Descrição de chapéu Financial Times China União Europeia

Sob sombra de relação azeda com EUA, China busca se reaproximar da Europa

Li Qiang diz que a estratégia de redução de riscos seguida pela UE não precisa prejudicar laços econômicos com Pequim

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Yuan Yang
Londres | Financial Times

O novo primeiro-ministro chinês, Li Qiang, usou sua viagem inaugural ao exterior para propor uma nova abordagem à Europa. Em um esforço para evitar reproduzir o relacionamento complicado entre Pequim e Washington com o bloco europeu, o premiê focou áreas em que os dois blocos têm objetivos semelhantes.

Em encontros na Alemanha e França, nesta semana, Li Qiang fez uma ofensiva para chamar atenção de representantes governamentais e empresariais. O premiê prometeu priorizar a luta contra a mudança climática e anunciou um acordo de alívio da dívida da Zâmbia.

Os anúncios foram feitos durante a Cúpula do Novo Pacto Financeiro, em Paris, convocada pelo presidente francês, Emmanuel Macron.

O presidente da França, Emmanuel Macron, e o premiê da China, Li Qiang, no Palácio do Eliseu, em Paris
O presidente da França, Emmanuel Macron, e o premiê da China, Li Qiang, no Palácio do Eliseu, em Paris - Ludovic Marin - 22.jun.23/AFP

A abordagem de Li indicou que Pequim embarcou em dois caminhos para se aproximar com a Europa: procura lidar com relações comerciais e cooperação climática, enquanto separa de questões mais espinhosas, como o apoio da China à Rússia na Guerra da Ucrânia.

Em contraste, autoridades chinesas têm condicionado a cooperação climática com os EUAs a exigências de política externa.

"As elites chinesas consideram que engajar-se com a Europa e tranquilizar o bloco é uma prioridade estratégica importantíssima", diz Seaver Wang, do think tank Breakthrough Institute, sediado na Califórnia. "Devido à guerra da Rússia na Ucrânia, a Europa e os EUA estão mais estrategicamente alinhadas do que estavam há décadas."

A nova abordagem de Pequim foi adotada enquanto a Comissão Europeia explora maneiras de reduzir os riscos de seu relacionamento econômico com a China, diminuindo sua dependência de matérias-primas e limitando a exportação de tecnologia de ponta.

Diplomatas e a mídia estatal chinesa criticam fortemente o termo "redução dos riscos" e aconselharam as capitais europeias a não se deixar envolver demais em disputas comerciais dos EUA.

Em maio o ministro das Relações Exteriores chinês, Qin Gang, avisou seu colega alemão que se a União Europeia se "distanciar da China em nome da redução de riscos", também perderia oportunidades, cooperação, estabilidade e desenvolvimento.

Mas Li, cuja missão inclui injetar ânimo na economia chinesa letárgica que necessita cada vez mais de investimento privado, adotou abordagem mais conciliatória em Berlim. Em uma mesa-redonda com empresas alemãs, disse que compreende as preocupações e que "proteger-se contra riscos" não significa entrar em conflito com cooperação.

Na medida em que o conceito de redução de riscos ainda deixa margem a interpretações, o lado chinês "está tentando identificar qual é o espaço entre o discurso e a ação", diz Yu Jie, pesquisador sênior no think tank Chatham House. "A Europa política fala disso o tempo todo, mas a Europa empresarial está menos interessada nisso."

Li também expressou alguns dos receios dos empresários, avisando a eles que "não cooperar é o maior risco, não desenvolver-se é a maior insegurança". Executivo-chefe da gigante química Basf, Martin Brudermuller alertou em março que, embora haja riscos ligados a operar no país asiático, "deixar de estar presente na China também é um risco enorme".

A Basf é um de vários grandes grupos alemães, incluindo a fabricante de chips Incheon e as principais montadoras de veículos do país, que são fortemente dependentes da China para vendas e cadeias de fornecimento.

Um número crescente de executivos-chefes, de empresas como Siemens e Mercedez-Benz, tem rejeitado publicamente chamados de Berlim e Bruxelas para afastar-se da China, com o argumento de que o mercado é grande demais para isso. Nas palavras de um executivo de fornecedor automotivo, "somos totalmente dependentes da China".

Li foi acompanhado em sua viagem à Alemanha e França por representantes de empresas chinesas incluindo a gigante das baterias CATL, que abriu uma fábrica na Alemanha, e a fabricante de painéis solares Longi, que espera construir uma fábrica no país.

O premiê elogiou a oposição francesa ao distanciamento e ao "confronto faccional" —uma alusão velada à abordagem dos EUA.

Na semana passada o líder Xi Jinping se reuniu com Anthony Blinken, o primeiro secretário de Estado americano a visitar Pequim em cinco anos, e anunciou que havia "progresso" no sentido da estabilização das relações. No entanto, um dia mais tarde o presidente Joe Biden suscitou fúria em Pequim ao descrever Xi como ditador em um evento privado de levantamento de fundos.

O premiê chinês, Li Qiang, se reúne com o presidente do Senado francês, Gerard Larcher, em Paris - Huang Jingwen - 23.jun.23/Xinhua

Por outro lado, o premiê chinês elogiou a relação com a França em mesa-redonda com empresários franceses: "O bom nível de confiança entre os países nos permite enxergar estabilidade e oportunidades de crescimento comum em nossa interdependência mútua".

Na terça-feira, quando Li estava a caminho de um jantar com uma delegação de autoridades e empresários da Bavária, a Comissão Europeia disse que vai adiantar uma proposta para fazer uma triagem de investimentos no exterior e melhorar a implementação de controles de exportação –medidas vistas como sendo voltadas contra vínculos de tecnologia com a China. Mas os Estados membros da UE ainda adotam posição de cautela em relação a tais medidas.

A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, uma das autoridades europeias mais intransigentes em relação à China, exortou os Estados-membros a apoiarem a estratégia de redução de riscos. Mas reconheceu que a maioria das relações comerciais e econômicas com a China continuará como está.

Enquanto as novas propostas da Comissão ainda são controversas, executivos alemães continuam convencidos de uma necessidade maior de diversificar seus fornecedores, para que não sejam exclusivamente da China. Alguns dizem que o lado chinês superestima sua capacidade de construir uma coalizão com empresas europeias contra a redução de risco.

"O argumento de Li de que a comunidade empresarial não quer reduzir riscos é bobagem. Estamos preocupados com isso, sim", disse um executivo alemão ao Financial Times.

Jens Hildebrandt, diretor da câmara de comércio alemã em Pequim, diz que vê "sinais claros de redução de risco". Segundo ele, algumas companhias estão transferindo sua produção da China para outros países asiáticos, para proteger-se contra futuras sanções ou controles de exportação.

"As razões para reduzir o risco vêm de múltiplos lados. O regime chinês não possui todas as ferramentas nas mãos para dizer às empresas chinesas que elas precisam fazer menos redução de risco."

A mudança climática e a transição verde também tiveram grande destaque nas reuniões de Li na Alemanha. Os dois lados divulgaram um memorando que apresentou princípios de cooperação climática.

Pequim congelou negociações climáticas com os EUA por vários meses no ano passado, e tentativas para reativá-las pouco avançaram.

"O relacionamento mais estável da Europa com a China ajuda o Ocidente a preservar sua última posição de cooperação sobre a mudança climática, algo que nunca poderá ser tratado de modo significativo sem a participação de Pequim", diz Li Shuo, do Greenpeace Ásia.

Tanto analistas climáticos quanto empresas alemãs, porém, avisam que estão há muito tempo aguardando ações chinesas, em oposição a apenas palavras, sobre a redução de emissões. "É hora de tomar medidas concretas. Precisamos ser realistas; existem algumas coisas que eles simplesmente não têm como resolver", diz Hildebrandt.

Tradução de Clara Allain

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