Ministra da Alemanha ganha popularidade ao falar de tanques, vodca e feminismo

Ativista pela igualdade de gênero, Annalena Baerbock se destaca à frente da diplomacia de Berlim

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Laura Pitel
Financial Times

Uma visita à Arábia Saudita não é tarefa fácil para Annalena Baerbock, ministra das Relações Exteriores da Alemanha e defensora do feminismo e dos direitos humanos. A revista alemã Der Spiegel comparou a viagem a um "vampiro visitando uma loja de alho".

No entanto, desde que assumiu o cargo, em dezembro de 2021, a ex-líder do Partido Verde desafiou a reputação de dogmatismo de seu partido, agindo como uma arquipragmática pronta para equilibrar princípios com realpolitik.

A ministra das Relações Exteriores da Alemanha, Annalena Baerbock, em entrevista no Qatar
A ministra das Relações Exteriores da Alemanha, Annalena Baerbock, em entrevista no Qatar - Karim Jaafar - 17.mai.23/AFP

Durante entrevista com seu homólogo saudita na semana passada, Baerbock elogiou os esforços de Riad para encontrar soluções para as crises no Iêmen e no Sudão. Também saudou o "incrível potencial" do país para a parceria em energia renovável.

Mas alertou que "muitas coisas ainda separam" Riad de Berlim no campo dos direitos humanos –e entregou ao ministro uma cópia de seu manual de 80 páginas sobre política externa feminista.

Baerbock insiste que sempre foi uma pragmática; ela trabalhou para chegar a um meio-termo com os sindicatos de carvão em Brandemburgo quando o governo estava definindo metas para eliminar gradualmente o combustível fóssil. "Os conservadores tentam dizer que os Verdes são sempre ideológicos", disse ela ao Financial Times em seu voo de volta a Berlim. "Nós temos valores, sim. E depois há o mundo como ele é. Então você tem que encontrar soluções e compromissos."

Os últimos anos foram uma montanha-russa para a mulher de 42 anos, cujo futuro político foi praticamente anulado após uma contundente campanha em 2021. Como a primeira candidata Verde ao cargo de primeira-ministra, ela enfrentou acusações de plágio e exageros no currículo, o que levou o partido a despencar do topo nas pesquisas quatro meses antes da votação para o terceiro lugar no dia da eleição.

Embora tenha sido o melhor resultado dos Verdes, permitindo-lhes entrar no governo federal em uma coalizão de três vias, quando ela assumiu o cargo de ministra das Relações Exteriores sua reputação estava em frangalhos.

Baerbock fez um retorno extraordinário, tornando-se uma das políticas mais populares da Alemanha após a invasão da Ucrânia por Vladimir Putin no ano passado. Na oposição, como líder do Partido Verde, foi uma forte oponente do envio de armas para zonas de guerra. Mas após o ataque russo deu uma volta de 180 graus, argumentando que "o terrível horror que vemos todos os dias" justificou a decisão.

Sua posição forte e constante conquistou a admiração até mesmo de rivais políticos. "Sobre a Ucrânia, a guerra e o ataque russo, ela é totalmente clara", diz Marie-Agnes Strack-Zimmermann, militante do Partido Democrata Livre (FDP) que integra o comitê de Defesa do Parlamento. "Estou feliz com isso."

Comparações são inevitavelmente traçadas com o premiê social-democrata (SPD), Olaf Scholz, que prometeu uma "mudança radical" na abordagem da Alemanha sobre defesa e segurança, mas passou o primeiro ano do conflito frustrando aliados por sua hesitação em enviar tanques e outras armas pesadas.

Baerbock, conhecida pela franqueza, às vezes faz pouco para esconder suas diferenças em relação ao atual premiê. Depois que Scholz concordou, em janeiro, em fornecer tanques Leopard-2 alemães a Kiev após meses de deliberações, ela brincou que havia pensado em usar roupas com estampas de animais —mas depois disse que o governo poderia não autorizar suas viagens "durante semanas".

A dupla teve atritos sobre a China, com Baerbock adotando uma linha mais dura e, em certa ocasião, instruindo publicamente Scholz sobre como abordar uma reunião com o líder Xi Jinping.

As diferenças entre eles às vezes confundem os parceiros internacionais da Alemanha, que questionam se Baerbock é pouco mais que uma lobista sem poder real.

Seus partidários insistem que, no sistema altamente descentralizado de governo de coalizão da Alemanha, isso é normal. Dizem que sua franqueza sobre a Ucrânia, em particular, moldou tanto a posição do governo quanto o debate público em um país que –sobrecarregado por sua história na Segunda Guerra Mundial– ainda abriga profundas reservas sobre entrar em conflito com a Rússia.

O relacionamento de Baerbock com Scholz melhorou nos últimos meses, segundo uma pessoa familiarizada com o assunto, que insistiu que o premiê a considera um trunfo para o governo. Mas ela causou aborrecimento entre figuras do SPD, que estremecem com o que consideram suas gafes habituais.

Em janeiro, ela disse que os países ocidentais estavam "travando uma guerra contra a Rússia, não uns contra os outros", contradizendo as cuidadosas tentativas ocidentais de não apresentar a Otan, a aliança militar liderada pelos EUA, como uma parte em guerra.

Os críticos se irritam com sua obsessão por "política externa baseada em valores", com um membro do SPD no Parlamento descrevendo-a como "muito carregada moralmente".

Baerbock também irrita alguns colegas estrangeiros. Quando foi a Pequim, no mês passado, e expressou preocupação pela pressão sobre a sociedade civil, o ministro das Relações Exteriores chinês, Qin Gang, disse à imprensa: "O que a China menos precisa é de uma professora ocidental".

A ministra alemã rebate as acusações. "Não se trata de dizer: somos perfeitos", disse. Na semana passada, ao lado do ministro das Relações Exteriores do Qatar que encontrou depois de visitar a Arábia Saudita, ela apontou a disparidade salarial entre homens e mulheres na Alemanha, de cerca de 20%.

Guntram Wolff, diretor do Conselho Alemão de Relações Exteriores, disse que o júri ainda não decidiu sobre a comunicação de Baerbock com parceiros internacionais complicados. "Há sempre esse grande debate: ela está indo longe demais? É correto estar em Pequim e dizer as coisas tão alto e claramente, em vez de ser diplomática?", perguntou. "É honestamente impossível responder qual modo funciona melhor. Mas com certeza ela mudou muito o estilo. Está muito menos diplomático, muito mais direto."

Seu tom atraiu comparações com colegiais –muitas vezes de homens. "Ela é um pouco sabe-tudo", disse um parlamentar de seu próprio partido, embora tenha elogiado sua dureza e "bússola de valores claros".

A irritação causada pela primeira mulher ministra das Relações Exteriores da Alemanha pode resultar em parte do fato de que, ao contrário de figuras como a ex-primeira-ministra Angela Merkel, ela colocou o gênero no centro de sua identidade política.

Mãe, cujo marido largou o emprego para cuidar das filhas em idade escolar, ela provocou irritação neste ano ao publicar um manifesto sobre política externa feminista. Grande parte do conteúdo, como a importância de incluir as mulheres nas negociações de paz, é aceita nos círculos humanitários. Mas o "branding" se mostrou divisivo.

Ela também sente prazer em provocar homens poderosos. Quando o ministro das Relações Exteriores da Rússia, Serguei Lavrov, tentou convencê-la a beber vodca com ele ao meio-dia durante uma reunião pouco antes da invasão da Ucrânia, ela ridicularizou a ideia de que beber durante o dia poderia ser um teste de dureza para alguém que teve filhos.

A abordagem linha-dura de Baerbock em relação à Rússia conquistou fãs entre os aliados da Alemanha. Seu outro público-alvo é o alemão –e uma base do Partido Verde que já está pensando nas próximas eleições, em 2025, amplamente vistas como "a vez" de Robert Habeck, o ministro da Economia, disputar o cargo de primeiro-ministro.

Mas Habeck foi abalado por um escândalo de nepotismo em seu ministério e pela fúria de seu plano de proibir novos aquecimentos a óleo e gás. O Partido Verde foi punido nas eleições de Bremen neste mês, sofrendo seu pior resultado no estado em 20 anos. Uma pesquisa nacional recente colocou-o abaixo da Alternativa para a Alemanha (AfD), de extrema direita.

Alguns duvidam que os Verdes tenham apoio suficiente para justificar a apresentação de um candidato a primeiro-ministro nas próximas eleições. Mas, se o fizerem, Baerbock continua na vanguarda. "Ela ainda é a figura mais popular entre os líderes Verdes", diz Peter Matuschek, chefe de pesquisa política e social do instituto de pesquisas alemão Forsa. Ainda assim, alertou: "Uma coisa é ser uma ministra das Relações Exteriores popular, e outra é se as pessoas confiam em você como primeiro-ministro".

Baerbock esconde suas cartas quando se trata de suas ambições para o cargo máximo. Mas não pretende repetir o que vê como erro passado de fazer concessões para atrair o público. "Se você não é você mesma, no final das contas as pessoas não confiam em você", disse.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves 

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