Documentos vazados revelam quanto a inteligência russa foi espionada pelos EUA

Relatórios que circulam nas redes podem proporcionar a Moscou oportunidade de cortar fontes de informação

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Washington | The New York Times

Um conjunto de documentos vazados do Pentágono revela quão profundamente os serviços de segurança e inteligência da Rússia foram penetrados pelos EUA, demonstrando a capacidade de Washington de alertar a Ucrânia sobre ataques planejados e oferecendo uma medida do poderio bélico de Moscou.

Os documentos retratam uma força militar russa cansada, que enfrenta dificuldades em sua guerra na Ucrânia, e um aparato militar profundamente comprometido. Eles contêm alertas diários em tempo real para as agências de inteligência americanas sobre o momento dos ataques de Moscou e até mesmo sobre seus alvos específicos. Essa inteligência permitiu que os EUA transmitissem à Ucrânia informações cruciais para se defender.

Militares ucranianos disparam contra posição russa nos arredores de Bakhmut, na Ucrânia
Militares ucranianos disparam contra posição russa nos arredores de Bakhmut, na Ucrânia - Aris Messinis - 20.mar.23/AFP

O vazamento, cuja fonte permanece desconhecida, também revela a avaliação americana de que o Exército ucraniano está em apuros. O material, do final de fevereiro e início de março, mas encontrado nas redes sociais nos últimos dias, descreve a escassez crítica de munições de defesa antiaérea e discute os ganhos obtidos pelas tropas russas na cidade oriental de Bakhmut.

Os relatórios de inteligência parecem indicar que os EUA também estão espionando os principais líderes militares e políticos da Ucrânia, um reflexo da luta de Washington para obter uma visão clara das estratégias de combate de Kiev.

Os novos documentos parecem mostrar que o entendimento dos EUA sobre o planejamento russo continua amplo e que Washington é capaz de alertar seus aliados sobre as futuras operações de Moscou.

O material reforça uma ideia que as autoridades de inteligência há muito reconhecem: os EUA têm uma compreensão mais clara das operações militares russas que do planejamento ucraniano. A coleta de informações geralmente é difícil e às vezes errada, mas o conjunto de documentos pode oferecer a imagem mais completa do funcionamento da maior guerra terrestre na Europa em décadas.

O vazamento tem o potencial de causar danos reais ao esforço de guerra da Ucrânia, expondo quais agências russas os Estados Unidos mais conhecem e dando a Moscou uma oportunidade potencial de cortar as fontes de informação. Autoridades dizem que é muito cedo para saber a extensão dos danos, mas se a Rússia conseguir determinar como os EUA coletam as informações e cortar esse fluxo, poderá haver consequências no campo de batalha na Ucrânia.

O vazamento complicou as relações com os países aliados e levantou dúvidas sobre a capacidade dos EUA de guardar segredos. Depois de revisar os documentos, um alto funcionário da inteligência ocidental disse que a divulgação do material é dolorosa e sugeriu que poderia restringir o compartilhamento de informações. Para que várias agências forneçam material umas às outras, disse o funcionário, é necessário confiança e garantias de que certas informações confidenciais serão mantidas em segredo.

Os documentos também podem prejudicar os laços diplomáticos de outras maneiras. Os informes de inteligência recém-revelados deixam claro que os EUA não estão espionando apenas a Rússia, mas também seus aliados. Embora isso dificilmente surpreenda as autoridades desses países, tornar essa espionagem pública sempre prejudica as relações com parceiros importantes, como a Coreia do Sul, cuja ajuda é necessária para fornecer armamento à Ucrânia.

O deputado republicano Mike Gallagher, de Wisconsin, membro da Comissão de Inteligência da Câmara, disse esperar que os funcionários do governo Biden informem os legisladores sobre o assunto quando o Congresso retomar as sessões na próxima semana.

"Parece um enorme problema de contraespionagem o fato de esse conjunto de documentos ter vazado", disse. "Estamos falando de coisas que podem prejudicar nossa segurança nacional e os esforços da CIA na Europa e em todo o mundo."

Analistas dizem que o vazamento é de aproximadamente cem páginas. Repórteres do The New York Times examinaram mais de 50 delas.

Os documentos apareceram na internet como fotografias tiradas às pressas de pedaços de papel sobre o que parece ser uma revista de caça. Ex-funcionários que revisaram o material dizem que parece provável que um material confidencial tenha sido dobrado, colocado num bolso e depois retirado de uma área segura para ser fotografado.

Altos funcionários dos EUA disseram que um inquérito, iniciado na sexta-feira (7) pelo FBI, tentaria agir rapidamente para determinar a origem do vazamento. Os funcionários reconheceram que os documentos parecem ser informações legítimas e resumos operacionais compilados pelo Estado-Maior Conjunto do Pentágono, usando relatórios da comunidade de inteligência do governo, mas que pelo menos um deles foi modificado em algum momento posterior.

Grande parte da informação contida nos documentos segue divulgações públicas feitas por autoridades, mas em muitos casos contém mais detalhes. Um documento relata que os russos sofreram de 189,5 mil a 223 mil baixas, incluindo até 43 mil mortos em ação. Autoridades dos EUA estimaram anteriormente as perdas russas em cerca de 200 mil soldados. Embora as autoridades americanas sejam mais cautelosas ao descrever as perdas ucranianas, elas disseram que houve cerca de 100 mil. O documento vazado diz que a Ucrânia sofreu de 124,5 mil a 131 mil baixas, com até 17,5 mil mortos em ação.

Oficiais de inteligência insistiram repetidamente que seus números de baixas são fornecidos com "baixa confiança", o que significa que, na melhor das hipóteses, são estimativas aproximadas. O documento também observa a avaliação de baixa confiança e diz ainda que os EUA estão tentando revisar como avaliam o poder de combate das Forças Armadas russas e sua capacidade de sustentar operações.

As autoridades ucranianas continuam insistindo que os documentos são alterados ou falsificados. Em comunicado ao Telegram, Mikhailo Podoliak, assessor do presidente ucraniano, disse que os vazamentos visavam semear desconfiança entre os parceiros da Ucrânia.

Outra anotação fala sobre uma campanha de informação planejada pelo GRU, a unidade de inteligência militar da Rússia, na África, tentando moldar a opinião pública contra os EUA e "promover a política externa russa".

Enquanto alguns dos informes de inteligência oferecem análises e advertências gerais sobre os planos russos, outros são o tipo de informação acionável que a Ucrânia poderia usar para se defender. Uma nota fala sobre planos do Ministério da Defesa da Rússia para efetuar ataques com mísseis contra as forças da Ucrânia em locais específicos em Odessa e Mikolaiv em 3 de março. As agências de inteligência dos EUA acreditavam que o ataque se destinaria a destruir uma área de armazenamento de drones e um canhão de defesa antiaérea e a matar soldados ucranianos.

No final de março, a Rússia alegou ter destruído um hangar contendo drones ucranianos perto de Odessa. Também no final de março, analistas militares disseram que a Rússia atacou Mikolaiv e outras cidades ucranianas, mas chamou o bombardeio de rotineiro. Não está claro se os alertas fornecidos pelos EUA permitiram que os ucranianos tomassem medidas para mitigar os danos causados pelos ataques.

Ainda outra anotação discute um relatório divulgado em fevereiro pelo Centro de Comando de Defesa Nacional da Rússia sobre a "diminuição da capacidade de combate" das forças russas no leste da Ucrânia.

Embora os documentos tenham sido compilados pelo Estado-Maior Conjunto do Pentágono, eles contêm inteligência de muitas agências, incluindo a Agência de Segurança Nacional, o Bureau de Inteligência e Pesquisa do Departamento de Estado e a CIA. Parte do material é rotulado como tendo sido coletado sob a Lei de Vigilância de Inteligência Estrangeira, ou FISA, observando que sua distribuição posterior não é permitida sem a permissão do secretário de Justiça.

Uma seção dos documentos é categorizada como proveniente de uma atualização diária de inteligência da CIA. O material dessa seção revela não apenas quem a CIA está espionando, mas alguns detalhes de seu método. Um relatório de inteligência, por exemplo, demonstra que a CIA está usando comunicações interceptadas para espionar discussões dentro do Ministério da Defesa da Rússia.

utra avaliação da CIA com base em interceptações relatou que, do início a meados de fevereiro, altos líderes do Mossad, a agência de espionagem estrangeira de Israel, defenderam que seus funcionários e os cidadãos israelenses protestassem contra as reformas judiciais propostas pelo novo governo do país. Altos funcionários da defesa negaram as conclusões da avaliação, e o New York Times não conseguiu verificá-las de forma independente.

As mudanças pretendidas geraram grandes protestos e levaram o premiê Binyamin Netanyahu a adiar a proposta.

A primeira parcela de documentos parece ter sido publicada no início de março no Discord, plataforma de bate-papo de rede social popular entre jogadores de videogame, segundo Aric Toler, analista do site investigativo holandês Bellingcat.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves 

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.