Podcast discute crise demográfica na China à luz do declínio da população

Regime foi eficientes ao impor políticas restritivas, mas têm menos êxito com comportamentos mais permissivos

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A China perdeu para a Índia o primeiro lugar de país com maior população mundial. Isso já se sabia. O que não se sabia ainda é que o regime chinês não está conseguindo reverter seu declínio demográfico, estimulando a gestação de até três filhos por casal.

A questão foi abordada por quatro especialistas em podcast da BBC. Um deles, Yasheng Huang, professor do MIT, disse que regimes autoritários como o da China são eficientes ao impor políticas restritivas, mas têm menos êxito ao estimular comportamentos mais permissivos.

Pessoas em estação de metrô em Pequim, na China - Noel Celis - 11.mai.21/AFP

A medida restritiva à qual ele se refere foi a política de um único filho por família, imposta pelo Partido Comunista Chinês em 1980 e que conseguiu conter o crescimento populacional. Essa determinação vigorou até 2015, quando duas crianças para cada casal foram permitidas.

Mas a nova diretriz não impediu que a população continuasse caindo. Então, em 2021, o PC Chinês determinou que o número de filhos por casal subisse para três. O problema é que ninguém deu bola para a nova política, em que pesem estímulos em dinheiro que o regime passou a oferecer.

O problema, diz Yun Zhou, demógrafa e professora da Universidade de Michigan, é que, de meio século para cá, o perfil da sociedade chinesa mudou. Mulheres procuram ser profissionalmente bem-sucedidas. Sabem que basta um só filho para ficarem enterradas em afazeres domésticos. Três filhos? Nem pensar.

A inadequação da oferta do regime é abordada em outro ângulo por Isabel Hilton, criadora de um portal sobre questões ambientais. Nos anos 1960, diz ela, a China era em grande parte uma sociedade rural, em que os pais trabalhavam no campo, e as crianças numerosas ficavam por conta de um coletivo difuso de adultos. Hoje só 30% da população não mora nas cidades. E os avós tampouco estão ao alcance para cuidar dos netos.

Mas os burocratas do partido se desesperam com a queda acelerada da fertilidade. Em 2021, nasciam 7,5 crianças para cada mil habitantes. No ano seguinte já eram 6,7 por mil (são 11 nos EUA e 16,4 na Índia).

Outros indicadores: no ano passado a população chinesa decresceu em 850 mil pessoas. Foi o maior declínio desde 1961, quando o regime comunista sofria os efeitos de uma crise alimentar que matou muita gente. E ainda: a política de um só filho por casal levou à valorização de bebês do sexo masculino —o aborto e o infanticídio cuidavam do problema. Pois bem, há hoje 30 milhões de homens a mais que mulheres em uma população de 1,4 bilhão.

Esse conjunto de más notícias se reverteria apenas se os casais aceitassem os estímulos do Partido Comunista e voltassem a procriar como antigamente. Mas não é o caso, diz Victor Gao, vice-presidente de uma ONG com sede em Pequim que trata da globalização.

Os incentivos não são apenas monetários. Pais com mais de dois filhos conseguem matrícula nos melhores jardins da infância e nas escolas secundárias de melhor desempenho. Têm prioridade na escolha de domicílios maiores e furam a fila para serem promovidos em seus empregos nas estatais.

Gao afirma que a política do filho único teve efeitos positivos por ter impedido que a população chinesa chegasse a 2 bilhões. Teria sido um caos, argumenta, com problemas de emprego e renda e com desastres ambientais —a China tem metade das usinas a carvão e produz 27% do efeito estufa mundial.

Mas o problema pode ser visto pelo avesso para se ter um retrato da China com declínio populacional. Por mais que o despovoamento não tenha ainda afetado os números da mão de obra, é inevitável que a economia sinta os efeitos de um país um pouco menor.

E um país também mais envelhecido, que exija cuidados médicos específicos e moradias adaptadas à população mais velha. Menos gente trabalhando e menos gente pagando imposto. Em suma, um belo de um círculo vicioso.

O declínio demográfico não é algo próprio à China. Os convidados da BBC lembraram que o mesmo acontece em países como Japão, Hungria e Espanha, em meio a dezenas de outros. A diferença fundamental entre eles e os chineses está no fato de estarem abertos à imigração para que, na falta de cidadãos nacionais, o sistema produtivo não escorregue ladeira abaixo.

"Mas não vejo", diz Isabel Hilton, "como os chineses se acostumariam com a convivência em suas cidades ou seus empregos com cidadãos vindos do Vietnã ou do Paquistão". Em teoria, a imigração em massa criaria mais problemas ideológicos do que os resolveria na economia. Simplesmente não iria funcionar.

The Real Story: What will China’s declining population mean for the world?

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