Descrição de chapéu The New York Times

George Santos assume como deputado nos EUA afundado em suspeitas

Filho de brasileiros que se orgulha de ter se reinventado, político cai em descrédito por ter inventado currículo

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Michael Gold Grace Ashford
Nova York | The New York Times

Em dois anos, George Santos deixou de ser um candidato pouco conhecido para se tornar um símbolo do inesperado ressurgimento do Partido Republicano em Nova York, estado profundamente democrata.

Mas um turbilhão de suspeitas envolve o político no momento em que ele chegou à Câmara dos Representantes dos Estados Unidos, nesta terça-feira (3), e jurou servir à Constituição e ao país —participando ainda da longa sessão em que, seu partido, em um racha, levou a um impasse na escolha do presidente da Casa que não era visto há cem anos.

Santos admitiu que forjou partes importantes de seu histórico acadêmico e profissional, depois que uma investigação do jornal The New York Times descobriu discrepâncias em seu currículo e dúvidas sobre suas transações financeiras. Os Ministérios Públicos federal e local estão investigando se ele cometeu crimes. Agora, reportagens mostram que as mentiras começaram anos antes de ele entrar na política.

O republicano George Santos, já empossado deputado, em sessão da Câmara em Washington - Mandel Ngan - 3.jan.23/AFP

Santos chega ao Congresso enfrentando pressão significativa de legisladores de ambos os partidos.

Ele está esquivo: não respondeu a telefonemas, mensagens de texto ou emails solicitando que respondesse às reportagens do New York Times. Na semana passada, quando questionado sobre os gastos incomuns da campanha, seu advogado disse que era "ridículo" sugerir que fundos tenham sido usados de forma irresponsável. Santos não respondeu a email enviado na sexta-feira (30), pedindo comentários sobre novas reportagens que mostram discrepâncias em seu passado.

Membros de seu partido pediram mais explicações sobre seu comportamento, e Nick LaLota, deputado republicano também eleito por Long Island, em Nova York, pediu uma investigação ética na Câmara.

James R. Comer, de Kentucky, novo presidente republicano do Comitê de Supervisão da Câmara, disse à Fox News na quinta (29) que está "bastante confiante" que o Comitê de Ética da Casa abrirá uma investigação. "O que Santos fez é uma vergonha. Ele mentiu aos eleitores."

Os democratas de Nova York também deixaram claro que querem submetê-lo a um escrutínio mais profundo. Hakeem Jeffries, novo líder democrata, definiu Santos como "inapto para o cargo". Ritchie Torres disse que pretende apresentar o projeto de lei Stop Another Non-Truthful Office Seeker (pare mais um candidato mentiroso, no acrônimo em inglês para Santos), que exigiria que candidatos à Câmara apresentassem sob juramente detalhes de seus antecedentes.

O legislador que poderá ter maior importância para o futuro dele, o líder republicano Kevin McCarthy, manteve silêncio quando questionado sobre as entrevistas de Santos que confirmam as revelações do Times.

Ainda não está claro como a polêmica poderá afetar a estreia de Santos no Congresso. Ele disse ao portal NY1 no mês passado que esperava atuar nos comitês de Serviços Financeiros ou Relações Exteriores da Câmara, com base em seus "14 anos no mercado de capitais" e em uma "experiência multicultural". Mais tarde, admitiu ter distorcido a atuação profissional e teve aspectos de sua herança familiar questionados.

O NYT fez uma imagem mais clara de sua vida pregressa, incluindo informações sobre lacunas de sua história pessoal, junto a discrepâncias no modo como descreveu a vida da mãe. Santos disse que cresceu num apartamento em Jackson Heights, no bairro do Queens, em Nova York. Até quarta (28), a biografia da campanha dizia que sua mãe, Fatima Devolder, trabalhou até se tornar "a primeira mulher executiva numa grande instituição". Também apontava que ela estava na torre sul do World Trade Center nos ataques do 11 de Setembro e que morreu "anos depois".

De fato, Devolder morreu em 2016, e um jornal da comunidade brasileira na época a descreveu como cozinheira. Amigos e ex-colegas de quarto de Santos lembram-se dela como uma mulher trabalhadora e amigável, que falava apenas português e ganhava a vida fazendo faxina e vendendo comida. Nenhum dos entrevistados conseguiu se lembrar de qualquer caso dela trabalhando com finanças.

Em 2008, segundo registros judiciais, Santos e sua mãe moravam no Brasil, em Niterói, no Rio de Janeiro. Um mês antes de completar 20 anos, ele entrou numa pequena loja de roupas e gastou quase US$ 700 (R$ 3.740) usando cheques roubados e um nome falso, mostram os registros do tribunal.

Santos nega ter cometido crimes nos EUA ou no exterior. Mas o registro brasileiro mostra que ele admitiu a fraude para a polícia e para o comerciante. "Sei que errei, mas quero pagar", escreveu numa mensagem ao dono da loja em agosto de 2009 no Orkut. "Sempre foi minha intenção pagar, mas não consegui."

Em novembro de 2010, Santos e a mãe compareceram à polícia, e ambos admitiram que ele era o responsável. Em setembro de 2011, um juiz brasileiro ordenou que Santos fosse processado. Três meses depois, um oficial de Justiça tentou intimá-lo, mas ele não foi encontrado. À época, ele tinha voltado a Nova York e trabalhava num call center da Dish Network no Queens, segundo registros da empresa.

O Ministério Público do Rio de Janeiro informou nesta segunda (2) que deve reabrir uma investigação contra Santos. O processo estava suspenso porque as autoridades não conseguiam localizá-lo. Segundo a assessoria do MP-RJ, com a eleição e a consequente identificação do paradeiro do agora deputado eleito, um pedido formal será feito ao Departamento de Justiça dos EUA para notificá-lo das acusações.

Entrevistas com ex-amigos e colegas de Santos, vários dos quais falaram sob a condição de anonimato para não serem envolvidos nas polêmicas, sugerem que ele estava se reinventando quando retornou a Nova York e que continuaria a fazê-lo nos anos seguintes. Eles retratam Santos como um lutador, cuja tendência ao exagero e senso de superioridade os deixou em dúvida sobre suas supostas conquistas.

Ele disse a alguns que havia sido jornalista num veículo famoso no Brasil, mas ninguém conseguiu encontrar seu nome no site da empresa. Contou que frequentava o Baruch College, mas nenhum de seus amigos se lembrava dele estudando. Gabava-se de façanhas em Wall Street, mas muitas vezes parecia ter pouco dinheiro, por vezes pedindo empréstimos que nem sempre pagava.

Quando ingressou numa empresa de viagens chamada MetGlobal, apresentou-se como alguém de família rica. Mas dois ex-colegas disseram que o salário era modesto e que o trabalho não condizia com a descrição de Santos de si mesmo como financista em recuperação após apostas ruins em Wall Street.

Nem tudo na biografia declarada de Santos era mentira. Um documento da empresa LinkBridge confirma que ele foi vice-presidente da firma. Vários ex-colegas disseram que ele trabalhou para a MetGlobal, numa subsidiária chamada HotelsPro. E os registros examinados pelo Times parecem corroborar a afirmação de que recebeu o diploma de equivalência do ensino médio em Nova York em 2006.

Em 2016, Santos partiu para a Flórida, segundo registros públicos, na época em que a HotelsPro estava abrindo um escritório em Orlando. Santos disse ao Newsday em 2019 que foi lá brevemente para trabalhar. Tirou carteira de motorista na Flórida e se registrou para votar nas eleições de 2016.

Pessoas que o conheceram lembram que Santos sempre foi um seguidor da política republicana e um crítico de Hillary Clinton e Bill de Blasio, então prefeito de Nova York.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves 

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