George Santos fez campanha com dinheiro arrecadado por fundo misterioso

Revisão de documentos e gastos indica possível nova irregularidade em histórico manchado do deputado republicano

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Alexandra Berzon Grace Ashford
Nova York | The New York Times

Um mês antes de George Santos ser eleito para o Congresso dos EUA, um de seus grandes doadores recebeu um telefonema pedindo que considerasse fazer mais uma contribuição considerável.

O pedido veio de um fiel republicano que falou em nome da RedStone Strategies, descrita em um email como um grupo de "despesas independentes" que apoiava a candidatura de Santos para "virar" uma cadeira democrata na Câmara. O grupo já havia levantado US$ 800 mil e tentava conseguir mais US$ 700 mil, conforme o email analisado pelo jornal The New York Times.

O doador apareceu dias depois: em 21 de outubro, enviou US$ 25 mil para uma conta da RedStone no Wells Fargo Bank. Passados três meses, Santos está no Congresso, mas não ficou claro para onde foi o dinheiro. A Comissão Eleitoral Federal (FEC) diz não ter evidências de que a RedStone está registrada como grupo político e não parece haver registro documentando seus doadores, contribuições ou gastos.

George Santos, deputado pelo estado de Nova York, no Capitólio, em Washington - Elizabeth Frantz - 12.jan.23/Reuters

Santos e seu advogado se recusaram a responder perguntas sobre esforços de arrecadação da RedStone e se o deputado se envolveu neles. Mas ele criou vínculos com o grupo —registrado num endereço em Merritt Island, na Flórida— em novembro de 2021, quando preparava sua segunda candidatura. A empresa listou a Devolder Organization, empresa de Santos, como um de seus diretores.

Um site da empresa a descreve como administrada por "especialistas em marketing e em política" cujos serviços de criação de anúncios, comunicações e arrecadação de fundos têm valor, "não importa se você está numa disputa local ou se será o próximo presidente dos Estados Unidos".

No entanto, o corpo de trabalho da empresa —ao menos para candidatos e comitês, que são obrigados a fazer relatórios de despesas de campanha— parece limitado. Uma busca do Times nos registros de financiamento revelou pagamentos de um candidato derrotado à Câmara em Long Island e de dois grupos ligados a candidatos legislativos de Nova York.

Também mostra um pagamento de um PAC (Comitê de Ação Política) chamado Rise NY, administrado pela irmã de Santos, Tiffany. Registros indicam que o grupo fez uma transferência eletrônica de US$ 6.000 em abril de 2022 para a RedStone, citando a agência do Wells Fargo Bank em Merritt Island como endereço.

A obscuridade em torno das operações de arrecadação de fundos em nome de Santos torna difícil saber se alguma lei foi violada. Mas um exame minucioso dos registros disponíveis sugere que a RedStone pode ter burlado a lei. O email ao doador o descrevia como um "comitê independente de gastos sob a lei federal de financiamento de campanha" com o "objetivo singular" de eleger o filho de brasileiros.

Esses grupos, conhecidos como super PACs, podem apoiar candidatos levantando grandes somas além dos limites estritos de doadores de campanha. Mesmo assim, há regras: eles devem se registrar na Comissão Eleitoral Federal e divulgar os doadores e não podem coordenar as campanhas.

No entanto, a FEC não tem registro das estratégias da RedStone. O Daily Beast informou que a Redstone Strategies LLC da Flórida tinha conexão com Santos, mas a existência de um grupo operando sob o nome de RedStone levantando grandes somas de dinheiro para sua eleição não foi revelada anteriormente.

"Não vejo registro de um comitê com esse nome registrado na FEC, e nossos regulamentos seriam que se um grupo político arrecadasse mais de US$ 1.000 com o objetivo de influenciar uma eleição federal ele seria obrigado a se registrar na FEC dentro de dez dias", diz Christian Hilland, porta-voz do órgão.

A pessoa que contatou o doador disse que Santos a procurou antes da campanha pedindo que abordasse doadores, alguns dos quais já haviam dado o máximo permitido, e que ajudasse a coordenar doações para a RedStone, de acordo com outra pessoa familiarizada com o arranjo, que prefere permanecer anônima.

Um advogado de Santos se recusou a responder perguntas, dizendo que "seria inadequado responder a qualquer coisa relacionada a essa aparente investigação das finanças de campanha do cliente".

As contas de Santos estão sendo analisadas depois que o New York Times noticiou no mês passado que sua candidatura foi construída sobre mentiras, incluindo falsificações de fortuna imobiliária, distinção acadêmica e uma suposta carreira brilhante em Wall Street.

Nas declarações que apresentou, ele ganhava US$ 55 mil por ano e passou a dirigir uma empresa no valor de mais de US$ 1 milhão em pouco tempo. Isso permitiu que emprestasse à campanha mais de US$ 700 mil –um pouco menos que a quantia que a RedStone afirmou ter arrecadado.

Os gastos de campanha de Santos também foram questionados, com dezenas de despesas de US$ 199,99 –US$ 0,01 abaixo do limite que exigiria apresentação de recibos. O padrão suspeito serviu de base parcial para uma denúncia que o Campaign Legal Center apresentou à FEC, acusando o congressista de desviar fundos de campanha para uso pessoal, deturpar gastos e tramar para ocultar a verdadeira fonte de financiamento.

Os esforços da RedStone parecem igualmente opacos. A pessoa que solicitou a doação de US$ 25 mil tem atuado no Partido Republicano do Queens e se descreve como amigo de Santos. O doador, que não quis ser identificado, confirmou que foi informado pelo agente que a quantia seria usada como parte de uma grande compra de anúncios para o candidato.

Mas ele disse que não soube como os fundos foram gastos. Uma revisão das despesas da AdImpact não mostra qualquer compra de publicidade pelo grupo em nome de Santos nem gastos de outros grupos independentes nos meses que antecederam a eleição.

Se um grupo arrecadasse dinheiro sob falso pretexto político, essa atividade poderia levar as autoridades eleitorais federais a considerá-lo um "PAC fraudulento" —prática que preocupa cada vez mais a FEC, diz Hilland.

Santos reconheceu ter enganado eleitores sobre sua história educacional e profissional, dizendo que seu pecado foi "dourar" seu currículo e nada mais. Ele foi empossado, apesar de colegas terem pedido investigações sobre seu comportamento, e líderes republicanos em NY, incluindo quatro congressistas em primeiro mandato, pedido sua renúncia. Promotores nos níveis local, estadual e federal indicaram que estão de olho em Santos.

Outra área de preocupação sobre a RedStone Strategies foi a forma como ela foi descrita em seu email de solicitação de doadores como "501c4" —um tipo de grupo criado para promover o bem-estar social. Essas entidades não pagam impostos federais e podem se envolver em política desde que seu objetivo principal não seja eleger candidatos a cargos públicos.

"Elas podem gastar até 49,9% de seu orçamento em trabalho eleitoral de candidatos", diz Paul S. Ryan, especialista em legislação eleitoral federal, acrescentando que gastos políticos são permitidos desde que não seja o objetivo principal do grupo.

A RedStone não foi o único grupo cuja atividade disparou sinais de alerta. O Rise NY é um PAC estadual criado em dezembro de 2020 pela tesoureira de campanha de Santos, Nancy Marks, e por Tiffany. Um perfil do grupo no Twitter descreve seu objetivo como "registro e educação de eleitores, bem como aumentar a consciência eleitoral e o entusiasmo dos eleitores".

O PAC arrecadou grandes somas de doadores que, de outra forma, haviam estourado as doações para a campanha de Santos, conforme relatado pelo Newsday. Um doador contribuiu com US$ 150 mil, conforme registros do Conselho Eleitoral do Estado de Nova York, muito além do limite de US$ 2.900 por eleição imposto a contribuições para atividades diretas de campanhas federais.

Postagens nas redes sociais mostram que o Rise NY organizou manifestações e eventos de registro de eleitores em Long Island. Um exame minucioso dos gastos do grupo, porém, revela que muitas ações seriam consideradas incomuns, se não uma violação. De acordo com a lei de Nova York, PACs como o Rise NY podem doar diretamente a candidatos ou comitês autorizados, mas não gastar de outras maneiras para ajudar uma campanha.

Ainda assim, o Rise NY emitiu pagamentos de salários e serviços profissionais para os funcionários da campanha de Santos, incluindo o secretário de imprensa dele. Também destinou US$ 10 mil em pagamentos a uma empresa administrada por Marks. E Tiffany Santos ganhou US$ 20 mil por seu trabalho como presidente do PAC. Ela não respondeu a pedidos de comentário.

Seus gastos ocorreram em muitos dos locais que os registros de campanha de Santos mostram que ele gosta de frequentar, incluindo o restaurante Il Bacco, no Queens, onde a campanha gastou US$ 14 mil, e um posto de gasolina a dois minutos de carro de seu antigo apartamento.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves 

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