa, de que receberiam apenas metade do gás solicitado nesta sexta.

O anúncio da Comissão abrirá caminho para que chefes de governo da UE aprovem o novo status em uma cúpula na próxima quinta e sexta-feira em Bruxelas, num impulso moral para a Ucrânia contra a Rússia.

Para o Kremlin, a guerra que chama de "operação militar especial" foi parcialmente necessária devido ao avanço ocidental no que caracteriza como sua legítima esfera de influência. Oficialmente, o presidente Vladimir Putin ordenou a ofensiva contra o país vizinho para desarmar e "desnazificar" a Ucrânia, na prática bloqueando a expansão de instituições do Ocidente que ele chamou de ameaças à Rússia.

Mas a guerra, que já matou milhares de pessoas, destruiu cidades e forçou milhões a fugir, teve, neste campo, o efeito oposto. A Finlândia e a Suécia ignoraram décadas de neutralidade e solicitaram a adesão à Otan, a aliança militar ocidental liderada pelos EUA, e a UE abriu seus braços para o leste.

Nesta sexta, o Kremlin disse acompanhar de perto os esforços da Ucrânia para se tornar membro da União Europeia, especialmente à luz do aumento da cooperação em defesa no bloco. O porta-voz Dmitri Peskov afirmou que a questão "requer nossa atenção redobrada, porque todos estamos cientes da intensificação das discussões na Europa sobre o fortalecimento do componente de defesa da UE".

Putin, por sua vez, em um discurso no principal fórum econômico anual da Rússia, disse que a UE perdeu sua "soberania política" e iniciou um caminho que levaria ao radicalismo e à mudança das elites, devido às suas políticas econômicas, como a impressão de dinheiro para lidar com a inflação e a desigualdade.

O chefe do Kremlin também atacou o Ocidente por culpá-lo por problemas econômicos e disse que as ações de Moscou na Ucrânia "não têm nada a ver" com a alta dos preços nos países desenvolvidos.

Apesar das críticas ao bloco europeu no campo da economia, Putin disse não ser contrário a uma eventual entrada da Ucrânia na UE. "Não temos nada contra a adesão a parcerias econômicas, é uma decisão soberana, um assunto do povo ucraniano", afirmou ele, em uma contradição com os objetivos de Moscou de afastar Kiev de mecanismos ocidentais, um dos motores da guerra ora em curso.

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