Descrição de chapéu Financial Times Guerra da Ucrânia Rússia

Quem é o 'Kissinger francês' por trás do plano africano em busca de paz na Ucrânia

Empresário Jean-Yves Ollivier está ao lado de sexteto de líderes do continente que vai dialogar com Kiev e Moscou

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Joseph Cotterill David Pilling
Financial Times

O negociador francês que está mediando uma missão diplomática africana improvável para ajudar a pôr fim à Guerra na Ucrânia é um veterano corretor de commodities que possui residências em vários países e amigos no mesmo número de palácios presidenciais.

Jean-Yves Ollivier, intermediário fumante de charutos que vem fechando acordos e negócios no continente há seis décadas, já se disse responsável no passado por usar seus contatos no mundo da política e dos negócios para mediar trocas de prisioneiros, retiradas de tropas e tréguas em alguns dos conflitos mais espinhosos da África.

Empresário francês Jean Yves Ollivier - Creative Commons

Seu histórico como negociador no Congo, rico em petróleo, e seus vínculos com o presidente desse país, que remetem a quase meio século, fazem dele uma figura controversa. Outras tarefas que ele já desempenhou em sua longa carreira incluem assessorar o grupo de energia nuclear russo Rosatom.

Agora com 78 anos de idade, Ollivier está de olho em um acordo que seria o mais importante que já mediou até hoje: iniciar um diálogo entre Vladimir Putin e Volodimir Zelenski.

Falando ao Financial Times esta semana da fronteira entre Polônia e Ucrânia antes de embarcar num trem noturno para Kiev, Ollivier disse que todas as negociações começam em algum lugar e que ele escolheu trocas de grãos, fertilizante e prisioneiros como a base para abrir discussões entre Moscou e Kiev.

"Farei o papel de [Henry] Kissinger", disse, aludindo ao ex-secretário de Estado dos EUA famoso por suas manobras diplomáticas. "O mais importante em qualquer negociação é reunir as pessoas e falar sobre alguma coisa", seguiu Ollivier, que tem residências em vários países da Europa e África.

Putin e Zelenski concordaram em encontrar a delegação de líderes do Egito, Senegal, Congo, África do Sul, Zâmbia e Uganda que pretendem viajar a Moscou e Kiev em junho, e Ollivier disse que o grupo tem todo direito de mediar no conflito, em vista das consequências enormes da guerra para sua região.

"O único continente que está sofrendo realmente é a África. Não creio que os EUA estejam sofrendo, não creio que a Europa esteja sofrendo, exceto por um pouco de inflação", disse Ollivier, cidadão francês nascido na Argélia. "Mas na África, se não houver colheita no ano que vem porque não há fertilizante, milhões de pessoas vão morrer."

O contingente africano vai viajar sob os auspícios da Fundação Brazzaville, fundada por Ollivier. Mas o ex-presidente nigeriano Olusegun Obasanjo, que integra seu conselho de assessoria, manifestou ceticismo em relação à iniciativa, especialmente porque ela não conta com o apoio da União Africana.

Obasanjo, ele próprio um negociador veterano, também receia que a missão tenha sido prematura, baseado em discussões com o Departamento de Estado dos EUA e o Ministério do Exterior britânico. "Eles deixaram claro que agora não é o momento certo", explicou.

Ollivier, cuja carreira começou na década de 1960 como negociante de grãos, é conhecido por ser um intermediário estreitamente ligado ao presidente do Congo, Denis Sassou-Nguesso, um dos envolvidos na iniciativa de paz. Olliver já mediou vários acordos em nome da estatal petrolífera congolesa e em 2010 ajudou uma joint venture apoiada pelo Och-Ziff, hedge fund americano que passou a ser chamado Sculptor Capital Management, a adquirir uma participação num campo de gás offshore congolês operado pela Eni.

Em 2019 a empresa vendeu sua participação de 25% para a russa Lukoil. Em 2016 a Och-Ziff pagou mais de US$ 400 milhões para resolver alegações feitas pelos EUA de pagamento de propinas em vários países africanos, incluindo uma acusação da Comissão de Valores Mobiliários americana (SEC) de que a firma havia "omitido fatos relevantes" ligados ao acordo no Congo.

Ollivier disse que "nunca apoiou nem esteve em contato direto ou indireto com a Och-Ziff" e "nunca foi interrogado pelos EUA, a SEC ou qualquer outro organismo oficial".

Suas ligações com Putin se devem a seu trabalho para a Rosatom. "Eu estava tentando promover a ideia de que China e Rússia poderiam trabalhar juntas para exportar usinas nucleares civis, e os dois países me escolheram como intermediário", disse Ollivier.

Ele negou qualquer envolvimento no acordo polêmico da Rosatom com a África do Sul fechado pelo então presidente Jacob Zuma e que foi rejeitado mais tarde pelo tribunal constitucional sul-africano.

Ollivier disse que a iniciativa de paz de sua fundação nasceu depois de "conversas que tive com alguns de meus amigos líderes africanos", acrescentando que não ouviu objeções da parte de capitais ocidentais.

O presidente sul-africano Cyril Ramaphosa, integrante do sexteto, ocupa posição ideal para dialogar tanto com Putin quanto com Zelenski, disse Ollivier. Ramaphosa telefonou aos dois líderes este mês quando estava combatendo as consequências negativas de uma acusação feita pelos EUA de que seu país teria fornecido armas à Rússia.

Alex Vines, diretor de programas para a África no think tank Chatham House, disse que "cada líder africano tem uma agenda" para participar no diálogo proposto. O presidente zambiano, Hakainde Hichilema, está ansioso para afastar percepções de que seria demasiado pró-ocidental, Cyril Ramaphosa estaria interessado em reconstruir sua credibilidade após a acusação americana, e Sassou-Nguesse quer superar o status de pária que adquiriu ao longo de seus muitos anos no poder.

Todos querem urgentemente frear a inflação dos preços dos alimentos e prevenir a carestia em seu continente. Ollivier disse que o acordo mediado pela Turquia que permitiu à Ucrânia vender seus grãos pelo Mar Negro é "muito frágil", apesar de ter sido prorrogado por mais dois meses.

Qualquer esforço para liberar as exportações de fertilizantes russos que a África necessita teria que ser conciliado com o corte do acesso da Rússia ao sistema global Swift para pagamentos bancários. Embora não haja sanções ocidentais voltadas diretamente às exportações russas de alimentos ou fertilizantes, Moscou atribui a paralisação de seus produtos às restrições ao financiamento e ao transporte marítimo.

"O Swift não será estabelecido para tudo na Rússia –não estamos pedindo isso", disse Ollivier, mas "é preciso que seja aberto acesso por canais bancários específicos para a exportação de fertilizantes".

Perguntado se sua iniciativa corre o risco de ser utilizada por qualquer um dos lados para suas finalidades próprias, diz que em qualquer negociação é normal que as partes vejam oportunidades para promover seus interesses. E que os líderes africanos "são altamente experientes, e não creio que ninguém queira favorecer um ou o outro".

Quanto à seriedade possível de qualquer esforço de paz, dado os fatos em curso no campo de batalha, com a Ucrânia preparando uma contraofensiva e a Rússia fortificando suas linhas de frente, Ollivier mostrou otimismo cauteloso. "O fato de eles terem aceitado conversar já é um avanço por si só."

Tradução de Clara Allain

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