Justiça do Quênia veta envio de policiais ao Haiti e freia força multinacional

Iniciativa, que conta com apoio da ONU, busca controlar caos no país caribenho; governo queniano deve recorrer

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AFP

O Supremo Tribunal do Quênia considerou nesta sexta-feira (26) "inconstitucional, ilegal e inválido" o plano do governo de enviar mil agentes policiais ao Haiti para uma missão internacional apoiada pela ONU (Organização das Nações Unidas).

"O Conselho de Segurança Nacional não tem nenhum mandato para enviar agentes da polícia nacional para fora do Quênia", avaliou o juiz Enock Chacha Mwita. Segundo o porta-voz Isaac Maigua Mwaura, o governo queniano recorrerá imediatamente da decisão judicial.

Foto mostra um homem negro e careca; ele usa óculos de grau e terno cinza com camisa branca e grava marrom; ele está em um tribunal
O juiz do Supremo Tribunal do Quênia, Enock Chacha Mwita, profere decisão que declara inconstitucional a intenção do governo de enviar policiais para liderar uma missão aprovada pela ONU ao Haiti - Monicah Mwangi/Reuters

A sentença freia, ao menos por ora, a iniciativa de enviar uma força multinacional para conter a violência em Porto Príncipe, hoje em grande parte controlada por grupos armados. Em 2023, a violência de gangues deixou cerca de 5.000 mortos no Haiti, dos quais mais de 2.700 eram civis, de acordo com o último relatório da ONU. O mesmo documento diz ainda que o país atravessa uma das piores situações de insegurança alimentar do mundo.

Diante dos chamados cada vez mais urgentes da administração da nação caribenha e da ONU, o Quênia concordou em liderar uma missão à ilha em julho de 2023. Em novembro, o plano foi aprovado pelo Parlamento.

Mas a iniciativa gerou protestos no país, e o político da oposição Ekuru Aukot acabou por recorrer ao Tribunal Superior de Nairóbi, alegando que a missão é inconstitucional por não se basear em nenhuma lei ou tratado local.

Aukot, que já foi candidato à Presidência, criticou o presidente William Ruto por assumir uma missão de paz enquanto o Quênia enfrenta seus próprios problemas de segurança, relacionados a ataques terroristas e conflitos étnicos. Segundo a ação movida pelo opositor, o envio dos policiais seria contrário à Constituição, porque apenas o Exército poderia ser enviado para fora do país.

O país africano já participou de várias missões de paz em nações vizinhas, como a República Democrática do Congo e a Somália, e em outras partes do mundo, incluindo Timor Leste e a antiga Iugoslávia. O governo queniano foi, no entanto, duramente criticado ao anunciar que enviaria ajuda ao Haiti, devido ao contexto de insegurança e instabilidade da ilha caribenha.

A missão seria composta por cerca de 2.500 agentes e deveria ocorrer durante o primeiro trimestre deste ano, segundo a representante especial adjunta das Nações Unidas no Haiti. Inicialmente, a ação —que, apesar de apoiada pela ONU, não seria realizada sob a sua bandeira— duraria 12 meses, de acordo com a resolução aprovada no Conselho de Segurança da ONU em outubro passado, e seria submetida a uma revisão no nono mês.

Um dos pontos da resolução orientava a futura missão a "tomar medidas apropriadas em matéria de gestão de águas residuais" para prevenir a propagação de doenças. A última força internacional da ONU no território haitiano —a Minustah que, liderada por militares brasileiros, durou de 2004 a 2017— provocou uma epidemia de cólera que deixou mais de 10 mil mortos, episódio que explica parcialmente o distanciamento do organismo multilateral da liderança da ação.

Além do Quênia, apenas países como os também africanos Burundi e Chade, bem como o centro-americano Belize e o caribenho Jamaica, ofereceram agentes. O Brasil manifestou desde o início das negociações que não pretende assumir protagonismo no envio de forças de segurança, como mostrou a Folha em junho de 2023.

A expectativa era de que, uma vez que Nairóbi desse o pontapé inicial no envio de homens, mais países se prontificassem. Os Estados Unidos são o principal patrocinador dos planos de enviar apoio à Polícia Nacional Haitiana, ainda que não pretendam enviar agentes, e sim dinheiro —o país norte-americano é o principal destino de migrantes haitianos que tentam fugir da crise humanitária.

A ONU estima que cerca de 200 mil haitianos tenham sido deslocados durante a atual escalada da violência, com gangues armadas realizando assassinatos indiscriminados, sequestros e estupros coletivos e incendiando casas.

Em setembro passado, o ex-policial Jimmy Chérizier, conhecido como "Barbecue", principal líder das gangues, ameaçou expulsar forçar internacionais que fossem enviadas ao país e derrubar o governo interino do primeiro-ministro, Ariel Henry.

O premiê governa o Haiti desde o assassinato do então presidente da nação, Jovenel Moïse, em 2021, evento que agravou a onda de violência na ilha.

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