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Governo Biden China

China procura normalização possível antes da campanha nos EUA

Se Xi precisa evitar mais danos à sua economia, ele sabe que tem Trump à espera na campanha pela Casa Branca

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São Paulo

O presidente dos Estados Unidos e o líder do regime chinês se encontram em um momento de grande desgaste de suas gestões, com os temores do mundo girando em torno do conflito no Oriente Médio.

Poderia ser a descrição da reunião de cúpula entre Joe Biden e Xi Jinping nesta quarta (15), mas também é um relato aplicável ao mais importante encontro entre americanos e chineses da história, em 1972 entre um pressionado Richard Nixon e um Mao Tsé-Tung no ocaso de seu poder.

O presidente americano, Joe Biden, 80, cumprimenta o líder chinês Xi Jinping, 70, em Woodside (Califórnia)
O presidente americano, Joe Biden, 80, cumprimenta o líder chinês Xi Jinping, 70, em Woodside (Califórnia) - Kevin Lamarque/Reuters

Não se esperava um avanço histórico tão grande, até porque naquele momento eram países extremamente desiguais em suas capacidades com um sujeito oculto à mesa, a União Soviética, que os EUA queriam afastar ainda mais da outra potência comunista da Ásia.

Deu certo, e, no processo, Pequim normalizou relações com Washington, transformou-se no parque laboral do Ocidente, ascendeu como segunda potência econômica do mundo e passou a desafiar os americanos sob Xi, no poder desde 2012, recriando em outros termos a Guerra Fria encerrada com a implosão soviética de 1991.

A principal diferença está na organização do mundo, com a interdependência econômica entre EUA e China, que em 2022 viu o fluxo comercial entre os rivais chegar a um recorde histórico, equivalente a um terço do Produto Interno Bruto brasileiro e com um superávit de US$ 382 bilhões para os chineses.

Em grande parte da agenda mundial, americanos e chineses passaram a concordar em discordar, de forma mais acentuada desde que Donald Trump, o antecessor que quer ser sucessor de Biden em 2024, disparou a Guerra Fria 2.0 em 2017.

A pauta de contenciosos é vasta, dos uigures na China à Guerra da Ucrânia, passando novamente pelo Oriente Médio em crise —desta vez, com Biden flexionando todos os músculos convencionais dos EUA em favor de Israel, deixando a China, recém-saída do sucesso da aproximação Irã-Arábia Saudita, isolada.

Como sempre ocorre nesse tipo de reunião, o principal já foi conversado e acertado há muito tempo. Ele passa pela reabertura de canais de comunicações para evitar erros de cálculo, militares inclusive, mas não só. Evitar uma Terceira Guerra Mundial é objetivo nobre.

A reunião indica uma reaproximação tática na qual Xi se mostra o principal interessado. A economia chinesa cresceu meros 3% em 2022, nada para seu padrão, e as dificuldades relacionadas à sua bolha imobiliária e aos efeitos da Covid prolongada, por assim dizer, sobre suas cadeias produtivas, ameaçam trazer instabilidade social.

Este é o principal item inaceitável para um regime baseado na ideia de superioridade de modelo, ainda que os chineses sejam opostos aos soviéticos e só queiram saber de negócios, não de exportar a revolução.

Assim, os meses que antecederam o encontro em Woodside, perto de San Francisco, são reveladores da maior necessidade chinesa de ter uma relação normalizada com os EUA neste momento. Como sempre em diplomacia, isso se deu com sinais trocados para não transmitir fraqueza ao adversário.

Para cada assopro, uma mordida. Mas os primeiros foram mais importantes: Xi encontrou-se com o premiê australiano, que lidera o país que os EUA querem transformar em seu porta-aviões, ao lado do Japão, no Indo-Pacífico por meio de iniciativas como o pacto militar Aukus.

Mesmo Tóquio, que retomou um militarismo não visto desde a Segunda Guerra Mundial com a bênção de quem obliterou seu império, os EUA, esteve no alvo das cortes de Pequim. O chanceler Wang Yi encontrou-se na semana passada com uma importante autoridade de segurança japonesa, Takeo Akiba, e Xi deve encontrar o premiê Fumio Kishida em San Francisco.

Na mão contrária, asseverando o poder que lhe é possível, Pequim tem aumentando suas rusgas no mar do Sul da China, desta vez com as Filipinas. O controle sobre aquelas rotas marítimas é vital para sua sobrevivência estratégica, o que explica a forte presença militar americana na região.

Além disso, a retórica agressiva sobre a retomada de Taiwan, ilha autônoma que os EUA prometem defender ao mesmo tempo em que a reconhecem como chinesa no papel, segue em alta. O tema é um dos mais espinhosos na relação bilateral Xi-Biden, noves fora a escalada da guerra comercial na área de chips, tocada pelo americano.

Tal sinalização é positiva para a paz mundial. Um dos grandes avanços nas últimas semanas foi a retomada das discussões sobre o controle de armas nucleares. A China é a terceira potência no setor, com 320 ogivas, e nunca assinou nenhum tratado.

O último que havia sido herdado do fim da Guerra Fria, que limita o número de bombas estratégicas (as que destroem cidades) e seus veículos lançadores, foi abandonado pela rival que realmente interessa os EUA, a Rússia, neste ano.

Foi mais uma decorrência do esfarelamento da relação Moscou-Ocidente, cortesia da invasão da Ucrânia. Russos e americanos ainda são donos de 90% das ogivas do mundo, mas a China está expandindo rapidamente seu arsenal, de olho nas capacidades americanas de torná-lo inócuo com o uso de sistemas antimísseis e outros meios.

Vladimir Putin, a exemplo de Leonid Brejnev em 1972, era o nome a não ser dito em voz alta na mesa, ao menos nos primeiros relatos que emergiram. O apoio de Xi ao russo pode não ter se concretizado em grandes ações militares, mas é real e ajuda a manter Moscou respirando economicamente em sua guerra.

Por fim, a preocupação expressada anteriormente com a aplicação militar da inteligência artificial, o que leva a cenários famosos de ficção científica como a franquia hollywoodiana "O Exterminador do Futuro" lembra, é outro ponto positivo. Este é um problema real e imediato.

Questão maior é o tempo. Se Xi precisa evitar mais danos à sua economia, ele sabe que tem Trump à espera na campanha pela Casa Branca —que terá na sua largada a eleição de Taiwan em janeiro.

A agressividade retórica do republicano ante a China é conhecida, ainda que Biden só a tenha ampliado na prática. Parece difícil ver algum dos candidatos nos EUA prometendo cooperação com o regime como tema de sua campanha.

Erramos: o texto foi alterado

O processo de impeachment contra o presidente americano Richard Nixon começou em 1973, não em 1972, como afirmou incorretamente versão anterior deste texto.

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