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Guerra da Ucrânia Rússia

Legado de Stálin segue vivo 70 anos após a morte do ditador

Putin e a Guerra da Ucrânia testemunham influência de um dos maiores homicidas da história

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São Paulo

Neste 5 de março, em 1953, era anunciada ao mundo a morte de Ioseb Besarionis Djugachvíli, mais conhecido como Josef Stálin, "aquele feito de aço" em russo. Setenta anos depois, a sombra de sua influência segue presente na Rússia de Vladimir Putin e na geopolítica perseguida pelo presidente com sua guerra na Ucrânia.

Não que o líder russo seja stalinista ou queira reabilitar o ditador, que comandou a União Soviética de 1927 até seu falecimento, aos 74 anos, por um derrame tão suspeito que até uma boa comédia sobre suas circunstâncias ("A Morte de Stálin", 2017) já foi filmada e proibida na Rússia.

Veterano do Exército Vermelho junto ao túmulo de Stálin na muralha do Kremlin, durante celebração do 143º aniversário de nascimento do ditador no ano passado
Veterano do Exército Vermelho junto ao túmulo de Stálin na muralha do Kremlin, durante celebração do 143º aniversário de nascimento do ditador no ano passado - Alexander Nemenov - 21.dez.2022/AFP

Mas sua visão de uma Rússia que precisa de fronteiras seguras a lhe separar dos inimigos, de resto uma herança imperial da dinastia Románov (1613-1917) que os soviéticos abraçaram, deve muito à brutalidade de meios que caracterizou Stálin —que nem russo era, e sim georgiano.

Com efeito, Putin tornou sagrado o calendário público associado à vitória do ditador contra seu par nazista Adolf Hitler na Segunda Guerra Mundial, que para os russos se chama Grande Guerra Patriótica e começou com a invasão alemã de 1941. Antes, Stálin e Hitler eram aliados e partilharam parte da Europa, uma verdade que incomoda o Kremlin.

Há consequências da promoção intensiva do nacionalismo militarista. O instituto independente de opinião pública Levada fez sua mais recente pesquisa sobre Stálin em 2021, e o resultado foi notável: consideravam o ditador um "grande líder" 56% dos ouvidos. Em 2016, eram 28%, ante 29% aferidos em 1992, ano seguinte ao fim do império comunista.

Apenas 14% discordavam da avaliação, com outras porcentagens em categorias intermediárias de opinião. Mais: 45% viam Stálin com respeito, ante 28% indiferentes e 10%, simpáticos a ele.

Na esquerda brasileira, o ditador historicamente é menos influente do que Leon Trótski, seu rival derrotado (e devidamente assassinado) na disputa pelo vácuo de poder após a morte do fundador da União Soviética, Vladimir Lênin, em 1924. Ainda assim, em 2020 ele protagonizou uma vazia polêmica sobre a suposta simpatia do cantor Caetano Veloso pelos feitos de Stálin.

Afinal, como toda figura complexa, um dos maiores homicidas da história (de 10 milhões a 20 milhões de vítimas, a depender da conta) também foi responsável por criar um império que se mostrou insustentável de forma entrópica, mas que fez de um país feudal uma potência atômica e espacial.

Mas a ligação de Stálin com a Rússia de 2023 não é apenas afetiva, por assim dizer. Em uma dessas sincronicidades da história, a Ucrânia segue no centro da interação internacional do Kremlin —não exatamente de forma luminosa.

O ditador presidiu uma das maiores tragédias humanitárias conhecidas, a Grande Fome de 1932-33 na Ucrânia. A causa central foi a política de coletivização da agricultura e a necessidade de Stálin de montar suas Forças Armadas com equipamento europeu —grãos ucranianos eram a forma de pagamento.

Talvez 4 milhões de pessoas tenham perecido, restando saber se por inépcia ou desígnio. Aqui, a polarização extrapola a historiografia e percorre décadas para desaguar na guerra atual, vista por políticos ucranianos como uma mera continuação de uma suposta intenção genocida do Kremlin ante o país.

Isso é questionável, óbvio, mas é também fato que Putin escreveu longo artigo no ano passado defendendo basicamente que russos e ucranianos são um só povo, e disse reiteradamente que o Estado da Ucrânia foi uma invenção dos bolcheviques de Lênin.

Seja qual for a verdade, na prática a brutalidade de Stálin no trato com os ucranianos, que de resto reflete o comunismo ideologicamente pela colocação dos fins acima dos meios, pode ser vista no emprego de força na Europa inaudito desde a Segunda Guerra.

Com efeito, a imagem do ditador na terra de Volodimir Zelenski é diversa da aferida na Rússia. Segundo o Instituto Internacional de Sociologia de Kiev pesquisou em 2021 também, apenas 16% dos ucranianos viam Stálin como um grande líder; 40% afirmavam o contrário. Já em questão de sentimentos, raiva (17%), nojo (16%) e medo (6%) superavam o respeito (14%) e a simpatia (2%) prevalentes na Rússia.

Por fim, há uma similaridade adicional: ambos, Putin e Stálin, seguiram à risca o conselho do premiê tsarista Piotr Stolipin (1862-1911) de que apenas a mão de ferro angaria respeito popular e comando político na Rússia.

Com tudo isso, o legado de Djugachvíli, mesmo após os anos de apagamento do culto à sua personalidade, segue permeando a forma com que o sucessor legal da União Soviética se relaciona com o resto do mundo.

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