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Gideon Rachman

China pode ser crucial para fim da Guerra da Ucrânia e começa a gostar da ideia de pacificação

Conflito prolongado no Leste Europeu está se tornando um peso estratégico para Pequim

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Gideon Rachman

Colunista-chefe de relações exteriores do jornal nipo-britânico Financial Times

Financial Times

O impasse na Guerra da Ucrânia será rompido em Bakhmut ou em Pequim? No momento, todos os olhos estão voltados para a esperada contraofensiva ucraniana, que deve começar em breve. Mas também há fatos significativos na frente diplomática.

Na semana passada, Xi Jinping ligou para Volodimir Zelenski. Em uma recente visita a Kiev, fiquei surpreso com a grande expectativa –tanto no gabinete do presidente quanto no Ministério das Relações Exteriores– sobre essa conversa com o líder chinês. Agora a ligação de Xi-Zelenski finalmente aconteceu e, segundo o ucraniano, foi "longa e significativa". Pequim anunciou mais tarde que nomearia um enviado para trabalhar no sentido de um acordo de paz.

Putin cumprimenta Xi Jinping durante visita do líder chinês ao Kremlin, em Moscou
Putin cumprimenta Xi Jinping durante visita do líder chinês ao Kremlin, em Moscou - Serguei Karpukhin/Sputnik/AFP

Há razões óbvias para se desconfiar dos esforços diplomáticos da China. Xi enfatizou repetidamente sua consideração por seu "querido amigo" Vladimir Putin. O plano de paz da China para a Ucrânia, divulgado no início deste ano, era vago e não exigia a retirada das tropas russas. Há claros benefícios de propaganda para Pequim em se proclamar interessada pela "paz", embora não faça muito a respeito. Mesmo que a China esteja falando sério, será extremamente difícil superar o abismo entre Kiev e Moscou.

No entanto, é errado descartar a ideia de que a China poderia desempenhar um grande papel no fim desse conflito brutal. Por diferentes razões, Ucrânia, Rússia, Estados Unidos, Europa e a própria China têm um potencial interesse no envolvimento de Pequim.

Os ucranianos entendem que Xi tem uma influência única sobre Putin, caso ele decida usá-la. Diante das sanções ocidentais, a Rússia depende da China para manter sua economia à tona.

O governo Biden avalia que há muito pouca probabilidade de a China exercer uma pressão significativa sobre a Rússia, e algumas autoridades graduadas ainda temem que Pequim vá na direção oposta e forneça armas à Rússia. Mas os ucranianos estão mais esperançosos. Eles pensaram ter visto sinais reais de tensão entre Putin e Xi durante a recente visita do presidente chinês a Moscou –e até afirmaram para mim que Xi abreviou sua visita.

Por que Xi estaria perdendo a paciência com Putin? Não há dúvida de que os líderes russo e chinês estão unidos na hostilidade ao poder dos Estados Unidos. Uma rápida vitória russa na Ucrânia poderia ter sido útil para a China. Mas uma guerra prolongada está se tornando um peso estratégico para Pequim. Em vez de enfraquecer o sistema de aliança liderado por Washington, a guerra aproximou as democracias dos EUA, da Europa e da Ásia.

A China passou décadas tentando ampliar sua influência na Europa. Mas sua autoproclamada parceria "ilimitada" com a Rússia convenceu muitos europeus de que Pequim hoje também é uma ameaça. Americanos e europeus estão usando a mesma linguagem sobre "remover o risco" de seu relacionamento com a China reduzindo as dependências econômicas. Isso é importante para Pequim porque a União Europeia é o maior mercado de exportação da China. Os laços militares entre o Japão, a Europa e os EUA também estão se fortalecendo.

A melhor maneira de Pequim reconstruir sua reputação na Europa seria desempenhar um papel visível e positivo no fim da guerra. Esse tipo de movimento também teria um impacto global –apoiando a narrativa preferida de Xi de que o poderio americano está recuando e que a China é uma força de paz.

Certamente há evidências de que Pequim começa a gostar do negócio de pacificação. A China está aproveitando a publicidade positiva obtida por seu papel na normalização das relações entre o Irã e a Arábia Saudita. Os chineses presidiram recentemente uma conferência em Samarcanda sobre a paz no Afeganistão. Pequim chegou a falar em mediar o processo de paz entre israelenses e palestinos. (Quando mencionei isso em Washington, a notícia foi recebida com um sorriso e um "boa sorte com essa".)

Dada a crescente rivalidade entre Washington e Pequim, poderíamos esperar que os EUA tivessem uma visão negativa do envolvimento da China na Ucrânia. Mas, após algum debate interno, o governo Biden decidiu não descartar a iniciativa de paz chinesa de imediato, mas sim tentar moldá-la.

Os americanos entendem os perigos de parecerem "antipaz". Mas não é só isso. Os EUA também estão cada vez mais interessados em encontrar uma maneira de acabar com a Guerra da Ucrânia. Washington sabe que quanto mais tempo o conflito durar mais difícil será manter um consenso ocidental sobre despejar bilhões em ajuda militar e econômica na Ucrânia.

A visão dominante em Washington e em muitas capitais europeias é que os ucranianos devem receber o máximo de apoio possível, antes de sua contraofensiva. O objetivo ucraniano é obter uma vitória tão decisiva que a era Putin termine. Mas é uma meta muito difícil. Um resultado mais provável é que a Ucrânia fortaleça sua posição no campo de batalha, antes das negociações de paz.

Tem havido muita discussão sobre se a aliança ocidental algum dia pressionaria a Ucrânia a negociar. Menos discutido, mas provavelmente mais importante, é quem poderia forçar a Rússia a fazer concessões significativas –incluindo retirar-se do território ocupado e abandonar o esforço para destruir a Ucrânia.

A única resposta plausível para essa pergunta é a China. Somente Xi pode oferecer um caloroso aperto de mão a Putin em público e um braço torcido em particular. Em algum momento, o líder chinês poderá decidir que é do interesse de seu país fazer exatamente isso.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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