Zelenski pressiona, mas fracassa em convencer Otan a admitir Ucrânia

Presidente diz que falta de cronograma é absurda; aliança diz que futuro do país é no grupo

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São Paulo

O presidente da Ucrânia, Volodimir Zelenski, fracassou em sua tentativa de última hora de pressionar a Otan a oferecer um cronograma para a entrada de seu país na aliança militar ocidental durante uma das suas mais importantes cúpulas do pós-Guerra Fria.

Ele usou termos duros, dizendo ser "um absurdo" não ter recebido nem convite, nem datas para a admissão. Depois que um comunicado da aliança sacramentou a falta de decisão, lamentou.

"Eu embarquei para cá com fé em decisões, em parceiros, numa Otan forte, que não hesita, que não desvia o olhar de qualquer agressão. Eu gostaria que essa fé virasse confiança", escreveu no Twitter.

Com Biden (de terno azul) à frente, líderes da Otan se posicionam para foto oficial em Vilnius
Com Biden (de terno azul) à frente, líderes da Otan se posicionam para foto oficial em Vilnius - Odd Andersen/AFP

Com a aparente solução do veto turco à entrada da Suécia como 32º membro do grupo, a entrada da Ucrânia se colocou como principal motivo de discordância entre os países liderados pelos Estados Unidos. "O futuro da Ucrânia é na Otan. Nós estaremos em uma posição para estender um convite à Ucrânia quando os aliados concordarem e condições forem alcançadas", diz o texto final do grupo sobre o tema.

Um algo gaguejante Jens Stoltenberg, o ex-premiê norueguês que chefia a entidade, repetiu a repórteres o tom do texto, insistindo que "a Ucrânia está mais perto da Otan do que nunca".

Desde que a Rússia invadiu o país vizinho, em fevereiro de 2022, Washington e seus aliados sustentaram o esforço de guerra de Kiev. O "casus belli", razão central do ataque de Vladimir Putin, era justamente a possibilidade de os ucranianos aderirem à aliança fundada em 1949 para se opor à Moscou soviética.

Em 2008, a aliança havia deixado um convite vago no ar, e Zelenski vinha insistindo em acelerar o processo. Agora, o mesmo Putin é o problema: pelas regras existentes na aliança, se a Otan abrisse as portas a um país em guerra, entraria no conflito. E isso significa potencialmente a Terceira Guerra Mundial.

Essa é a visão de países centrais da aliança, como EUA, Alemanha e França. Membros mais radicais, como a Polônia, são contra o comedimento, e há quem sugira que eles podem enviar tropas individualmente para apoiar Kiev, o que teria consequências imprevisíveis.

"A Ucrânia merece respeito. É sem precedentes e absurdo quando um cronograma não é estipulado nem para o convite, nem para a adesão da Ucrânia", escreveu Zelenski no Twitter. Ele participará do encerramento da cúpula, nesta quarta-feira (12). "Não parece haver prontidão para convidar ou fazer da Ucrânia um membro", afirmou.

"Incerteza é fraqueza. Discutirei isso abertamente na cúpula", disse. Não deu certo. Nesta quarta-feira, o Conselho Otan-Ucrânia será inaugurado como espécie de compensação, mas Zelenski, que em 2022 recebeu quase o equivalente a mais de 10 vezes seu orçamento militar regular em armas e apoio bélico, promete fazer mais barulho.

O secretário-geral Stoltenberg indicou mais ajuda e garantias de segurança a Kiev, afirmando que a retirada do mecanismo de adesão chamado MAP facilitará a adesão no futuro. Em entrevista à CNN, o presidente americano, Joe Biden, disse que faltam itens para garantir a entrada de Kiev no time, como padrões democráticos mínimos.

Em uma postagem ainda posterior, Zelenski tentou amenizar o tom, dizendo que "nossa defesa é nossa maior prioridade", expressando "gratidão a nossos parceiros". Alguém do marketing presidencial deve ter entrado em ação.

Há o evidente peso do sucesso, ou não, da contraofensiva tocada desde 4 de junho, que avança muito lentamente. Coube a um membro lateral, a República Tcheca, desenhar em palavras o que outros líderes dissimularam. Para o presidente Petr Pavel, que como general serviu na Otan, a janela de progresso militar ucraniano "acaba mais ou menos no fim do ano". "O que for alcançado deve ser a base de negociações", disse, divergindo do discurso de apoio contínuo a Kiev, que rejeita negociar com território ocupado pelos russos.

Mais: Pavel disse que, com a entrada do calendário eleitoral americano no jogo, com a corrida pela Casa Branca em 2024, "veremos outro declínio na vontade de suprir a Ucrânia com mais armas de forma maciça". Ainda que os tchecos sejam atores menores, sentem na pele os efeitos da guerra: metade de seu gasto militar em 2022 foi em ajuda a Kiev.

Outras partes já adiantaram sua parte na conta, para evitar críticas. O presidente francês, Emmanuel Macron, afirmou ao chegar ao evento que enviará mísseis de cruzeiro de longo alcance SCALP-EG, irmãos do britânico Storm Shadow já fornecidos a Kiev.

São armas caras, R$ 15 milhões a peça, e que têm feito diferença na contraofensiva. Já o premiê alemão, Olaf Scholz, ofereceu um novo pacote de R$ 3,8 bilhões que inclui duas baterias antiaéreas Patriot, 40 blindados Marder e 25 tanques antigos Leopard-1A5.

Não é nada que mudará o rumo da guerra. Nesse sentido, o polêmico envio de bombas de fragmentação anunciado por Biden tende a ser mais eficaz no curto prazo, já que visa a suprir a falta de munição na frente de batalha imediatamente. As armas são proibidas em 111 países, inclusive 23 dos 31 da Otan, o que gerou críticas na aliança aos EUA.

Por fim, a Dinamarca anunciou que começara em agosto o treinamento de pilotos ucranianos para operar caças americanos F-16, que uma coalizão de 11 países ainda precisa dizer de onde virão. Um centro definitivo para isso deve ser instalado na Romênia depois.

Stoltenberg tem um rosário adicional de problemas para desfiar, como a questão da reestruturação do gasto militar da Otan e o papel que a aliança dá à China em sua visão geopolítica. Nos últimos anos, os EUA conseguiram colocar o rival central da Guerra Fria 2.0 como prioridade de segurança europeia, mas há resistências, dadas as relações comerciais do continente com o gigante asiático.

Ele, contudo, pôde comemorar nesta terça. Houve o acordo segundo o qual o líder turco, Recep Tayyip Erdogan, disse ter dado luz verde para a entrada da Suécia na aliança, após ter seu caminho barrado enquanto a Finlândia era aceita. Os detalhes ainda emergem, como a entrega de caças dos EUA e promessas de reabertura do processo para Ancara aderir à União Europeia, mas só o anúncio fez Erdogan salvar o dia.

Se todo o resto der errado, Stoltenberg ainda poderá vender a admissão sueca como vitória.

Por fim, o governo Putin observa, tendo mantido ataques com drones a Kiev e Odessa nesta terça-feira. Sem ter o que fazer além de seguir ameaçando com a escalada do conflito, o Kremlin repetiu o de sempre: críticas à Otan por tratar a Rússia como inimiga e aumentar os riscos de confronto direto com Moscou.

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