Proteger a comunidade judaica na Europa é prioridade absoluta, diz vice da Comissão Europeia

Margaritis Schinas relata alta em antissemitismo, mas também na islamofobia em países do bloco europeu

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São Paulo

Com a disseminação dos incidentes antissemitas na Europa –segundo levantamento da Liga Anti-Difamação, houve mais de 1.264 desde o início da guerra entre Hamas e Israel– a proteção e o apoio político à comunidade judaica são prioridade absoluta do governo da União Europeia.

"A segurança da comunidade judaica na Europa não é apenas mais um problema, é 'o' problema. "Estamos determinados a apoiar nossos cidadãos judeus de todas as maneiras", disse à Folha o grego Margaritis Schinas, vice-presidente da Comissão Europeia, que esteve no Brasil para se reunir com empresários e autoridades.

O combate ao antissemitismo faz parte das suas atribuições como vice-presidente da UE. Houve um aumento nos incidentes antissemitas no bloco. Como vocês estão lidando com isso?
Há dois anos, apresentei a primeira estratégia da UE para combater o antissemitismo e promover a vida judaica na Europa. Aquilo que apresentamos se tornou uma prioridade absoluta. A segurança da comunidade judaica na Europa não é apenas mais um problema, é "o" problema, é algo que levamos muito a sério. O Holocausto foi a página mais sombria da hi stória da Europa, então estamos determinados agora a apoiar nossos cidadãos judeus de todas as maneiras. Eles fazem parte do nosso modo de vida europeu, e faremos tudo o que for possível para que se sintam seguros.

Vocês estão adotando medidas especiais por causa do aumento no antissemitismo?
Estamos reforçando o nível de proteção aos locais de culto judaicos e escolas. Estamos aumentando o financiamento para ter mais camadas de proteção. E queremos garantir que, politicamente, estaremos ao apoiando as comunidades judaicas de formas bem visível, para que não se sintam sozinhos. Visitei as comunidades judaicas em Estrasburgo [França] nas últimas semanas. Estive na Antuérpia [Bélgica], e aqui em São Paulo, estive no Museu Judaico.

Homem branco, de cabelos castanhos escuros, usando terno, fala em frente a um pódio
O vice-presidente da Comissão Europeia, Margaritis Schinas, fala em entrevista coletiva. - Nikolay DOYCHINOV/AFP

Como o sr. reage às críticas de que a UE não está fazendo o suficiente para tentar deter os ataques contra civis em Gaza?
A União Europeia é uma força do bem no Oriente Médio. Condenamos, é claro, o ataque terrorista do Hamas e pedimos que a resposta de Israel esteja de acordo com o direito internacional. Estamos cooperando com outros países para libertar reféns [do Hamas], muitos dos quais têm dupla nacionalidade europeia e israelense, e somos os campeões mundiais de ajuda humanitária para os palestinos. Mesmo antes disso, éramos os únicos que apoiavam os palestinos, então não aceito lições de moral. A Europa tem algo significativo a oferecer, somos parte da solução, não do problema.

Vocês estão negociando com o Hamas a libertação desses reféns?
Bem, você sabe que quando se trata dessas questões, é melhor fazer e não dizer o que fazemos. Mas estamos trabalhando com os americanos, com Qatar, Arábia Saudita e Egito para tentar facilitar [a libertação].

Houve críticas à decisão da Alemanha e da França de proibir manifestações pró-palestinos. Para alguns, trata-se de violação da liberdade de expressão. Como o sr vê isso?
Todas essas situações são específicas de cada país e de cada momento e não são competência de Bruxelas. A segurança e os aspectos operacionais da segurança e do Judiciário estão além do nosso alcance.

O senhor participou da Cúpula do Cairo, para discutir a guerra entre Hamas e Israel. Como encara as propostas de cessar-fogo em Gaza?
A conferência do Cairo foi muito mais importante por ter acontecido no momento em que aconteceu, e com os participantes que reuniu, em vez de valorizarmos um comunicado, que eu considero secundário [a conferência terminou sem os participantes conseguirem concordar com uma declaração final]. O fato de estarmos lá, europeus, americanos, líderes árabes de alto nível, foi uma verdadeira confirmação de que há espaço para desintoxicar a gestão dessa crise. Em segundo lugar, foi um gesto para o presidente Sisi [ditador do Egito, Abdel Fattah El-Sisi], porque o Egito é um país-chave, um ator fundamental. E fiquei bastante encorajado pelo fato de a União Europeia ter contribuições muito significativas a oferecer, mas também pelos líderes árabes que participaram, que não contribuíram para aumentar as tensões. Houve uma sensação clara de que precisamos distensionar.

Mas Israel não estava presente...
Sim, Israel não estava presente, e o Irã também não estava. Mas eu não acho que muitos teriam aceitado que Israel fosse para o Cairo negociar. É muito importante que os ocidentais e os árabes pediram e, até certo ponto, tenham conseguido a libertação de reféns. As primeiras libertações aconteceram horas depois da reunião do Cairo, os primeiros caminhões de ajuda humanitária entraram em Gaza após a reunião do Cairo, e o sentimento de que é preciso "desescalar" prevaleceu.

Ameaças dentro da União Europeia ligadas ao conflito no Oriente Médio são uma preocupação?
Sim, definitivamente. Discutimos isso com os ministros de assuntos internos de nossos Estados-membros. A maior preocupação é com o risco de lobos solitários, os chamados jihadistas atmosféricos. Não são grupos organizados que entram na Europa equipados com um arsenal e planos para um ataque massivo, mas sim um lobo solitário que está na Europa e é influenciado por uma ruptura familiar, colapso emocional, problemas de educação ou desemprego. De alguma forma, eles canalizam sua frustração para essa jihad atmosférica, que é inspirada por acontecimentos. Esse é um risco que levamos muito a sério. Mas também queremos garantir que, na Europa, vivamos em uma sociedade onde protegemos nossas comunidades judaicas, mas, ao mesmo tempo, não permitimos um clima generalizado de islamofobia.

Houve aumento significativo na islamofobia na Europa?
Sim, principalmente na internet. Estamos enfrentando muitos sentimentos islamofóbicos e antissemitas online. Esse é o novo terreno onde isso é sentido, especialmente na Europa, mas espero que estejamos melhor preparados agora para lidar com isso do que na pandemia, por causa do Digital Services Act [DSA, regulação de internet que acaba de entrar em vigor no bloco e aumenta a responsabilidade das plataformas por discurso de ódio].

A Europa agora tem uma camada de proteção regulatória em que as plataformas são mais responsáveis. Este é um momento em que estamos contando com a cooperação delas, elas não podem errar e sabem disso. Também temos outra lei aplicável, que proíbe conteúdo terrorista online, que precisa ser removido em até uma hora após ser detectado ou denunciado. Embora tenhamos um nível bem elevado de ameaça à segurança, ao mesmo tempo, é a primeira vez que temos ferramentas em nossas mãos para lidar com isso, ferramentas que criamos coletivamente e estamos usando.

O senhor disse recentemente que a UE está mais perto do que nunca de resolver o problema da migração. Mas há pouco tempo, porque no próximo ano a UE terá eleições e novos governos podem complicar muito a aprovação de um acordo. Como o sr. vê essa questão?
Tentamos trabalhar ao mesmo tempo como arquitetos desse novo sistema, o novo pacto para migração de asilo, mas também fomos forçados a trabalhar como bombeiros, correndo de crise em crise. Nunca seremos bem-sucedidos como bombeiros, a menos que tenhamos sucesso como arquitetos. E a estação de bombeiros que estamos construindo está mais próxima do que nunca de ser adotada. É uma casa com três andares: o primeiro é a relação com os países de origem e trânsito. Acordos de parceria com esses países para que eles possam nos ajudar a gerenciar [o fluxo de migrantes e refugiados].

O segundo andar é o gerenciamento de fronteiras e medidas de segurança. Precisamos proteger a fronteira externa da União Europeia coletivamente, e precisamos de procedimentos uniformes. E o terceiro andar é a solidariedade e o compartilhamento do ônus, para que compartilhemos entre os 27 [países-membros da UE] as obrigações derivadas do nosso pacto.

Ainda há divergências, mas o passo mais importante foi dado, que é ter posições comuns. Espero que, quando os europeus forem votar em junho, eles votem sabendo que a Europa resolveu sua questão migratória. Caso contrário, mais uma vez, os demagogos e populistas atacarão a Europa como um ente incompetente ou impotente.

Qual é o principal objetivo da sua viagem à América Latina?
O objetivo dessa visita, seguindo a orientação da presidente Ursula Von der Leyen, é reafirmar os laços e a profundidade de nossa parceria com a América Latina. Às vezes, a geografia e o fato de que agora estamos enfrentando uma guerra dá a impressão de que estamos dando as costas à região. Não estamos, estamos ombro a ombro e é isso que eu quero transmitir.

Além disso, o objetivo mais amplo é falar de dois temas cruciais para a UE que são particularmente relevantes para a América Latina: políticas da Europa de proteção das fronteiras, de segurança em questões de saúde pública e migração, e também as oportunidades oferecidas pela Europa em educação e cultura.

O acordo UE-Mercosul é um dos principais temas na agenda de relações bilaterais. Sei que não faz parte do seu portfólio, mas o senhor acredita que finalmente o acordo possa sair do papel?
A todos que encontrei aqui, o governador Tarcísio de Freitas, estudantes na Unesp, na Fiesp, falei que a promulgação do acordo de comércio seria um divisor de águas, seria um impulso que levaria nossa cooperação comercial a níveis impensáveis. Senti que todos compartilham essa visão, não faz sentido esperar mais. E acho que nenhum obstáculo será grande o suficiente para impedir o acordo.


Raio-X | Margaritis Schinas, 61

Nascido em Tessalônica, na Grécia, já ocupou diversos cargos políticos importantes na União Europeia. Antes, foi membro de diferentes governos gregos e eurodeputado no Parlamento Europeu. Desde 2019, é vice-presidente da Comissão Europeia, o órgão executivo do bloco, liderada por Ursula von der Leyen.

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