EUA não tiveram nada a ver com motim mercenário na Rússia, diz Biden

Chanceler russo havia dito que ação de serviços estrangeiros é investigada, mas ressaltou posição americana

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São Paulo

O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, afirmou nesta segunda (26) que seu país não teve envolvimento no motim do grupo mercenário Wagner contra as Forças Armadas russas na sexta (23) e no sábado (24). Foi seu primeiro comentário público sobre a crise, debelada em acordo mediado pela Belarus.

"Deixamos claros [aos russos] que não estivemos envolvidos, não tivemos nada a ver com isso", disse ele. Os EUA são os principais apoiadores da Ucrânia contra a invasão russa promovida por Vladimir Putin.

Tanque do Grupo Wagner fica entalado no portão de um circo em Rostov-do-Don no sábado (24), auge do motim fracassado dos mercenários
Tanque do Grupo Wagner fica entalado no portão de um circo em Rostov-do-Don no sábado (24), auge do motim fracassado dos mercenários - BBC

A eventual participação de serviços de inteligência estrangeiros na crise, contudo, está sendo investigada pela Rússia. A informação havia sido dada pelo chanceler russo, Serguei Lavrov, à rede estatal RT.

Ele ponderou, entretanto, ter recebido "sinais do embaixador americano" em Moscou negando interferência e qualificando a crise como "assunto interno russo", senha diplomática importante para o Kremlin.

Faltou combinar com Putin que, nesta segunda, no mesmo discurso em que disse que os mercenários do Grupo Wagner poderão escolher entre ir para a Belarus ou se submeter às Forças Armadas, colocou um dos motivos da rebelião na conta do Ocidente.

"Esta é uma ameaça colossal. Estamos sendo ameaçados por forças externas. No entanto, os organizadores desta rebelião traíram as pessoas que foram arrastadas para esta organização. E esse tipo de suicídio é precisamente o que os neonazistas em Kiev e no Ocidente queriam. Eles queriam que os soldados russos matassem uns aos outros", disse o presidente russo.

A ideia de interferência externa em temas domésticos é uma obsessão histórica russa, mas que ganhou roupagem renovada nos anos 2000, quando países da antiga União Soviética passaram a registrar as chamadas "revoluções coloridas" —usualmente vendidas assim, com tons heroicos, pela mídia ocidental.

Em comum, todas visavam a reduzir a influência de Moscou e aproximar os países da esfera ocidental, como ocorreu na Geórgia (2003) e na Ucrânia (2004). Analistas mais sóbrios apontam uma confluência de fatores, como o desejo real por independência, disputas internas e o apoio do Ocidente aos eventos.

Seja como for, o caminho sempre foi acidentado. A Geórgia teve sua entrada na Otan, a aliança militar ocidental, e na União Europeia abortada quando Putin resolveu a questão "manu militari", em 2008. Em 2014, após um vaivém no comando do país, uma revolta violenta derrubou o governo pró-Rússia em Kiev.

Ato contínuo, Putin anexou a península da Crimeia, território historicamente russo que sedia a Frota do Mar Negro, e fomentou a guerra civil nas áreas separatistas pró-russas do Donbass, no leste ucraniano. Ambos os fatos estão na raiz da invasão iniciada no final de fevereiro de 2022.

A ideia do combate às revoluções coloridas é compartilhada pelo principal aliado de Putin, o chinês Xi Jinping. Ambos já pregaram em comunicados conjuntos contra os movimentos, como quando se encontraram no começo deste ano. No caso chinês, o fantasma se apresentou em Hong Kong, nas revoltas de 2019, que levaram à intervenção dura de Pequim contra o território semiautônomo.

No motim do final de semana, até pelo recuo do líder mercenário Ievguêni Prigojin, que procurou agora delimitar sua motivação na insatisfação com a Defesa russa na condução da guerra e o enquadramento proposto pela pasta ao Grupo Wagner, é difícil identificar no momento onde entraria uma ação externa.

Claro, é de todo interesse dos EUA ver Putin enfraquecido. Mas as reações cautelosas no Ocidente também lembram o fato de que Washington e aliados não querem ver um caos instalado na Rússia, dona do maior arsenal nuclear do mundo. Esse é um dilema estratégico, já que o desejo de ver o presidente russo derrubado acaba confrontado com a realidade do dia seguinte.

O próprio Lavrov citou a questão, dizendo que os americanos estavam preocupados com o tema. Ao longo da crise, o ex-presidente Dmitri Medvedev afirmou que "os EUA não querem ver o arsenal nuclear russo na mão de bandidos", um exagero retórico, pois não basta tomar uma base para operar armas atômicas.

Seja como for, o motim não chegou perto, ao que tudo indica, de ameaçar o presidente de forma direta, ainda que evidentemente seja negativo para ele.

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