Descrição de chapéu The New York Times

Material do submarino Titan foi escolhido para reduzir custos de operação

Stockton Rush, presidente da OceanGate, ignorou coro de alertas que apontava para riscos das expedições ao Titanic

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Shawn Hubler Nicholas Bogel-Burroughs Anna Betts
The New York Times

Desde o início, o plano da empresa sempre foi de ampliar limites –aventurar-se onde ninguém havia ido antes, como gostava de dizer Richard Stockton Rush 3º. Um dos sócios, Guillermo Sohnlein, tinha experiência com startups e defendia o ideal de "fazer da humanidade uma espécie multiplanetária".

O outro, Rush, era engenheiro aeroespacial e investidor, dono de uma fortuna familiar. Ambos haviam sonhado no passado em viajar para o espaço. "Éramos astronautas frustrados", recordou Sohnlein. Em 2009, ele e Rush fundaram a OceanGate Expeditions, a companhia cujo submersível, presume-se, implodiu durante uma expedição para ver os destroços do Titanic, matando Rush, 61, e outras quatro pessoas.

Richard Stockton Rush, fundador da OceanGate Expedições, na Times Square, em Nova York - Shannon Stapleton - 12.abr.17/Reuters

O objetivo dos fundadores da OceanGate era tornar viagens às profundezas do mar tão acessíveis a pesquisadores e turistas ricos quanto empreendedores como Elon Musk haviam feito com as viagens ao espaço, segundo Sohnlein. "Internamente, dizíamos que éramos uma SpaceX para o oceano", afirmou ele.

Enquanto as autoridades mapeiam os destroços do submersível no leito do mar, perto do naufrágio do Titanic, a atenção se volta à empresa que promovia a expedição. A tragédia, que chocou o mundo na última semana, não chegou a surpreender exploradores veteranos —muitos dos quais haviam alertado que o design inovador do Titan era uma catástrofe anunciada e precisava ser submetida a testes rigorosos.

"Quando ouvi essa história, fiquei chocado ao saber que Rush havia conseguido clientes para mergulhar", disse Adam Wright, empreendedor de Berkeley, na Califórnia. Ele passou anos no comando de uma empresa de submersíveis e, em dado momento, cogitou formar uma parceria com o dono da OceanGate.

A autoconfiança estava embutida no DNA de Rush. Herdeiro de uma fortuna petrolífera em San Francisco, ele contava com dois dos signatários da Declaração de Independência dos Estados Unidos entre seus antepassados. A sala sinfônica de San Francisco tem o nome de sua avó materna, Louise Davies, que foi uma destacada patronesse das artes na Costa Oeste americana. Por fim, o comandante do Apollo 12, Charles Conrad Jr., conhecido como Pete, era um dos maiores amigos de sua família.

Quando Rush era jovem, perguntou a Conrad como ele também poderia se tornar astronauta. Foi aconselhado a seguir carreira militar e obter um brevê de piloto. Conforme sua biografia na empresa, ele passava suas férias de verão pilotando aviões para a Arábia Saudita enquanto estudava na universidade Princeton, na qual recebeu o diploma de engenharia aeroespacial em 1984.

Sua visão, porém, estava aquém dos padrões exigidos para um piloto de caças, então ele se contentou em ser engenheiro de voos de teste da McDonnell Douglas, no noroeste dos EUA. Em 1986, casou-se com Wendy Weil, piloto e tataraneta do magnata do varejo Isidor Straus, coproprietário da rede de lojas de departamentos Macy’s —ele e sua esposa, Ida, morreram no Titanic em 1912.

Em entrevistas, Rush costumava dizer, brincando, que ganhou dinheiro "à moda antiga": "Nasci com dinheiro e depois o fiz crescer mais". Afável e espirituoso, foi convidado para entrar para o Bohemian Club de San Francisco, entidade de elite da qual seu pai era membro, e fazia stand-up nos célebres encontros secretos do grupo. Ele se orgulhava de nunca contar a mesma piada duas vezes, de acordo com Sohnlein.

O empresário havia investido parte de sua herança em uma série de empreendimentos nos setores de tecnologia e engenharia. No início dos anos 2000, já tinha dinheiro suficiente para pensar em viajar para o espaço em um dos foguetes particulares que estavam sendo desenvolvidos.

Mas em 2004, quando assistiu ao lançamento bem-sucedido do SpaceShipOne, a primeira nave tripulada paga com recursos privados a ser lançada ao espaço, Rush perdeu interesse em ser mero passageiro, como contou à revista Smithsonian. "Não queria ir como turista. Queria ser o capitão Kirk na Enterprise."

Mergulhador habilitado desde os 14 anos, Rush mais tarde diria que sua atenção se voltou do espaço para o fundo do mar depois de um mergulho no estreito de Puget, na costa noroeste dos EUA. A água estava tão gelada que ele começou a estudar a possibilidade de conseguir um minissubmarino para explorar com mais conforto. Quando descobriu que havia poucos submersíveis disponíveis no mercado privado, ele construiu um de 3,6 metros com janela de acrílico, a partir de projetos criados por um comandante aposentado de submarinos da Marinha americana. O veículo ficou pronto em 2006.

O projeto virou uma paixão de Rush. Dois anos depois, ele e Sohnlein se conheceram por meio de Graham Hawkes, especialista de longa data em submersíveis. Na quinta (22), Hawkes falou que o explorador era um empresário determinado a construir um nicho no mercado de turismo radical. Por um tempo, pareceu interessado em comprar a firma de submersíveis de Hawkes, mas nada se concretizou.

Em vez disso, aliou-se em 2009 a Sohnlein, que já era na época um empreendedor em série e investidor interessado em levar a civilização humana para outros planetas. "Concluímos que ir ao fundo do mar seria o mais perto que chegaríamos do espaço sem deixar a Terra", disse Sohnlein. A companhia começou com um submersível amarelo de segunda mão, fazendo mergulhos rasos, e depois adotou um cilindro com casco de aço, o Cyclops 1, capaz de mergulhar mais fundo —mas caro para operar e ser transportado.

Sohnlein deixou a empresa em 2013, ao constatar que a OceanGate não estava mais na fase de startup e entrava na especialidade de Rush, a engenharia. Pouco depois de sua saída, disse Sohnlein, Rush começou a falar publicamente em construir um protótipo do Cyclops 1 coberto de titânio e construído de fibra de carbono, um material leve e de uso comum no setor aeroespacial. Ele considerou que isso reduziria drasticamente os custos de operação, segundo seu ex-sócio.

Em 2017, a OceanGate já anunciava expedições até os destroços do Titanic, a 3.800 m de profundidade, no Titan, submersível com espaço para cinco pessoas e capaz de mergulhar a profundidades oito vezes maiores que o Cyclops. Os primeiros releases à imprensa disseram que turistas que participassem das excursões teriam que pagar cerca de US$ 105 mil cada um –preço definido pela OceanGate porque equivalia ao custo, ajustado pela inflação, de uma passagem na primeira classe do Titanic em 1912.

Alarmes soaram na comunidade de exploração em águas profundas. Em 2018, o diretor de operações marinhas da empresa, David Lochridge, compilou um relatório avisando sobre potenciais perigos que os passageiros poderiam enfrentar. Em 2021, após alguns lançamentos que deram errado, a OceanGate já estava completando expedições ao Titanic. Os preços das passagens haviam mais que dobrado, para US$ 250 mil. Ao longo de 2022, 22 pessoas mergulharam no Titan, segundo documentos da empresa.

"Foi uma experiência maravilhosa", disse Alan Stern, 65, cientista planetário que no ano passado participou de um mergulho no Titan até os destroços do Titanic. Segundo ele, Rush era inteligente e encarava os obstáculos de frente. "Mas eles foram francos na documentação e nas conversas conosco. Não se tratava de subir num brinquedo da Disney", acrescentou.

Tradução de Clara Allain

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