Descrição de chapéu Partido Republicano

Trump responderá a 37 acusações no caso dos documentos secretos; entenda

Processo na esfera federal pode condená-lo por violação de lei de espionagem, mas não o tira da corrida à Presidência

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Washington

Pela segunda vez em pouco mais de dois meses, o ex-presidente dos EUA Donald Trump foi indiciado criminalmente, agora por ter mantido consigo documentos secretos do governo depois de deixar a Casa Branca. A acusação, que será formalizada na próxima terça (13), resultará em um processo que pode ocorrer enquanto o republicano disputa a próxima eleição presidencial.

A denúncia tem 37 acusações —31 delas por "retenção intencional de informação de defesa nacional", crime previsto pela lei de espionagem com pena máxima de 10 anos. Há ainda conspiração para obstrução de Justiça, com pena máxima de 20 anos; retenção de documentos ou registros, pena de 20 anos; ocultação corrupta de documento ou registro, 20 anos; ocultação de documento em investigação federal, 20 anos; esquema para ocultação 5 anos; e falso testemunho, 5 anos.

O ex-presidente dos EUA Donald Trump discursa durante comício em Goodyear, no Arizona
O ex-presidente dos EUA Donald Trump discursa durante comício em Goodyear, no Arizona - Brendan Smialowski - 28.out.20/AFP

"Os documentos confidenciais que Trump armazenou em suas caixas incluíam informações sobre as capacidades de defesa e armamentos tanto dos EUA quanto de países estrangeiros; programas nucleares, vulnerabilidades potenciais dos EUA e seus aliados a ataques militares; e planos para possíveis retaliações em resposta a ataques estrangeiros", diz a denúncia, que veio a público nesta sexta-feira (9) e apontou que havia documentos armazenados em um salão de festas e até em um banheiro de sua casa.

"A divulgação não autorizada desses documentos pode colocar em risco a segurança nacional dos EUA, as relações exteriores, a segurança militar e fontes humanas, bem como a continuidade da viabilidade de métodos sensíveis de coleta de inteligência", diz o documento dos promotores.

A acusação tem uma camada a mais de complexidade: o processo corre na Justiça federal, após investigações do Departamento de Justiça, órgão subordinado ao presidente Joe Biden —principal adversário de Trump na corrida à Casa Branca em 2024. O democrata, porém, afirmou que não falou e nem pretende falar com o secretário de Justiça, Merrick Garland, sobre o caso.

O caso de agora possui acusação mais robusta do que a que colocou Trump no banco dos réus pela primeira vez, em abril, em Nova York, sob a acusação de falsificar registros comerciais ao tentar esconder a compra do silêncio de uma atriz pornô na eleição de 2016.

Entenda as acusações contra Trump e as possíveis consequências.

Quais são as acusações?

Trump foi indiciado devido ao caso dos papéis sigilosos que ele levou para seu resort na Flórida após deixar a Casa Branca, em 2021, mas que deveriam ter ficado nos Arquivos Nacionais em Washington.

Poucas semanas após a posse de Biden, o governo já havia contatado Trump para tratar dos documentos. Em janeiro de 2022, o republicano entregou 15 caixas aos Arquivos Nacionais, com 197 papéis sigilosos, 30 dos quais ultrassecretos. Segundo o FBI, um acesso não autorizado a esse material poderia "resultar em dano à segurança nacional", com documentos apontando "fontes clandestinas" que poderiam descrever operações e técnicas de agentes de inteligência no exterior.

Assim, autoridades pediram uma investigação formal sobre o manuseio dos documentos. Em agosto de 2022, uma operação do FBI em Mar-a-Lago apreendeu cerca de 13 mil documentos que não haviam sido entregues, e cem deles estavam marcados como confidenciais. Trump nega quaisquer irregularidades e afirma ter retirado o sigilo dos documentos ao deixar o governo, mas não há registro disso.

Trump abriu os documentos secretos a pessoas sem credenciais de segurança em pelo menos duas ocasiões. Em julho de 2021, no Trump National Golf Club, em Nova Jersey, o ex-presidente deu entrevista a um escritor, um editor e dois funcionários em que mostrou e detalhou um plano de ataque ao Irã que disse ter sido preparado pela Defesa americana.

Na conversa, ele reconhece que as informações eram confidenciais. "Como presidente, eu poderia ter retirado a classificação, mas agora não posso mais, mas isso ainda é um segredo", diz ele, segundo gravação.

Em outra conversa, que a denúncia diz ter ocorrido em agosto ou setembro de 2021 no mesmo clube, ele mostrou a um apoiador político um mapa confidencial de uma operação militar e disse que não deveria compartilhar aquela informação.

Segundo a denúncia, os documentos estavam guardados de forma descuidada em diferentes locais, de um escritório, um depósito e o quarto do republicano até um salão de festas e um banheiro. Entre janeiro de 2021 e agosto de 2022, quando ocorreu a operação, houve mais de 150 eventos em Mar-a-Lago, incluindo casamentos estreias de filmes e encontros de arrecadação de fundos, com milhares de pessoas que poderiam ter tido acesso aos documentos, segundo os promotores.

A denúncia por violação da lei de espionagem não quer dizer que Trump era um espião, mas essa legislação inclui, na seção 793, a "coleta, transmissão a uma pessoa não autorizada ou perda de informações pertencentes à defesa nacional e a conspirações".

Um de seus assessores, Walt Nauta, veterano da Marinha, também foi indiciado. Ele apareceu em registros de câmeras de segurança movendo caixas com os arquivos secretos em diferentes ocasiões, a mando de Trump, segundo a denúncia federal.

Como essas acusações vieram à tona?

Foi o próprio Trump quem revelou que havia sido acusado, com publicações em sua rede social, a Truth, e em vídeo, que depois foram confirmadas pela imprensa americana —o Departamento de Justiça ainda não se pronunciou oficialmente.

Não foi nem a primeira vez que ele fez isso.

Com grande habilidade para fazer a conversa gravitar em torno de si, Trump também avisou em março que seria indiciado pelo caso de Nova York. Na ocasião, disse que seria preso e convocou protestos. Quando o FBI fez a operação em Mar-a-Lago, foi o próprio Trump quem trouxe o assunto a público. Assim, ele consegue angariar apoio dentro do Partido Republicano ao se colocar como alvo de uma "caça às bruxas" e mobiliza milhões de dólares em doações para sua campanha.

Quais os próximos passos?

O ex-presidente deve se apresentar a um tribunal federal em Miami na tarde de terça (13), quando as acusações serão formalizadas, e se declarar inocente. Um advogado confirmou que Trump vai cumprir o processo. Depois é que começa a correr o processo, mas ainda não há data para isso. No caso de Nova York, a primeira audiência está prevista para março, em meio às primárias republicanas para definir o candidato à Casa Branca.

O caso de agora deve ficar a cargo da juíza Aileen M. Cannon, indicada pelo próprio Trump ao cargo em 2020. Depois do indiciamento, dois advogados deixaram a equipe do ex-presidente, afirmou ele.

Quem é o responsável pela investigação?

A investigação partiu do Departamento de Justiça, mas o rosto mais conhecido acabou sendo o de Jack Smith, 54, procurador nomeado em novembro do ano passado —quando a apuração já estava em curso— para supervisionar os processos envolvendo Donald Trump na esfera federal: além do caso dos documentos secretos, a suposta participação do ex-presidente no ataque ao Capitólio em 6 de janeiro de 2021.

Smith fez carreira no Departamento de Justiça e, até voltar como conselheiro especial em novembro, atuava como procurador-chefe do Tribunal de Haia, investigando crimes de guerra no Kosovo.

Em rápido pronunciamento nesta sexta-feira, ele afirmou que os EUA "têm um conjunto de leis que se aplica a todos". "Nossas leis que protegem as informações de defesa nacional são críticas para a segurança dos EUA e devem ser aplicadas."

Quais as reações até aqui?

Os republicanos condenaram o processo. O presidente da Câmara, Kevin McCarthy, disse ser "um dia sombrio" para o país e que é "inconcebível um presidente indiciar o principal candidato rival", referindo-se ao fato de que a acusação é da esfera federal. A Câmara, disse, vai procurar responsabilizações pelo ato.

O caso também ensejou manifestações de apoio mesmo de seus adversários dentro do partido, como Ron DeSantis, seu principal adversário na corrida pela indicação republicana. O governador da Flórida afirmou que, "durante anos, testemunhamos uma aplicação desigual da lei, dependendo da filiação política". "Por que tão zeloso em perseguir Trump, mas tão passivo em relação a Hillary [Clinton] ou Hunter [Biden, filho do presidente]? O governo DeSantis trará responsabilidade ao Departamento de Justiça, eliminará o viés político e acabará com o uso [da Justiça] como arma de uma vez por todas."

Outros pré-candidatos também se manifestaram, como o empresário Vivek Ramaswamy. "Seria muito mais fácil para mim vencer esta eleição se Trump não estivesse na disputa, mas defendo princípios acima da política. Comprometo-me a perdoar Trump e a restaurar o Estado de Direito em nosso país".

O presidente Joe Biden afirmou apenas que não falou com o secretário de Justiça sobre o caso. "Não falei com ele e não vou falar com ele, não tenho nenhum comentário a fazer sobre isso", afirmou. Hakeem Jeffries, líder dos democratas na Câmara, afirmou que a lei "deve ser aplicada sem medo ou favorecimento, para todos".

O indiciamento impede Trump de disputar novamente a Presidência?

Não. Os EUA não têm uma lei equivalente à Ficha Limpa, que veta no Brasil a candidatura de pessoas que foram condenadas por um órgão colegiado (mais de um juiz), tiveram o mandato cassado ou renunciaram para evitar a cassação. Nos EUA, a Constituição exige apenas que, para se eleger presidente, a pessoa tenha ao menos 35 anos, seja americana nata e esteja no país há pelo menos 14 anos.

A única brecha para tirá-lo da corrida é a 14ª Emenda, que proíbe quem "tiver se envolvido em insurreição ou rebelião" contra o governo de ocupar cargos civis ou militares em governos federal ou estadual.

Trump é alvo de uma investigação sobre sua participação no ataque ao Capitólio, em 6 de janeiro de 2021. O comitê da Câmara que investigou a invasão recomendou a acusação formal dele por insurreição —o órgão não tem poder para indiciar alguém. O Departamento de Justiça, porém, não enquadrou por insurreição nenhum dos acusados até agora, mesmo membros de milícias de extrema direita.

Como fica a situação nas primárias?

O que poderia ser um pesadelo tem se mostrado até benéfico para Trump, que mostrou mais uma vez a habilidade de virar o noticiário negativo a seu favor. Após o primeiro indiciamento, ele angariou mais apoio na legenda, arrecadou US$ 10 milhões em menos de uma semana e disparou como favorito para receber a indicação. Hoje, tem 53,8% das intenções de voto entre os republicanos, segundo o site FiveThirtyEight. Em segundo lugar, DeSantis tem 21,3%.

A que outras investigações Trump responde?

Trump enfrenta outras duas investigações que podem resultar em indiciamento. Uma delas por tentativa de interferência na eleição na Geórgia em 2020, quando perdeu para Biden.

O que pode causar mais dor de cabeça e ser usado para tirá-lo da corrida presidencial é a investigação sobre sua participação no ataque ao Capitólio, como já citado, já que a 14ª Emenda da Constituição americana proíbe que participantes de insurreições ou rebeliões ocupem cargos públicos. Ele enfrentou também um revés recente na esfera civil. Em maio, um tribunal em Nova York o condenou a pagar US$ 5 milhões à escritora E. Jean Carroll por difamação, em ação na qual ela o acusa de abuso sexual.

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