Decisão de Haia deixa Israel isolado, diz representante de palestinos no TPI

Para advogado francês Gilles Devers, anúncio da CIJ reconhece direito palestino à proteção mesmo sem ordenar cessar-fogo

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André Fontenelle
Paris

Para o advogado francês Gilles Devers, que encabeça um time de defensores da sociedade civil palestina contra Israel em uma ação no Tribunal Penal Internacional (TPI), a decisão da Corte Internacional de Justiça (CIJ) desta sexta-feira (26) é uma "reprimenda terrível" para Israel e "mais que encorajadora" para os palestinos.

Jovens coletam livros em meio a escombros
Jovens palestinos resgatam livros em meio a escombros de mesquita bombardeada por Israel em Rafah, no sul da Faixa de Gaza - AFP

Devers ressalta como principais aspectos da decisão da CIJ, principal órgão judicial da ONU, o fato de seu texto não usar em nenhum momento o termo "terrorismo"; não acolher ao direito à legítima defesa invocado por Israel; e adotar a expressão "povo palestino", reconhecendo o direito dessa população à proteção.

Ele chama a atenção ainda para a quase unanimidade da sentença —dos 17 magistrados da corte, 15 votaram a favor dela. Isso, segundo o advogado, confere "um poder ainda maior" ao texto. "Isso não chega a dar asas a nós, advogados, mas dá uma força especial para prosseguir perante o Tribunal Penal Internacional (TPI) e todas as instâncias das Nações Unidas."

Enquanto a CIJ, também conhecida como Corte de Haia, julga Estados, o TPI se ocupa de indivíduos. É nesse segundo que Devers lidera uma denúncia contra Israel —a ação, submetida por um grupo de 600 advogados, pede mandados de prisão para o primeiro-ministro Binyamin Netanyahu, seu ministro da Defesa, Yoav Gallant, e comandantes do Exército.

Para Devers, a condenação da ordem judicial por Netanyahu deixa o Estado judeu "em um impasse". "Como pertencer à comunidade internacional quando não se respeita sua mais alta jurisdição, a CIJ, que é da ONU? Quando você adere à ONU como Estado, mas não respeita sua jurisdição, você se coloca à margem. Israel está sendo abandonado por todos os lados."

Embora os juízes não estivessem decidindo se há ou não genocídio, Devers considerou "um bom começo" a determinação de medidas emergenciais.

"Se há genocídio ou não, não é de modo algum o debate agora, que é complexo. O trabalho dos juízes exige tempo e há muitos elementos que precisam ser verificados. São 26 mil mortos, fora os que estão nos escombros", diz ele, mencionando cifra divulgada pelas autoridades de saúde de Gaza, ligadas ao Hamas, nesta sexta.

"Lembro que em Srebrenica [massacre na guerra da Bósnia, em 1995] considerou-se genocídio com cerca de 8.000 mortos."

O advogado minimiza o fato de a CIJ não ter determinado um cessar-fogo. Explica que, como as duas partes envolvidas na decisão, África do Sul e Israel, não estão em conflito armado, o instrumento fugia à alçada dos juízes.

Em relação a outra crítica à decisão, a formulação supostamente vaga do texto, para ele era "impossível fazer de outro jeito", já que era preciso decidir nos termos da convenção sobre a prevenção do genocídio na Faixa de Gaza. "A decisão continua muito 'legível'. São juízes calejados, que trabalham com assistentes, e uma palavra não pode ser usada no lugar de outra."

Embora Devers diga que, como advogado, não pode se pronunciar sobre o apoio declarado pelo presidente Lula à petição sul-africana, ele afirma que a posição da diplomacia brasileira "contará muito" caso a questão chegue ao TPI.

"O apoio dos Estados conta muito para o espírito dos procuradores." Ele cita outros países, como México, Chile, Bolívia, Comores, Djibuti e Bangladesh, que também se declararam solidários à posição sul-africana.

"Estamos assistindo a uma falência, que se acelerou nos últimos dias, da pretensão ocidental de dizer: ‘Somos nós que defendemos o direito, e os outros seguem minha lição.’ Hoje são os países do Sul que dão a lição", completa.

Quanto às potências que declaram apoio a Israel no conflito, o advogado francês considera que a decisão as libera para adotarem uma posição independente.

"São Estados que se sentiam presos à armadilha do apoio a Netanyahu e sua famigerada ‘luta contra o terrorismo’, que o tribunal ignorou e considerou um mero argumento retórico, sem conteúdo jurídico. Esses Estados podem mudar de atitude, e já vimos uma declaração da Alemanha nesse sentido."

A Alemanha é um dos apoiadores mais inabaláveis de Israel, em parte dada a sensibilidade da memória do Holocausto no país europeu. Em comunicado emitido após a decisão da CIJ, Berlim afirmou que "a corte deixou claro que as ações de Israel em Gaza acontecem após o terror bárbaro do 7 de outubro". Mas ressaltou que as decisões da corte são vinculativas, e que Israel precisa cumpri-las.

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