EUA descartam míssil como causa da queda do avião do Grupo Wagner

Jato da Embraer teve queda abrupta, o que sugere um evento catastrófico a bordo

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São Paulo

O governo dos Estados Unidos descartou nesta quinta (24) que a queda do avião em que estava o líder mercenário Ievguêni Prigojin, além do número 2 no Grupo Wagner e mais oito pessoas, tenha sido causada por um míssil antiaéreo lançado do território russo.

O que é possível dizer, a partir da análise de dados de navegação e de um vídeo mostrando parte do incidente, é que houve um evento catastrófico a bordo, que avariou severamente a aeronave em voo.

O jato executivo Embraer Legacy 600 voava normalmente de Moscou a São Petersburgo até os 32 segundos finais de sua rota, em que a aeronave ficou instável antes de se estatelar na região de Tver, 160 km a noroeste da capital russa, no início da noite desta quarta-feira (23, início da tarde no Brasil).

Imagem mostra o Legacy de Prigojin caindo verticalmente rumo ao solo na quarta (23), em Kujenkino (Rússia)
Imagem mostra o Legacy de Prigojin caindo verticalmente rumo ao solo na quarta (23), em Kujenkino (Rússia) - @grey_zone no Telegram/AFP

De acordo com relatório do site de monitoramento de tráfego aéreo Flightradar24, o veículo estava em voo de cruzeiro, a 8,5 km de altitude, quando algo ocorreu. Ele caiu para 8,4 km, oscilando para 9,1 km, até desaparecer do radar às 18h20 (12h20 em Brasília).

A isso se soma um vídeo feito por celular de um morador da região, que disse ter ouvido uma explosão antes de observar a aeronave cair verticalmente, deixando um traço de fumaça. Mais acima, havia rastros de vapor que um canal ligado ao Wagner no Telegram disse serem provas de que um míssil atingiu o jato.

Segundo Patrick Ryder, porta-voz do Pentágono, não há indícios de que um míssil tenha sido o responsável. Ele não elaborou a repórteres, mas o fato é que as forças da Otan [aliança militar liderada pelos EUA] monitoram qualquer lançamento de míssil em território russo, e têm meios de saber se algum foi lançado, ainda mais numa região próxima de seu teatro de operações no Báltico.

Uma bomba poderia ter tido o mesmo efeito destrutivo, contudo. Como o relato do Flightradar24 diz, é certo que algum evento de grande magnitude ocorreu com o jato, que com quase 300 unidades feitas no Brasil só havia sofrido um acidente sério, o choque no ar que derrubou um Boeing-737 da Gol em 2006.

A Embraer não opera na Rússia, devido às sanções internacionais impostas após a invasão da Ucrânia. No caso do Legacy de Prigojin, ele estava sem manutenção da empresa desde 2019, quando foi punido pelos EUA —aviões também podem sofrer restrições, que afetam qualquer um que preste serviço a eles.

Se a Rússia pedir, contudo, a Embraer pode participar da investigação em solo, já que o aparelho acidentado é de sua fabricação. Isso depende de uma comunicação direta ao governo brasileiro, o que segundo o Cenipa (Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos) ainda não ocorreu.

Tudo isso alimenta as teorias conspiratórias acerca do incidente. Há dois meses, Prigojin liderou um motim do Wagner, que estava sob ameaça de dissolução pela Defesa russa, contra a cúpula militar de Vladimir Putin. Antes muito próximo do presidente russo e conhecido como o "chef de Putin" por seus serviços de alimentação contratados pelo Kremlin antes de suas atividades mercenárias, Prigojin era visto por muitos analistas como alguém com a cabeça a prêmio apesar da opacidade da solução de sua revolta.

Afinal, ele não foi punido pelo que o chefe do Kremlin chamou de facada nas costas em sua primeira manifestação, com o motim ainda em curso antes de sua conclusão, no dia 24 de junho. Também nesta quarta-feira, o governo anunciou a remoção de Serguei Surovikin, o "general Armagedom", que comandou as forças na Guerra da Ucrânia e era próximo de Prigojin, da chefias das Forças Aeroespaciais russas.

Putin, até pelo histórico de mortes misteriosas de antigos aliados e rivais, é apontado como responsável pela morte de Prigojin, numa vingança não muito tardia. A suspeita foi colocada por líderes ocidentais como o presidente Joe Biden, que já chamou o russo de assassino mesmo antes da Guerra da Ucrânia.

Em Kiev, o presidente Volodimir Zelenski correu para negar elos com a morte, dado que o Grupo Wagner foi uma das unidades mais duras combatidas pelos ucranianos na guerra. Em maio, Prigojin tomou após a mais sangrenta batalha do conflito até aqui o bastião de Bakhmut, no leste da Ucrânia, e suas forças são temidas. Zelenski disse nesta quinta que Kiev "não tem nada a ver" com a morte de Prigojin, mas que a queda do avião que matou o líder mercenário "é uma coisa boa para a Ucrânia". O ucraniano aproveitou para falar dos pedidos ao Ocidente para envio de jatos F-16 e ironizou a morte do russo. "Quando a Ucrânia apelou aos países do mundo por aviões, não queríamos dizer isso."

O vácuo do anúncio da morte de Prigojin e de seu principal comandante, Dmitri Utkin, tem gerado todo tipo de especulação —prato cheio no império das redes sociais vigente. A mais curiosa é a que sugere que Prigojin na realidade está vivo e que o acidente foi uma forma de ele desaparecer da vista pública, com ou sem apoio de Putin.

Isso se deu porque havia no ar ao mesmo tempo outro Legacy do Wagner, que deu meia-volta rumo a Moscou. Não se sabe onde a aeronave pousou, até porque a interferência de sistemas de contramedidas eletrônicas para lidar com drones que atingem a capital tem gerado ruídos na rastreabilidade de aviões.

Outro boato é sobre o futuro do Wagner, uma questão mais tangível. Há um número incerto de membros do grupo que foram à Belarus, ditadura aliada de Moscou que mediou o fim do motim. Desde o início do mês, imagens de satélite mostraram que ao menos um acampamento começou a ser desmantelado.

Em canais no Telegram ligados ao Wagner, há denúncias de que Minsk cortou a internet dos soldados e que aviões russos de transporte militar chegaram para recolhê-los. Não há confirmação disso. Num post, integrantes mascarados do grupo prometem se vingar de Prigojin, dizendo que "a guerra só começou".

Parece improvável, contudo, alguma ação organizada como a de junho. Naquele momento, havia talvez 25 mil homens de Prigojin armados com blindados e tanques, recém-chegados da Ucrânia. Agora, o grupo está dividido e perdeu acesso a equipamento pesado. O que, claro, não exclui ações violentas isoladas.

A analista política Tatiana Stanovaia, do canal R.Politik, diz não acreditar que o Wagner irá se recompor depois da perda da cúpula do grupo. De acordo com o que ela escreveu no X, o ex-Twitter, Putin comeu um prato frio em sua vingança, após o dano político do motim.

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