Americanos buscam casas à prova de catástrofes diante de crise climática

Domos geodésicos e outras estruturas resilientes ganham atenção de arquitetos e construtores

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Christopher Flavelle
The New York Times

O engenheiro de software aposentado John duSaint comprou recentemente um terreno perto de Bishop, na Califórnia, em um vale inóspito a leste de Serra Nevada, nos EUA. Trata-se de uma área considerada de risco para incêndios, temperaturas diurnas altas e ventos fortes, além de nevascas fortes no inverno.

Mas ele não está preocupado com a crise climática local, porque pretende viver em um domo geodésico.

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Casa geodésica construída para resistir a ventos com força de furacão no sudoeste da Louisiana, nos Estados Unidos - Bryan Tarnowski - 10.jul.23/The New York Times

A estrutura desse domo tem quase nove metros de altura e será revestida com telhas de alumínio que refletem o calor e são resistentes ao fogo. Como tem uma superfície menor que uma casa retangular, é mais fácil de isolar contra o calor ou o frio. E é capaz de resistir a ventos e nevascas fortes.

"A parte externa é basicamente impenetrável", diz DuSaint. Com as condições meteorológicas cada vez mais extremas, domos geodésicos e outros designs de casas resilientes vêm ganhando mais atenção de pessoas com consciência climática interessadas em comprar uma casa —e dos arquitetos e construtores.

A tendência pode começar a desalojar a inércia subjacente à dificuldade dos EUA em se adaptar à crise climática. Existem tecnologias que podem proteger casas contra condições severas, mas essas inovações têm demorado a ser aceitas na construção residencial convencional, deixando os americanos cada vez mais expostos a choques climáticos, dizem especialistas.

O resultado disso não é apenas um risco mais elevado de ferimentos ou até morte, mas também de calamidade financeira, com os donos de casas enfrentando a desvalorização dos imóveis, sem conseguir seguro para eles ou até a perda do bem —em muitos casos, o mais valioso que possuem. Além disso, o custo emocional e social de perder a casa em desastres naturais está apenas começando a ser entendido.

Dados do censo mostram que, em 2022, desastres ligados ao clima obrigaram mais de 3,3 milhões de americanos a deixar suas casas. Ao menos 1,2 milhão deles passaram um mês ou mais fora de suas residências, e mais de 500 mil nunca voltaram a elas, alimentando uma diáspora de refugiados climáticos.

Resistir à tempestade

No átrio do Museu Nacional de História Americana do Instituto Smithsonian, voluntários terminaram recentemente de remontar "Weatherbreak", um domo geodésico construído há mais de 70 anos e que foi usado por pouco tempo como residência em Hollywood Hills, em Los Angeles.

Foi um projeto de vanguarda na época: cerca de mil suportes de alumínio aparafusados para formar um hemisfério com 7,6 metros de altura e 15 metros de largura, evocando um grande iglu de metal.

Com a Terra em processo de aquecimento, a estrutura ganhou nova relevância. "Começamos a estudar como o museu pode responder à mudança climática", diz Abeer Saha, curador que liderou a reconstrução do domo. "Os domos geodésicos chamaram nossa atenção como uma forma em que o passado aponta uma solução para nossa crise habitacional, de uma maneira que até agora não recebeu a atenção devida."

Cúpula geodésica que já foi usada pelo arquiteto Bernard Judge como casa em Los Angeles na década de 1960 é montada após 40 anos no museu de História Americana, em Washington
Cúpula geodésica que já foi usada pelo arquiteto Bernard Judge como casa em Los Angeles na década de 1960 é montada após 40 anos no museu de História Americana, em Washington - Jason Andrew - 6.jul.23/The New York Times

Os domos são apenas um exemplo dos esforços de inovação que estão sendo promovidos. Casas feitas de aço e concreto podem ser mais resilientes ao calor, incêndios e tempestades. Mesmo as tradicionais, com estrutura de madeira, podem ser construídas de maneira a reduzir fortemente as chances de serem fortemente danificadas por furacões ou enchentes.

Mas essas adaptações podem implicar em custos 10% mais altos do que a construção convencional. Esse valor a mais, que frequentemente se paga mais adiante graças aos custos menores de reparos após um desastre, é um problema, já que a maioria das pessoas que compra casa própria não sabe o suficiente sobre construção para exigir padrões mais elevados. Os construtores, por sua vez, relutam em acrescentar resiliência, temendo que os consumidores não se disponham a pagar por elementos que não entendem.

Uma maneira de resolver esse problema seria endurecer os códigos de edificação, definidos nos níveis estadual e local. Mas a maioria não adota o código mais recente, se é que exige quaisquer padrões.

Alguns arquitetos e designers estão tomando a iniciativa de responder às preocupações crescentes com desastres naturais. Perto de Cape Cod, no estado de Massachusetts, em um terreno que se projeta sobre o rio Wareham, Dana Levy acompanha a construção de sua casa, uma verdadeira fortaleza.

A obra será de concreto, com paredes capazes de resistir a ventos fortes e detritos voadores, além de manter temperaturas estáveis em caso de queda de energia —algo improvável, graças a painéis solares, baterias de reserva e gerador para emergências. Telhado, portas e janelas serão resistentes a furacões.

Para Levy, aposentado de 60 anos que trabalhou com energia renovável, o objetivo é garantir que ele e sua esposa não tenham de deixar a casa na próxima vez que chegar uma tempestade de grandes proporções.

Construir com aço

Nos lugares em que o risco de incêndio é elevado, alguns arquitetos estão recorrendo ao aço. Em Boulder, no estado do Colorado, Renée del Gaudio projetou uma casa com estrutura e revestimento externo de aço, criando o que ela descreve como um revestimento resistente à ignição.

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A entrada de uma casa geodésica construída para resistir a ventos com força de tempestade, em Pecan Island, nos EUA - Bryan Tarnowski - 10.jul.23/The New York Times

Esses deques são feitos de pau-ferro, madeira resistente ao fogo. Embaixo e em volta da casa há uma barreira vegetal com brita para evitar o crescimento de plantas que alimentem um incêndio. Ainda há uma cisterna com 2.500 galões de água que pode suprir mangueiras no caso de uma queimada perto da casa.

Esses elementos também encarecem a construção em até 10%, segundo a arquiteta. Esse valor adicional poderia ser reduzido pela metade com a utilização de materiais mais baratos, como estuque, que garantiriam um nível semelhante de proteção. Mas Del Gaudio teve motivos para utilizar os melhores materiais. Ela projetou a casa para seu pai.

Talvez nenhum outro tipo de design de casa resiliente inspire tanta aprovação quanto os domos geodésicos. Em 2005, o furacão Rita devastou Pecan Island, uma comunidade pequena no sudoeste da Louisiana, destruindo a maioria das poucas centenas de casas da área.

A casa de Joel Veazey, um domo de 214 metros quadrados, não foi uma delas. Ele perdeu apenas algumas telhas. "As pessoas vieram até minha casa me pedir desculpas, dizendo: ‘Zombamos de você devido à aparência de sua casa. Não devíamos ter feito isso. A sua continua aqui, sendo que as nossas desapareceram’", afirmou Veazey, um petroleiro aposentado.

Joel e Deborah Veazey na frente de sua casa geodésica, construída para resistir a ventos com força de furacão, em Pecan Island, em Los Angeles
Joel e Deborah Veazey na frente de sua casa geodésica, construída para resistir a ventos com força de furacão, em Pecan Island, em Los Angeles - Bryan Tarnowski - 10.jul.23/The New York Times

Max Bégué perdeu sua casa em Nova Orleans na passagem do furacão Katrina, em agosto de 2005. Em 2008, ele construiu um domo no mesmo terreno. A obra sobreviveu a todas as tempestades desde então, incluindo o furacão Ida, em 2021.

Há dois elementos que conferem aos domos sua capacidade de resistir aos ventos. Para começar, eles são compostos de pequenos triângulos, capazes de suportar mais carga que outras formas. A forma do domo também leva os ventos a circular em volta da estrutura, privando-os de uma superfície plana sobre a qual possam exercer força. "O domo resiste ao vento", disse Bégué, veterinário de cavalos de corrida. "Ele balança um pouquinho, mais do que eu gostaria. Mas acho que isso faz parte de sua força."

Tradução de Clara Allain

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