Celso Amorim vai à Venezuela e descreve cenário inédito de 'incentivo à democracia'

Assessor de Lula esteve em Caracas em visita não anunciada pelo Itamaraty; eleições e dívida bilionária estiveram na mesa

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São Paulo

Em viagem sem alarde e de apenas 24 horas, o ex-chanceler Celso Amorim, chefe da assessoria especial da Presidência, esteve nesta semana em Caracas, onde reuniu-se com Nicolás Maduro, ditador da Venezuela, e membros da oposição ao regime.

À Folha o principal conselheiro de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na política externa se diz de certo modo otimista. "Todos manifestaram lá o desejo de eleições competitivas. É a expectativa real. Em 20 anos de contato com o país, nunca vi um clima tão grande de incentivo à democracia."

O assessor-chefe da assessoria especial da Presidência da República, Celso Amorim, com o ditador da Venezuela, Nicolás Maduro, durante encontro na capital Caracas
O assessor-chefe da assessoria especial da Presidência da República, Celso Amorim, com o ditador da Venezuela, Nicolás Maduro, durante encontro na capital Caracas - Marcelo Garcia - 8.mar.23/Divulgação Palácio de Miraflores via Reuters

Espera-se que o país vizinho tenha eleições em 2024, quando Maduro tentará se firmar por mais seis anos no poder. Não há um calendário para o pleito, e cresce a pressão de atores que vão dos Estados Unidos à oposição local para que Caracas assegure eleições livres e competitivas.

As manifestações do regime são dúbias. Nesta quinta (9) um dos principais nomes do chavismo, Jorge Rodríguez, que lidera uma Assembleia Nacional de fachada, disse que qualquer acordo sobre as eleições requer a retirada de sanções econômicas internacionais.

"Todos dizem o mesmo: 'defendemos eleições livres, competitivas, democráticas'. Estamos de acordo com esse conselho: eleições livres... livres de sanções", disse Rodríguez em Caracas, parafraseando críticos.

Amorim falou sobre o assunto. "Quanto mais restrições econômicas, mais difícil se torna o caminho para a estabilidade e à democracia", diz. Ele afirma que a viagem foi uma "clara demonstração do interesse do Brasil de manter uma boa relação e apoiar a democracia na Venezuela".

Os enviados do governo brasileiro disseram a Maduro que o Brasil apoia uma trajetória que aponte para uma eleição competitiva, com a implícita ideia de que esperam que o venezuelano não imponha obstáculos a candidatos opositores, como já ocorreu.

Além de uma reunião de cerca de uma hora com Maduro no Palácio de Miraflores, Amorim teve encontros com Gerardo Blyde, principal negociador da oposição; com Timoteo Zambrano e Luis Augusto Romero, da coalizão Aliança Democrática, e com Antonio Ecarri, da Aliança do Lápis.

Antes mesmo de tomar posse, o governo Lula anunciou a retomada dos laços com a Venezuela, rompidos sob Jair Bolsonaro. Em janeiro, o Itamaraty enviou um encarregado de negócios ao país vizinho. Lula também tinha um encontro com Maduro que ocorreria na Argentina, mas foi cancelado por Caracas.

Amorim também sinaliza que o Brasil —num movimento quase natural pela importância regional do país, diz o diplomata— também pretende assumir maior protagonismo nas negociações entre a Venezuela e a oposição, que hoje ocorrem de maneira lenta no México.

Amorim disse que falou brevemente com o ditador venezuelano sobre a dívida de US$ 1 bilhão (R$ 5 bi) que a Venezuela acumula com o Brasil. A resposta de Maduro foi simples e não revelou um calendário de pagamento no horizonte. "Ele disse que vai programar o pagamento. Está totalmente ciente de que é preciso regularizar isso."

O enviado de Lula também disse ter falado sobre cooperação na fronteira, um tema delicado. Segundo a ONG Fundaredes, 644 homicídios e 334 desaparecimentos e sequestros foram registrados nas fronteiras do país com Brasil e Colômbia em 2022.

Adiangela Álvarez, pesquisadora da Fundaredes, disse à agência AFP que 80 das 334 vítimas desaparecidas ou sequestradas são mulheres, a maioria migrantes, que tentavam sair do país devido à grave crise econômica local, que já levou 7 milhões de venezuelanos a partir.

Outro tema sensível entre os dois países, o da migração de venezuelanos para o Brasil, que ingressam em especial pelo norte do território brasileiro, não esteve na mesa de conversa, mas Amorim diz ver perfeitas condições para que isso seja tratado em breve.

"O problema principal é a migração econômica. A grande maioria que vem não é o faz por uma questão política; e a economia na Venezuela está tendo uma melhora, então isso pode mudar em breve."

Venezuelanos compõem a principal nacionalidade que pede refúgio no Brasil. Segundo dados enviados pelo Ministério da Justiça a pedido da Folha no início do ano, 208 mil cidadãos da nação vizinha solicitaram refúgio nos últimos dez anos. Somente em 2022, foram 33,6 mil.

A nacionalidade já passou a haitiana como a principal origem de mão de obra migrante no mercado de trabalho formal brasileiro.

Amorim também comenta a relação de Brasília com outra ditadura regional, a de Daniel Ortega na Nicarágua. Nesta semana, o Brasil rompeu o relativo silêncio sobre o assunto e ofertou acolhimento para os mais de 300 expatriados por Manágua há um mês.

Ele afirma que "os graves relatos de violação de direitos humanos despertam preocupação", e que o Brasil não poderia deixar de se manifestar sobre o agravamento da repressão. Mas sinaliza: "Essa postura não significa que o país vai passar a ter a atitude de outros países que somos contra" —em outras palavras, sanções.

A viagem de Amorim a Caracas, não anunciada previamente pelo Itamaraty, foi revelada por um tuíte de Maduro na quarta (8). "Tive um grato encontro com a delegação brasileira, chefiada por Celso Amorim", publicou o ditador, em post com fotos dos dois. "Estamos comprometidos a renovar nossos mecanismos de união e solidariedade que garantem o crescimento e o bem-estar da Venezuela e do Brasil."

Colaborou Patrícia Campos Mello

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