Putin descarta agora moeda comum do Brics sugerida por Lula

Reunião do bloco na África do Sul, que não deve ter Modi, só deve discutir o tema, afirma Kremlin

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São Paulo

O governo do líder russo, Vladimir Putin, considera inviável a adoção no futuro próximo de uma moeda comum do Brics, grupo integrado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, para transações internacionais —a ideia é defendida pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

"Muitos países estão no caminho de usar moedas nacionais em acertos financeiros comuns. Certamente há discussões de especialistas sobre isso, mas vai demorar e dificilmente poderá ser implementado no futuro próximo", afirmou o porta-voz de Putin, Dmitri Peskov, em conversa com repórteres nesta quinta-feira (3).

Dilma e Putin discutem negociações com o banco do Brics, em São Petersburgo
Dilma e Putin discutem negociações com o banco do Brics, em São Petersburgo - Vladimir Smirnov - 26.jul.23/AFP

Lula tem sugerido de forma repetida que o Brics adote o mecanismo, aproveitando a onda de desdolarização em transações entre países não alinhados ao Ocidente. A Rússia, sitiada por sanções econômicas desde que invadiu a Ucrânia, no final de fevereiro de 2022, é um exemplo: hoje o país recebe de compradores indianos yuans, a moeda chinesa, por seu petróleo com desconto.

Pequim tem se favorecido do cenário, com maior presença do yuan em negócios na América Latina. Daí a ter uma moeda comum do Brics, sem contar a disparidade entre seus membros, vai um longo caminho.

Os russos, por óbvio, propagandeiam a ideia de que o dólar, padrão das negociações internacionais, está em decadência. "A desdolarização avança sem pausa, e o uso de moedas nacionais é uma realidade que cresce em escala global", afirmou. É verdade, mas não na escala que desejaria o Kremlin.

O interesse brasileiro, por sua vez, é de reviver o Brics como entidade alternativa —Lula chegou a decretar a morte política do G7, clube das maiores economias do planeta, excetuando China e Índia. O problema começa, no bloco criado em 2006 e ampliado em 2011 com os sul-africanos, justamente com essa dupla: Pequim e Nova Déli são rivais na Guerra Fria 2.0, com os indianos cada vez mais próximos do Ocidente.

Críticos veem a ambição de Lula como uma tentativa de se manter relevante no palco internacional, em que promoveu movimentos desastrados ao tentar mediar diálogos entre russos e ucranianos. Ele tem investido na ideia particularmente por meio do NDB (Novo Banco de Desenvolvimento, sigla inglesa do banco do bloco), cuja chefia foi recentemente assumida pela ex-presidente Dilma Rousseff (PT).

"Do ponto de vista mundial, o Brics pode ter um papel excepcional. Todo mundo sabe que eu defendo que a gente tenha uma moeda própria para fazer comércio entre os países. Por que o Brasil precisa de dólares para fazer comércio com a Argentina?", disse o petista em encontro com jornalistas na quarta.

Na semana passada, Dilma esteve com Putin às margens da cúpula Rússia-África. O evento buscava mostrar ao mundo que o Kremlin não está tão isolado, mas resultou em críticas de Pretória à saída russa do acordo de exportação de grãos no mar Negro e em promessas de doações de Moscou a países pobres.

Lá, a ex-presidente tocou violino para Putin, falando da necessidade da desdolarização. Ao mesmo tempo, contudo, teve de negar que houvesse qualquer chance de fazer novos negócios do NDB com a Rússia enquanto valerem as sanções ocidentais, já que isso colocaria a solvência da instituição sob risco em caso de punições.

Tudo isso antecede a reunião do Brics na África do Sul, a se realizada do dia 22 a 24 deste mês. Ali, o componente político já dá o tom: Putin não comparecerá para não correr o risco de ser preso, já que os anfitriões são signatários do tratado que criou o Tribunal Penal Internacional, que emitiu uma ordem de prisão contra ele por supostos crimes de guerra.

Segundo a Folha ouviu de diplomatas envolvidos na elaboração do evento, a cúpula pode ter uma baixa ainda mais importante. Narendra Modi, o premiê indiano cortejado no Ocidente, deverá participar como Putin, por meio de videoconferência.

A informação foi divulgada na imprensa indiana no começo desta semana, de forma extraoficial, mas tudo indica que é verdadeira. Confirmada, será uma prova do peso do Brics no grande jogo da política internacional, dado que a Índia vive um atrito enorme com a China, que vê como rival geopolítica na Ásia —para não falar nos problemas fronteiriços dos países.

Assim, como disse Peskov, a chance de qualquer avanço que não seja uma discussão sobre moeda única parece mínima. "As conversas irão continuar", afirmou. Outro tema controverso na mesa é a entrada de novos membros no clube, que só foi expandido uma vez.

Lula tem insistido na entrada argentina, país governado por um aliado esquerdista em grave crise econômica e social. Mas o próprio banco comandado por Dilma já teve de negar ajuda a ele, justamente pelas condições precárias de solvência de Buenos Aires. Na quinta, petista também defendeu a entrada da rica Arábia Saudita no bloco, ao qual outra ditadura, a Belarus aliada de Putin, já fez pedido de adesão.

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