Paraguai vai às urnas em eleição que pode tirar sigla no poder há quase 70 anos

Acusações de corrupção e estagnação econômica abalam partido Colorado e dão chance à oposição

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Assunção

"Ninguém tem ideia do que vai acontecer", diz o representante de vendas paraguaio Jorge Duarte, 47, que voltou ao país natal para votar depois de passar as férias na Argentina. "Um candidato estava indo bem, mas aí vieram denúncias de corrupção e agora já não se sabe mais nada", afirma.

Ele e seus conterrâneos vão às urnas neste domingo (30) em um clima de profunda indefinição. Sua escolha é entre manter o mesmo partido que está no poder há quase 70 anos ou optar pela mudança votando em uma grande coalizão de oposição que uniu esquerda, centro-esquerda e centro-direita.

À esquerda, Santiago Peña, candidato à Presidência pelo partido Colorado, acena a seus apoiadores em comício em Assunção; à direita, Efraín Alegre, candidato da coalizão de oposição Concertación Nacional, em comício em Capiatá - Luis Robayo - 27.abr.23/AFP; Cesar Olmedo - 27.abr.23/Reuters

O grupo Colorado detém a máquina estatal do Paraguai e normalmente é o favorito. Neste ano, porém, acusações de corrupção e estagnação econômica ameaçam a hegemonia da legenda. Parte das pesquisas mostram uma disputa acirrada, inclusive com empate técnico.

Do lado governista está o economista conservador Santiago Peña, 44, que não tem muita experiência na área, mas cuja sigla comanda o país desde a ditadura de Alfredo Stroessner (1954-1989). A exceção foi a gestão do ex-bispo de esquerda Fernando Lugo, de 2008 a 2012, que sofreu um impeachment.

Na oposição está o advogado liberal Efraín Alegre, 60, figura já antiga na política paraguaia. Ele foi deputado, senador, ministro e presidente do partido Liberal Radical Autêntico, porém perdeu as duas últimas corridas presidenciais para os colorados.

No início da semana, um terceiro candidato também cresceu no levantamento da empresa brasileira AtlasIntel, vista como a mais independente em um país onde sondagens provocam desconfiança. Mas o extremista Paraguayo Cubas, que é comparado a Jair Bolsonaro (PL) e já chegou a defender a morte de "ao menos 100 mil brasileiros", segue longe dos dois principais rivais e não tem aparato político.

Um elemento torna o embate ainda mais dramático: as eleições paraguaias ocorrem em turno único, ou seja, o postulante que conseguir apenas um voto a mais que os outros neste domingo ocupará a cadeira presidencial pelos próximos cinco anos, a partir de 15 de agosto.

Durante a campanha, Alegre explorou principalmente as acusações de corrupção contra o padrinho político de Peña, o ex-presidente Horacio Cartes (2013-2018), usando o bordão "pátria ou máfia". Cartes, o homem mais poderoso do país, dono de bancos e empresas de cigarros, foi classificado de "significativamente corrupto" pelos Estados Unidos em janeiro.

O tema é a maior preocupação dos eleitores do país, somado a questões sociais agravadas pela pandemia. A nação agropecuária de 7 milhões de habitantes viu índices que vinham melhorando estagnarem no último ano. A renda média voltou a patamares de uma década atrás, a pobreza extrema subiu e a violência voltou a crescer.

"Ainda há muita desigualdade no acesso a serviços básicos, junto a uma informalidade altíssima", diz o sociólogo e economista Fernando Masi, diretor do Cadep (Centro de Análise e Difusão da Economia Paraguaia). "As pessoas estão vivendo isso todos os dias, então as propostas eleitorais foram nesse sentido."

Alegre, por exemplo, prometeu baixar as tarifas da energia elétrica, enquanto Peña disse que criará mais empregos. O índice de trabalhadores informais —de 64% da população ocupada, ante 40% no Brasil— será, aliás, um dos principais desafios do próximo presidente.

Outra tarefa imediata será renegociar parte do acordo da hidrelétrica de Itaipu com o Brasil, que completou 50 anos. Também está em jogo o reconhecimento da ilha de Taiwan pelo país, que Alegre disse à Folha querer rever com o objetivo de intensificar as relações comerciais com a China.

O gigante asiático não mantém laços diplomáticos oficiais com aqueles que defendem a autonomia da ilha, vista pelo continente como uma província rebelde e parte inalienável de seu território.

Pela primeira vez em eleições gerais, o Paraguai usará de forma generalizada máquinas de votação, em vez de listas manuais. As urnas, que já foram empregadas nas primárias e em eleições municipais, não são eletrônicas, uma vez que não guardam os resultados nem estão ligadas a uma rede.

Elas imprimem, no entanto, um boletim de voto. Isso evita uma prática antiga no Paraguai, chamada de "compra de mesa", que alterava os resultados da lista manual. Ela consistia na divisão ilegal de votos de partidos menores pelos três fiscais que compunham as mesas, normalmente membros de siglas maiores.

A Justiça Eleitoral paraguaia espera eleições tranquilas, mas um membro do tribunal que não quis se identificar pondera que não é possível afirmar isso com certeza. Há um forte clima de polarização, como em outros pleitos, e um receio de que o lado perdedor não aceite o resultado das urnas.

A coalizão de oposição, batizada de Concertación Nacional —acordo nacional, em português—, mobilizou 40 mil pessoas para monitorar todos os locais de votação. "Falhamos no nosso controle em 2018 e não podíamos repetir o erro este ano", declarou o candidato Alegre na sexta (28).

Comissões internacionais da União Europeia (UE) e da Organização dos Estados Americanos (OEA) não encontraram, porém, indícios de fraudes significativas na eleição passada. As equipes estão em Assunção para acompanhar novamente o pleito in loco, assim como uma comissão formada pela sociedade civil.

Outra novidade deste ano serão as multas para quem não cumprir a obrigação de votar, o que pode aumentar o comparecimento da população às urnas, de apenas 61% no pleito passado. A Justiça Eleitoral espera que o número chegue a 70%, também por uma mudança na regra eleitoral.

No Legislativo, além de votar numa lista do partido, o eleitor agora vai poder escolher um nome de preferência. Isso impulsionou cada candidato a fazer sua própria campanha e a financiar transportes para os eleitores, prática que é permitida no país.

Além do novo presidente, os 4,8 milhões de paraguaios habilitados a ir às urnas também vão eleger neste domingo 45 senadores e 80 deputados titulares (mais os suplentes), 17 governadores e 257 deputados estaduais.

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