Sucessor de Pelosi renova liderança democrata na Câmara e mantém centro no comando

Se eleito, Hakeem Jeffries será primeiro negro a comandar uma legenda no Legislativo do país

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Washington

Era janeiro de 2020, e os olhos do mundo inteiro estavam virados para a Câmara dos Representantes dos EUA para acompanhar o processo de impeachment do então presidente Donald Trump. Foi quando um deputado subiu na tribuna e fez uma homenagem improvável.

Hakeem Jeffries, democrata eleito por um distrito do Brooklyn, em Nova York, foi ao púlpito e listou as acusações contra o republicano. Terminou dizendo: "Estamos aqui porque o presidente Trump abusou de forma corrupta do seu poder e tentou encobrir isso", afirmou. "E, se você não sabe, agora sabe."

Hakeem Jeffries, deputado democrata por Nova York, conversa com Nancy Pelosi (à esq.) e Val Demings durante processo de impeachment de Donald Trump
Hakeem Jeffries, deputado democrata por Nova York, conversa com Nancy Pelosi (à esq.) e Val Demings durante processo de impeachment de Donald Trump - Leah Millis - 4.fev.20/Reuters

O discurso chamou a atenção não só pela severidade, mas pela escolha da última frase, um dos versos mais famosos de Notorious B.I.G, considerado um dos maiores rappers de todos os tempos, assassinado em 1997 em meio a um conflito entre gangues das costas Leste e Oeste do país.

Jeffries, que ganhou espaço na arena política durante o processo contra Trump, é o candidato a substituir Nancy Pelosi no comando dos democratas da Câmara, em eleição que deve acontecer nesta semana.

A deputada, que ocupa o posto desde 2003, anunciou neste mês, após o partido perder a maioria na Casa nas eleições de meio de mandato, que não buscaria o posto novamente. Trata-se do cargo de mais alto prestígio na divisão partidária —é o que garante, por exemplo, que Pelosi seja hoje presidente da Câmara.

Se eleito na consulta que deve ser realizada nesta quarta (30), Jeffries será o primeiro parlamentar negro a comandar um dos partidos no Legislativo americano e representará uma profunda mudança de geração na envelhecida política americana. Sai Pelosi, 82, e entra o deputado de 52 anos —que já havia homenageado o mesmo rapper em 2017, quando subiu na tribuna com um cartaz de Notorious B.I.G para lembrar os 20 anos de seu assassinato.

A questão vai além de Pelosi. Os números 2 e 3 dos democratas na Câmara também são octogenários, e os cotados para ocupar essas posições na legenda são Katherine Clark, 59, e Pete Aguilar, 43.

Ligado a causas do movimento negro, Jeffries deve ser mais centrista, ao estilo da antecessora, e marcará a continuidade dos chamados "democratas mainstream" no comando. Sua escolha como um dos "gerentes" do primeiro impeachment de Trump, em 2020 —um dos sete parlamentares democratas que atuaram como uma espécie de procuradores no caso—, foi lida como sinal de confiança de Pelosi nele.

Se sua eleição for confirmada, o deputado começará o ano que vem como líder da minoria, uma vez que o comando da Câmara passará a ser do Partido Republicano, que não tem disfarçado as intenções de dar dor de cabeça para a legenda do presidente Joe Biden.

Ao anunciar sua candidatura, Jeffries afirmou, por um lado, que tem "esperança de encontrar pontos em comum com os colegas republicanos". Por outro, disse que, se a legenda rival "continuar a se concentrar na demagogia e na desinformação, sua falência de ideias deve ser exposta agressivamente e de forma contínua" e que a prioridade de sua gestão será retomar, em 2024, a maioria perdida.

Nascido no mesmo Brooklyn de Notorious B.I.G, Jeffries é advogado de formação e tentou entrar para a política algumas vezes antes de ser eleito deputado estadual em Nova York, em 2006. Foi em 2012 que chegou à Câmara federal pela primeira vez. Em 2018, foi eleito líder do caucus (bancada) democrata, um fórum dos deputados do partido. Entre seus projetos e bandeiras estão propostas a favor das populações negras, contra o abuso policial e na defesa da garantia do acesso ao voto a minorias.

Em carta aos colegas, ele clamou por união no partido, já antecipando que deve encarar dissidências expressivas na ala mais à esquerda da legenda —apesar das bandeiras de igualdade racial, Jeffries é mais conservador em outros aspectos, como mostra seu histórico recente na Casa.

Ele não assinou, por exemplo, uma resolução da deputada Alexandra Ocasio-Cortez, estrela dessa ala, demandando a criação do "Green New Deal", pacote de contenção da crise climática com metas de redução das emissões de poluentes. Também já se manifestou a favor de propostas que penalizam empresas e cidadãos que apoiem movimentos de boicotes ao Estado de Israel.

Tudo isso já gerou tensões com parlamentares mais progressistas, e ele nunca se furtou de comentá-las em público. "A ultraesquerda está obcecada em falar besteira dos 'democratas mainstream' no Twitter, enquanto a maioria do eleitorado vota nos 'democratas mainstream' nas urnas", afirmou em 2021.

Também no ano passado, à revista The Atlantic, foi ainda mais duro. "Há uma diferença entre democratas progressistas e a ultraesquerda democrata socialista", disse. "Sou um democrata negro progressista preocupado em lidar com a injustiça racial, social e econômica com urgência feroz. Essa tem sido minha carreira. Nunca haverá um momento em que me ajoelharei aos democratas socialistas da ultraesquerda."

AOC ainda não apoiou a candidatura de Jeffries e, em entrevista ao New York Times, disse que há "coisas a serem curadas". Ainda que represente uma parcela menos expressiva na estrutura partidária, a deputada lidera a ala mais jovem e mais barulhenta, com a qual Jeffries terá que aprender a dialogar se quiser ser bem-sucedido e, quem sabe, tornar-se o primeiro presidente negro da Câmara dos Representantes.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.