Opressão contra Assange intimidou imprensa, diz pai de fundador do Wikileaks

John Shipton visita Brasil para lançar filme e afirma que filho é perseguido por elite do aparato de segurança americano

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São Paulo

John Shipton, 76, é pai de um prisioneiro ilustre. Seu filho, o fundador do Wikileaks, Julian Assange, vive desde 2019 numa prisão de segurança máxima no Reino Unido, à espera de uma provável extradição aos EUA. Com base na Lei de Espionagem, o governo americano o acusa de 17 crimes que podem levá-lo a 175 anos de prisão.

Por trás da denúncia está a publicação, via Wikileaks, em 2010, de documentos sobre ações americanas no Iraque e no Afeganistão. Não há precedentes, nos EUA, de acusações de espionagem por publicar informações assim —a lei em geral é usada contra espiões ou funcionários do governo que vazem dados.

Cenas do filme Ithaka - A Luta de Julian Assange, com John Shipton, pai do criador do Wikileaks
John Shipton, pai de Julian Assange, em cena do filme 'Ithaka' - Divulgação

Em junho do ano passado, após Assange sofrer uma série de derrotas na Justiça, o governo britânico deu sinal verde à extradição. Agora, ele aguarda o julgamento de mais um recurso na Suprema Corte local.

Enquanto isso, Shipton viaja o mundo em busca de apoio para a libertação do filho. Ele vem ao Brasil nesta semana para o lançamento do filme "Ithaka - A Luta de Julian Assange", que chega aos cinemas em 31 de agosto. O longa retrata o périplo da família de Assange entre viagens, protestos e tribunais.

Em entrevista à Folha, ele conta como tem sido sua vida nos últimos anos e discute os impactos para a imagem de Assange após a publicação, pelo Wikileaks, em 2016, de emails do Partido Democrata.

Para parte da esquerda, o vazamento contribuiu para a derrota de Hillary Clinton contra Donald Trump naquele ano —em 2018, o Departamento de Justiça dos EUA denunciou hackers russos pelo roubo dos dados. Shipton diz que o filho é perseguido por elites do aparato de segurança nacional americano a mando de Hillary e comenta o contato com Trump em busca de um perdão presidencial para Assange.

Além do lançamento do filme, o sr. tem expectativa de encontrar integrantes do governo brasileiro?
[Devo encontrar] integrantes do governo. Na América do Sul, não é preciso conseguir apoio, mas catalisar o que já existe. Devo encontrar advogados, membros do PT, pessoas ligadas à preservação da Amazônia.

E o presidente Lula?
Estive com Lula duas vezes, em Genebra e em Paris. Primeiro, logo após ele ser liberado da prisão. E, depois, um pouco antes da eleição. Como a maior parte dos líderes sul-americanos, ele apoia Julian.

A extradição de Assange para os EUA nunca esteve tão próxima. Já estão reorientando o lobby para lá?
Estivemos nos EUA seis vezes. Na última delas, fizemos 60 eventos em 42 cidades, em 47 dias.

Qual o clima político nos EUA hoje envolvendo a ação contra Assange?
Individualmente, temos apoios entre republicanos e democratas. Cornel West, candidato do Partido Verde à Presidência, nos apoia. Robert F. Kennedy Jr. [pré-candidato do Partido Democrata], também. Institucionalmente, há resistência nos departamentos de Estado e de Justiça. Ali, a origem da perseguição é supostamente o "deep state" [o termo se refere a supostas elites da burocracia estatal que defendem interesses próprios]. Hillary Clinton odeia Julian. E ela orientou Jake Sullivan, conselheiro de Segurança Nacional da Casa Branca, e Victoria Nuland, vice-secretária de Estado, sobre esse assunto. A origem disso deve ser o caso de Hillary [dos emails vazados em 2016].

De que forma o vazamento desses emails impactou o apoio que Assange tinha na esquerda americana?
Hillary culpou todo mundo menos a si própria por perder em 2016. E o Diretório Nacional Democrata se juntou a ela ao culpar a lua, o sol, os russos, Julian e todos os deploráveis. Claro que isso tornou Julian impopular na esquerda. A fragmentação da política americana começou com o trabalho de Julian e só piorou. Mas encontramos apoio nos EUA com base na Primeira Emenda e na Declaração de Direitos. Como nação, os EUA são a Constituição. Tudo o que eles têm é a beleza da Declaração de Direitos, e houve uma decisão, em julho, de um tribunal federal que proibiu agências do governo americano de interferir em redes sociais [ao entrar em contato pedindo moderação de conteúdo]. Vejo uma renovação do apoio à Declaração de Direitos.

Depois do trabalho conjunto nos primeiros vazamentos, houve um afastamento entre o Wikileaks e a imprensa internacional. Qual o cenário na mídia americana hoje quanto à ação contra Assange?
A grande mídia se voltou contra Julian. Mas, em novembro do ano passado, os parceiros originais do Wikileaks –como Le Monde, Der Spielgel e The New York Times– escreveram cartas ao Departamento de Justiça pedindo que as acusações contra Julian sejam retiradas. Eles perceberam que, se Julian, como editor que é, for acusado de espionagem, o poder da imprensa tradicional está ameaçado –e esses veículos podem ser reduzidos a meios de propaganda governamental.

Aliás, a impressão é que isso já aconteceu. A imprensa tradicional parece ter perdido a capacidade de agir com independência diante de pedidos do governo e de avaliar as coisas pelo que elas são. Apesar disso, o apoio a Julian ressurgiu. Não é um apoio vigoroso, mas é um apoio.

Independentemente da conclusão do caso, o processo contra Assange foi bem-sucedido em intimidar delatores e veículos independentes? A intimidação é completa. A Ucrânia é um exemplo, toda a imprensa tradicional fala em uma só voz. É a mesma perspectiva. Ao mesmo tempo, a mídia alternativa está prosperando. Tucker Carlson fez um Twitter Spaces com cem milhões de visualizações.

Tucker Carlson foi demitido da Fox News e é conhecido por disseminar desinformação. Não era isso que o Wikileaks dizia defender no começo.
Concordo. Mas posso falar também de blogs como o Moon of Alabama, com uma vigorosa seção de comentários. É um fenômeno pelo qual Julian torcia: fóruns nos quais pessoas pudessem analisar dados em busca de entendimento. O Substack tem seções de comentários, em que se cria um pequeno fórum.

O sr. mencionou a decisão sobre as redes sociais, celebrada pela direita, e Tucker Carlson. O filme mostra o lobby que vocês fizeram para conseguir um perdão presidencial de Donald Trump perto do fim de seu mandato. A direita hoje é a principal aliada? Por que articular com Trump pareceu mais adequado?
Ele estava perto do fim do governo. Tradicionalmente, presidentes americanos costumam conceder o perdão perto do fim de seus mandatos [Trump concedeu a graça presidencial em outros momentos, mas ofereceu clemência a 143 pessoas no fim da gestão]. Quanto ao governo Biden, temos a Austrália, como Estado, agindo em nosso nome. Não precisamos mais fazer tantos contatos com a Casa Branca.

Os EUA têm eleição presidencial no ano que vem. Que resultado é melhor para a causa de vocês?
O filho de Trump diz por aí que o pai vai perdoar Julian, mas Trump mesmo não diz nada sobre o assunto. Difícil fazer previsões.


Raio-X | John Shipton, 76

Pai de Julian Assange, o fundador do Wikileaks, o australiano de 76 anos viaja o mundo em defesa do filho, preso no Reino Unido, onde aguarda uma possível extradição para os EUA. Ele se aposentou depois de trabalhar na área de construção civil.

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