Membro do PT compara Maduro e Ortega a Bolsonaro e causa mal-estar na sigla

Alberto Cantalice, da direção nacional da sigla, afirma que venezuelano e nicaraguense são aprendizes de ditadores; dirigente critica declarações

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São Paulo

Declarações recentes de Alberto Cantalice, membro do diretório nacional do PT e diretor da Fundação Perseu Abramo, ligada ao partido, causaram mal-estar ao tocar em uma das pedras no sapato da legenda: a relação com ditaduras em vigor na América Latina.

Cantalice publicou, na noite de domingo (5) e nesta segunda-feira (6), mensagens no Twitter nas quais afirma que regimes como os de Cuba, Venezuela e Nicarágua são ditaduras, contrariando a linha histórica da sigla, que os descreve como governos democráticos.

Alberto Cantalice durante evento do PT em 2015 - Paulo Pinto/Agência PT

Em uma das publicações, ele diz que todos os líderes latino-americanos, com exceção de Luiz Inácio Lula da Silva, Gabriel Boric (Chile), Andrés Manuel López Obrador (México), Gustavo Petro (Colômbia) e Alberto Fernández (Argentina), são "protoditadores, aprendizes autoritários, uns merdas". Em outra, afirma que Daniel Ortega, da Nicarágua, "enxovalha a esquerda latino-americana".

Membros da militância do PT reagiram às falas nas redes sociais, muitos dos quais com críticas. À Folha Cantalice reafirmou suas posições. "Eles [Nicolás Maduro e Ortega] são uma espécie de aprendizes de ditadores, como é [Jair] Bolsonaro. Vejo semelhanças."

"O sistema implementado na Nicarágua e na Venezuela é iliberal, falta transparência. Não posso dizer que Bolsonaro é autoritário e dizer que os outros são democráticos se eles têm o mesmo método de atuação."

Horas após as publicações, ele apagou as mensagens que criticavam Cuba e chamavam líderes de merdas. Questionado, afirma que "Cuba tem uma questão histórica, o bloqueio americano, que não deixa as coisas evoluírem". "O cerco atrapalha o desenvolvimento da ilha."

O petista também criticou Josef Stálin, ditador da antiga União Soviética. "Stálin é um cancro da humanidade e destruidor de uma sociedade justa e igualitária. Corrompeu o marxismo e o leninismo e ficou para a história como um coveiro da sociedade livre."

Cantalice reitera que suas posições são pessoais e não representam o partido. "O PT tem relações históricas com esses regimes, talvez por isso algumas pessoas se sintam intimidadas a falar."

Procurado pela Folha, Romênio Pereira, secretário de Relações Internacionais do PT, criticou o correligionário. "Ele não é membro da Executiva do PT, portanto só fala por si. Acho deselegante e desrespeitoso com várias lideranças mundiais. São opiniões irrelevantes. Foi um erro."

O historiador Valter Pomar, responsável pela área de relações internacionais da Fundação Perseu Abramo, também o criticou. "Nicarágua, Venezuela e Cuba têm inúmeros problemas, como o Brasil e o PT também têm. Não vejo nenhum problema em debater privadamente e publicamente esses problemas, alguns deles gravíssimos", escreveu ele em um texto em seu blog.

"Acontece que o que Cantalice faz não é debater problemas nem propor soluções, mas colocar esses países na lista de inimigos a serem derrotados. Este tipo de lacração só interessa aos EUA."

Ainda durante os dois primeiros mandatos de Lula e, agora, em sua terceira vez no Palácio do Planalto, o petista é cobrado para que se posicione contra governos autoritários da vizinhança.

Ainda que ele tenha subido o tom, com críticas sutis ao autoritarismo de Cuba durante a campanha eleitoral, o governo Lula 3 não se posicionou publicamente sobre as ditaduras.

Em recente entrevista à Folha, porém, o chanceler Mauro Vieira reconheceu que a Nicarágua é uma ditadura e disse que o governo condena a violação de direitos humanos no país. "O que for [abuso] claro e comprovado, evidentemente que não vamos apoiar", disse ele.

"Maduro segue uma rota até pior que a do [Hugo] Chávez. Na época do Chávez a gente não via tantas pessoas deixando a Venezuela como hoje", acrescenta Cantalice, referindo-se ao fluxo de migração de venezuelanos, em especial com destino a outras nações da América Latina, como Colômbia e Brasil.

Sobre o regime de Ortega na Nicarágua, lembra que muitas pessoas que, recentemente, foram expulsas e expatriadas, ajudaram a derrubar a ditadura de Anastasio Somoza, no final dos anos 1970. "Elas estão onde estiveram, quem mudou foi o Ortega."

Após o ditador nicaraguense retirar a nacionalidade de mais de 300 opositores, o Chile de Boric ofereceu nacionalidade aos expatriados. O governo de Fernández na Argentina disse que pode fazer o mesmo. O Brasil, no entanto, ainda não se manifestou sobre o assunto. Questionado se há uma posição do PT sobre o assunto, o secretário Romênio Pereira diz que o tema ainda está sendo avaliado.

Na última sexta-feira (3), o governo brasileiro não aderiu a uma declaração conjunta de mais de 50 países que denunciava os crimes de Ortega. No mesmo dia, o Conselho de Direitos Humanos da ONU publicou um relatório no qual comparava as táticas de repressão da ditadura ao nazismo de Adolf Hitler.

Agora, porém, o governo diz que apresentará uma nota própria, redigida com participação do Itamaraty, ao colegiado da ONU. O texto deve expressão preocupação com as arbitrariedades colocadas em prática por Manágua.

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