Sánchez quer colonizar Judiciário e erguer democracia populista, diz prefeito de Madri

José Luis Martínez-Almeida acusa premiê de beneficiar terroristas e tentar se manter no cargo a qualquer custo

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São Paulo

A maioria parlamentar, ponta do iceberg que acirrou a crise política na Espanha, hoje dividida sobre o projeto do premiê Pedro Sánchez de anistiar independentistas catalães, não foi um problema para José Luis Martínez-Almeida, 48, o prefeito da capital Madri.

O advogado governa com maioria absoluta após seu partido, o PP (Partido Popular), principal legenda de oposição ao PSOE (Partido Socialista Operário Espanhol) de Sánchez, obter 29 dos 57 assentos do Legislativo local, número exato de cadeiras necessárias para formar maioria, nas eleições do primeiro semestre, realizadas em maio.

O prefeito de Madri, José Luis Martínez-Almeida, do PP, na Prefeitura de São Paulo
O prefeito de Madri, José Luis Martínez-Almeida, do PP, na Prefeitura de São Paulo - Zanone Fraissat/Folhapress

Durante breve visita a São Paulo para participar da assembleia geral da União de Cidades Capitais Ibero-americanas, grupo que hoje copreside e do qual participam a capital paulista e a capital espanhola, além de outros 27 municípios, o líder de Madri conversou com a Folha.

Almeida falou sobre a rebelião social na Espanha, os desafios de sua cidade e a eleição de Javier Milei na Argentina, que ocorrera dias antes.

Ele acusa Sánchez de cooptar o Judiciário em meio a um imbróglio que se estende por anos no país para redefinir as regras de eleição de magistrados e afirma que o premiê mina a democracia ao fazer um acordo para anistiar o que o prefeito chama de terroristas. Ele também defende uma intervenção da União Europeia.

Como o sr. define as perspectivas para a Espanha com a reeleição do premiê Pedro Sánchez?
Não são boas. Em primeiro lugar porque não se pode governar contra metade de um país, e é isso que Pedro Sánchez quer. Uma coisa é que não tenham votado em você; outra é que você queira governar contra eles. Em segundo lugar, porque é um governo que não crê em nosso modelo de convivência, que não crê na Constituição de 1978 e que tem o propósito confesso de acabar com a unidade na Espanha.

O sr. já disse que a Espanha está mais próxima de uma democracia populista do que de uma democracia liberal.
A qualidade da democracia se sustenta sobre as instituições. E Sánchez tem fragmentado essa qualidade. Quando se pretende colonizar o Poder Judiciário, como ele pretende, quando se atende às demandas daqueles que tentaram dar um golpe de Estado, como foram os independentistas na Catalunha, há um problema.

Pedro Sánchez não entende a democracia como um muro no qual todos temos que nos refugiar, mas como um muro no qual ele deve se proteger. Crê em uma democracia na qual ele seja primeiro-ministro; do contrário, não seria uma democracia.

O PP teve oportunidade de formar governo e não conseguiu. Na sua análise, quais foram os erros do partido?
Devemos lembrar que ganhamos as eleições gerais. Fomos o partido mais votado. Não conseguimos o objetivo principal, que era formar um governo, mas acho que temos que olhar o futuro. A Espanha precisa do Partido Popular mais do que nunca. Somos a primeira força a nível nacional, no Congresso, nas regiões e nas prefeituras.

A necessidade de formar maioria parlamentar não foi um problema para o sr. Em Madri, o PP alcançou maioria sozinho. Quais os louros e os dilemas de um governo unicolor?
A maioria absoluta te permite ser mais ágil no processo de tomada de decisões, mas tem riscos, que são se isolar do resto das forças políticas. O que queremos é governar a partir do diálogo e do entendimento das forças que representam o conjunto dos cidadãos. Claro que a decisão final cabe a nós, que somos governo, mas não podemos ignorar todos aqueles madrilenos que não votaram em nós.

Como fica a relação PP-PSOE e entre governo municipal e nacional?
É uma relação complicada. Nos pactos de Pedro Sánchez com os independentistas catalães e os nacionalistas bascos há uma série de privilégios que não serão aplicados em territórios como Madri.

Somos dois modelos políticos completamente distintos. O modelo do governo Sánchez é antagônico em relação ao da cidade de Madri. E nos últimos anos, sempre que teve que encontrar um culpado, ele apontava Madri. Nosso modelo político está suficientemente definido para seguir construindo o melhor momento de Madri em sua história.

Pode descrever melhor os dois modelos políticos antagônicos?
Há um modelo político de Madri baseado em impostos mais baixos, na confiança da comunidade de tomar decisões como ocorre na educação, onde se garante a liberdade de educação, e a simplificação das normas jurídicas e dos trâmites burocráticos para investimentos.

Isso frente a um governo nacional que tem uma hiperprodução legislativa, que subiu os impostos a todos os espanhóis e que mostra uma desconfiança em relação aos empresários, enquanto nós entendemos que os empresários são aliados na geração de riqueza.

Como avalia os protestos contra a anistia? Em alguns, manifestantes cercaram sedes do PSOE em Madri.
Minha avaliação sobre a mobilização que há na sociedade clamando que não se rompa a igualdade que há entre os espanhóis é positiva. E a igualdade se rompe quando se perdoam delitos de delinquentes porque se necessita de votos para ser premiê. Se não necessitasse seus votos, não haveria anistia. Não é uma bandeira de reconciliação, mas uma motivação política de ser premiê a qualquer custo.

A imensa maioria das mobilizações foi totalmente pacífica, e em algumas, por uma parte minoritária, houve incidentes que condeno. E há uma contradição: a anistia está perdoando pessoas que cometeram atos terroristas na Catalunha. Não se pode dizer que o que ocorre em Madri seja condenável por parte daqueles que hoje vão anistiar terroristas. Há alguns que condenamos a violência seja onde seja e quando seja. Condenei na Catalunha em 2019 e condeno em Madri em 2023 naqueles casos em que isso ocorreu.

Qual o plano do PP para barrar a anistia?
Exercer nossa responsabilidade no Parlamento, denunciar, sem descanso, o que significa a anistia, fazer um trabalho institucional de denúncia e ir ao Tribunal Constitucional, além de garantir o caráter pacífico da rebelião cívica que neste momento ocorre em Espanha.

O sr. confia no sistema de Justiça?
Não confio em Pedro Sánchez. Confio no sistema de Justiça porque sou um defensor de que a democracia se baseia nos poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, mas Pedro Sánchez parece ter muito claro que o poder Executivo é o premiê, que o Legislativo está subordinado de maneira vergonhosa a ele e agora avança sobre o poder Judiciário. E com isso quer acabar com qualquer contrapeso que se possa produzir no exercício do seu governo.

Esse momento pode radicalizar a cidadania?
Depende do que se entende por radicalização. Se for a defesa do Estado de Direito e da Constituição, creio ser necessária. Se tiver outras consequências, isso não é bom. Não sou partidário da polarização e da criação de muros na sociedade. Mas nunca nossa democracia esteve em tanto perigo como hoje.

Há expectativa sobre algum papel da União Europeia nesse tema?
Entendo que os elementos colocados à mesa na Espanha não são diferentes dos que provocaram as intervenções da União Europeia em defesa do Estado de Direito na Polônia e na Hungria. São dois países nos quais a UE interveio.

Quais os principais desafios de Madri?
A política municipal é de "paso corto, mirada larga": temos que ser conscientes de que temos que gerir uma cidade complexa no dia a dia, com boa limpeza, estado de conservação, mobilidade e melhora da qualidade de vida, mas também onde queremos ir.

Queremos que Madri seja uma cidade com melhores qualidades de vida, com serviços públicos. A capacidade da cidadania de sentir que não é apenas uma cidade de oportunidades profissionais, mas que o melhor lugar para estar é Madri.

Nas cidades brasileiras, um dos grandes problemas é a crise econômica. Esse é um desafio que chega a Madri?
Madri não vive situações de pobreza extrema, mas há pessoas em situação de vulnerabilidade, e temos a obrigação de atender e de gerar políticas que permitam que saiam dessa situação. Há uma primeira parte assistencial e uma segunda que é criar condições para que recuperem as rédeas de suas vidas.

Quais as políticas mais adequadas de inclusão? O assistencialismo, como no modelo brasileiro do Bolsa Família, ou outro modelo?
A melhor é a educativa, que faz com que todas as pessoas, ricas e pobres, possam ter as mesmas oportunidades. E a melhor forma também é ter um emprego, é isso que marca a capacidade econômica das pessoas. É preciso entender o assistencialismo como algo que tem de existir mas não é a solução. A solução não é ter os cidadãos presos a recursos públicos para sobreviver, mas políticas públicas que permitam que eles vivam com o que fazem de suas vidas. É um enfoque que Madri tem e que também nos diferencia do governo da Espanha.

Como vê a eleição de Javier Milei na Argentina?
Os argentinos expressaram de maneira muito clara que querem uma mudança, que a política praticada durante décadas no país já não lhes serve. O que deve ser feito é desejar sorte ao ganhador das eleições, porque sua sorte será a da Argentina. E ter em mente que os argentinos não só votaram a favor de Javier Milei, mas também contra uma forma de fazer política, o peronismo, que eles entendem estar esgotada.

Há algumas propostas de Milei lidas como muito polêmicas. Vê sentido na espécie de medo que a figura de Milei desperta em alguns setores?
É preciso dar tempo. É certo que [Milei] tem algumas propostas que chamam a atenção mas também é certo que a vitória foi expressiva. Também creio que quem teve um papel importante nesse caso foi o Juntos pela Mudança, [coalizão] de Mauricio Macri, estrutura que será necessária para formar o governo. A única coisa que está clara é que os argentinos, entre a resignação e a mudança, votaram pela mudança.


Raio-X | José Luis Martínez-Almeida, 48

Nascido em Madri, formou-se em direito pela Pontifícia Universidade de Comillas e foi advogado do Estado —cargo com atribuições semelhantes às de um advogado da União— desde 2001.

Foi eleito pela primeira vez em 2019, quando, para formar maioria, seu partido, PP, teve de aliar-se ao Vox, de ultradireita. Foi reeleito em maio de 2023, desta vez com maioria absoluta. É copresidente da União de Cidades Capitais Ibero-americanas (UCCI).

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