Descrição de chapéu Guerra da Ucrânia Rússia

Kremlin elogia fala criticada do papa Francisco sobre a Rússia

Vaticano nega que pontífice, que deu declarações polêmicas sobre a guerra, tenha elogiado imperialismo russo

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São Paulo

Uma fala do papa elogiando a herança imperial da Rússia, considerada "muito gratificante pelo Kremlin", provocou novas críticas ao pontífice na Ucrânia e o previsível "não foi bem assim" por parte do Vaticano.

Na sexta (25), Francisco falou a jovens católicos russos reunidos em São Petersburgo, capital imperial da Rússia até 1917. Leu um discurso preparado em espanhol e, no fim, improvisou em italiano.

O papa Francisco durante audiência na praça São Pedro, no Vaticano
O papa Francisco durante audiência na praça São Pedro, no Vaticano - Guglielmo Mangiapane - 31.mai.2023/Reuters

"Não esqueçam sua herança. Vocês são os herdeiros da grande Rússia, a grande Rússia dos santos, dos reis, a grande Rússia de Pedro, o Grande, de Catarina 2ª, o grande Império Russo, culto, tanta cultura, tanta humanidade. Vocês são os herdeiros da grande Mãe Rússia. Adiante!", disse Francisco, 86.

No dia seguinte, o Vaticano divulgou só a parte escrita do discurso, mas, como ele foi gravado, a internet não perdoou. Postada em sites religiosos, a fala começou a reverberar ao longo do fim de semana.

"É precisamente essa propaganda imperialista, os laços espirituais e a necessidade de salvar a 'Grande Mãe Rússia' que o Kremlin usa para justificar a morte de milhares de ucranianos. É profundamente lamentável", afirmou no Facebook o porta-voz da chancelaria em Kiev, Oleg Nikolenko.

A frase do papa argentino atraiu uma raríssima crítica da Igreja Católica Grega da Ucrânia, o maior ramo oriental do catolicismo, ligado mas não submisso a Roma. Segundo o arcebispo Sviatoslav Sevtchuk, chefe da denominação com 5 milhões de fiéis, a fala "causou grande dor e preocupação".

Não foi a primeira vez que Francisco causou polêmica na guerra. Apesar de condenar a invasão e Putin, ele disse no ano passado que o conflito foi "de certa forma provocado" pela Otan, a aliança militar do Ocidente. Ele também disse, neste ano, que havia "vários imperialismos" concorrendo no embate.

Até aqui, suas tentativas de mediar a paz, discutidas até com o brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva (PT), fracassaram. Ele recebeu o ucraniano Volodimir Zelenski em maio deste ano no Vaticano e enviou um emissário à Rússia —só para ser criticado por se encontrar com uma acusada de crimes de guerra.

O Kremlin, previsivelmente, elogiou Francisco. "O pontífice conhece a história russa, e isso é muito bom. O que o Estado, grupos ativistas, escolas e professores universitários estão fazendo é lembrar nossa juventude dessa herança. O fato de o pontífice soar em uníssono com esses esforços é muito, muito gratificante", disse nesta terça (29) o porta-voz Dmitri Peskov. Feito o estrago, sobrou ao Vaticano negar que tenha defendido o imperialismo em nota do porta-voz Matteo Bruni, também divulgada nesta terça.

"O papa quis encorajar jovens a preservar e a promover tudo o que for positivo na grande herança cultural e espiritual russa, e certamente não exaltar a lógica imperialista e personalidades governamentais, que ele mencionou para indicar os períodos de referência históricos", afirmou.

Do ponto de vista de ucranianos e de outros povos que foram sujeitos ao Império Russo, a fala não ajuda muito. Pedro, o Grande (1672-1725) e Catarina 2ª, conhecida também como a Grande (1729-1796), foram dois dos principais czares da história do país de Vladimir Putin, tendo expandido seus domínios inclusive sobre as terras hoje da Ucrânia.

No ano passado, Putin exaltou Pedro em uma fala vista como uma justificativa histórica para a invasão em curso do país vizinho. Ao longo de seu governo de 24 anos, o presidente russo buscou reler o passado de seu país à luz da conjuntura atual —sugerindo que a soberania ucraniana era relativa, tendo sido definida pelas divisões arbitrárias de fronteiras da antiga União Soviética (1922-1991).

Kiev era conhecida na época de Pedro como a "mãe de todas as cidades russas", pelo papel fundador no chamado Rus de Kiev, reino medieval do qual emergiram Rússia, Belarus e o atual Estado ucraniano.

Ainda no campo religioso, a Ucrânia é majoritariamente ortodoxa, mas sua igreja se separou da russa em 2019, no maior cisma cristão desde o século 16 —que refletia as diferenças políticas, até porque o patriarca de Moscou, Cirilo, é próximo de Putin. O papa inclusive já o advertiu a "não ser um coroinha" do líder russo, o que evidentemente não foi muito bem recebido.

Putin não vai ao enterro de Prigojin

Também nesta terça, Peskov afirmou que o presidente russo não iria ao funeral do líder mercenário Ievguêni Prigojin, morto em um suspeito acidente aéreo na quarta passada (23).

Putin foi acusado no Ocidente e por integrantes do Grupo Wagner, liderado por Prigojin, de ter mandado matar o antigo aliado. O motivo central, segundo essa versão, foi o fato de que o mercenário liderou um motim contra a cúpula militar russa em junho que, se não era dirigido diretamente ao presidente, o desafiou e o humilhou politicamente. Peskov classificou a teoria de mentira absoluta.

Prigojin foi enterrado no cemitério Porokhovskoe, em São Petersburgo, sua cidade natal e a de Putin. Segundo o canal no Telegram do Grupo Concord, que abarcava o Wagner, o enterro foi fechado ao público. Como ele havia sido agraciado com a medalha de Herói da Rússia, a mais alta condecoração do país, em tese o enterro teria direito a honras militares, escolta e tiros de festim, mas não se sabe se isso ocorreu.

Outras nove pessoas, inclusive seu número 2 no Wagner, Dmitri Utkin, morreram na queda de um jato Embraer Legacy 600 do mercenário, que despencou abruptamente perto de Moscou —naquilo que os parâmetros de voo sugerem ter sido uma falha catastrófica, como uma explosão a bordo.

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