Descrição de chapéu Guerra da Ucrânia Rússia

Aprovação de líder mercenário despenca após motim na Rússia

Prigojin vê índice cair de 58% para 29%; Kremlin não fala sobre prisão de general aliado

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São Paulo

A primeira pesquisa de opinião independente feita após o motim na Rússia mostra que o movimento derrubou a popularidade do líder da ação, Ievguêni Prigojin, ex-aliado do presidente Vladimir Putin.

O Centro Levada, autor da sondagem, teve sorte. O instituto havia programado uma pesquisa com 1.634 entrevistas, de 22 a 28 de junho, para avaliar a aprovação de quatro figuras do regime de Putin: Serguei Choigu (Defesa), Serguei Lavrov (Relações Exteriores), o líder tchetcheno Ramzan Kadirov e Prigojin.

Putin desenha um rosto numa tela sensível ao toque durante visita na feira Ideias Fortes para um Novo Tempo, em Moscou
Putin desenha um rosto numa tela sensível ao toque durante visita na feira Ideias Fortes para um Novo Tempo, em Moscou - Gavriil Grigorov/AFP

A rebelião do Grupo Wagner, que lutou na Guerra da Ucrânia e opera em países como Síria e Líbia, começou no dia 23. Ele divulgou áudios criticando a condução do conflito e no fim da noite avançou para tomar controle de Rostov-do-Don. No dia seguinte, uma coluna armada com tanques e blindados rumou a Moscou, mas um acordo que exilou Prigojin na Belarus e desmantelou o Wagner encerrou a crise.

Foi possível, então, acompanhar a curva da simpatia popular ao mercenário. Nos dias 22 e 23, ele registrava aprovação de 58% dos russos, com apenas 16% de desaprovação —os restantes disseram que não sabiam responder ou que consideravam difícil avaliar. No dia 24, o índice de aprovação caiu a 31% e, na média de 25 a 28, para 29%. Na média geral, ainda contaminada pela popularidade anterior ao motim, Prigojin teve suas ações aprovadas por 34%, ante 39% de reprovação, mas o que interessa aqui é a curva.

Choigu, seu maior rival, não tem índices muito brilhantes: 51% aprovam seu trabalho, enquanto Kadirov tem 71%, e Lavrov, decano da diplomacia mundial, no cargo desde 2004, 76%.

Na pesquisa mensal do Levada, Putin tem confortáveis 81% de aprovação. Já o apoio à guerra é visto em dois terços dos ouvidos. O instituto é isento: sofre pressão do Kremlin e foi tachado de agente estrangeiro, por receber financiamento externo. Sua margem de erro é de dois pontos, para mais ou menos.

O Levada já havia perguntado no início do ano se os russos votariam em Prigojin no pleito presidencial de 2024, com 19% admitindo o apoio. O índice caiu, mesmo com a média prejudicada, para 10%. Os ouvidos também aprovam o uso de mercenários na Ucrânia: 57% dizem ser aceitável, mantendo o padrão anterior.

Nesta quinta (29), a Duma, o Parlamento russo, informou que as atividades do Wagner na Ucrânia estão proibidas, algo previsível. Putin perdoou os amotinados e deu a eles a opção de irem para a Belarus ou de assinar contratos com Defesa —a iniciativa de Choigu que levou à crise, após meses de tensão.

Na prática, o Wagner está sendo partido. As armas pesadas usadas pelo grupo na tomada de Bakhmut, no leste ucraniano, por exemplo, agora serão devolvidas ao Exército. O presidente russo prometeu investigar o destino dos quase R$ 10 bilhões que Moscou deu ao grupo, na forma de ajuda militar e contratos de alimentação que deram ao mercenário o apelido de "chef de Putin".

Kremlin silencia sobre general preso

Em Moscou, tensão e mistério rondam as notícias sobre um eventual expurgo de aliados de Prigojin. O fato mais vistoso foi a detenção do general Serguei Surovikin, que comandou as tropas na Ucrânia e é o chefe das Forças Aeroespaciais da Rússia.

A prisão foi confirmada a diversos órgãos de imprensa, inclusive à Folha, por pessoas ligadas ao aparato de segurança e ao governo. O porta-voz do Kremlin, Dmitri Peskov, disse nesta quinta que não poderia comentar o caso e que a Defesa era responsável pelo assunto —o ministério não se pronunciou.

Já a filha de Surovikin falou com um site local e disse que "estava tudo bem" com o pai, negando que ele estivesse preso, mas sem confirmar a detenção para interrogatório. Segundo um relato à Folha, a única certeza é que ele foi levado pelo FSB (Serviço Federal de Segurança) para explicar seu elo com Prigojin.

O caso tem peças desencaixadas. O general e o mercenário eram próximos, mas as únicas forças que agiram contra a coluna armada de Prigojin eram da Força Aérea —morreram ao menos oito militares no abate de um avião de comando e controle Il-22, e um mínimo de cinco helicópteros foram derrubados.

No ápice da crise, na manhã do sábado, Surovikin teve um vídeo divulgado no qual parecia desconfortável, mas pedia aos 25 mil homens que Prigojin diz comandar para baixar armas. Das duas, uma: ou ele de fato buscou enquadrar o mercenário ou foi forçado a fazê-lo.

Surovikin e Choigu também não se bicavam, mas as diferenças acerca da condução da invasão iniciada em 2022 do país vizinho eram vistas como naturais e resolvidas com o beneplácito de Putin, que costuma usar tais rusgas de sua corte como uma forma de asseverar o poder. Isso leva à hipótese de que Choigu, não Putin, pode ter iniciado um processo para enquadrar Surovikin. É o que sugere o cientista político moscovita Konstantin Frolov. Ele discorda da tese da analista Tatiana Stanovaia, do canal R.Politik: para ela, Putin não vai querer chacoalhar as elites que o apoiam com uma ameaça de expurgo.

Também causa estranhamento o sumiço do número 2 de Choigu, Valeri Gerasimov, comandante da invasão. Ele é um aliado do ministro, mas não é visto desde a semana passada. Choigu, por sua vez, apareceu ao lado de Putin na terça (27). O presidente segue em campanha para demonstrar normalidade. Após se encontrar com apoiadores no Daguestão, no sul, na quarta (28), nesta quinta se fez filmar desenhando um prosaico rosto numa tela sensível ao toque num fórum de inovação em Moscou.

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