Descrição de chapéu The New York Times

Grupo ambientalista armado é nova ameaça no Haiti e aumenta instabilidade

Crise política do país se agravou nesta semana depois que uma brigada ambiental armada, aliada a um ex-líder golpista, exigiu a destituição do primeiro-ministro

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Frances Robles
The New York Times

No Haiti, à medida que o número de assassinatos e sequestros aumenta, até a polícia está fugindo.

Sem um presidente eleito no cargo e um primeiro-ministro considerado ilegítimo, surgem apelos para a destituição do governo de uma fonte improvável: uma brigada de policiais armados responsáveis pela proteção de áreas ambientalmente sensíveis.

Homem está em pé em lago, ao entardecer. Ele está de braços cruzados, olhando para o horizonte
Guy Philippe, ex-comandante da polícia e golpista, retornou ao Haiti depois de cumprir seis anos em uma prisão federal dos EUA por lavagem de dinheiro - Meridith Kohut - 16.out.16/The New York Times

Nesta semana, membros armados e uniformizados da brigada entraram em confronto com as forças governamentais no norte do Haiti, aumentando as tensões em uma nação já fragilizada, onde gangues assumiram o controle de grandes áreas da capital, Porto Príncipe, e estão causando estragos em áreas rurais.

O grupo ambiental Brigada de Segurança de Áreas Protegidas (conhecida como B-SAP), ficou irritado depois que o primeiro-ministro, Ariel Henry, demitiu seu líder. Na quarta-feira, oficiais do grupo tentaram invadir o escritório local de alfândega, e as unidades da polícia nacional haitiana os repeliram usando gás lacrimogêneo.

O que preocupa analistas é a lealdade que alguns dos líderes do grupo declararam publicamente a Guy Philippe, um ex-comandante de polícia e membro ativo em golpes, que retornou ao Haiti depois de cumprir seis anos em uma prisão federal dos EUA.

Philippe retornou para casa, e tem, em menos de dois meses, viajado o país, fortalecendo o apoio à sua chamada revolução.

"Estamos falando de uma revolução, mas não uma revolução sangrenta", disse hilippe em uma entrevista. "Não matamos ninguém. São manifestações pacíficas."

Philippe foi um dos líderes do golpe de 2004 que derrubou o presidente Jean-Bertrand Aristide. Procurado por anos pelos Estados Unidos por tráfico de drogas, viveu livremente no sul do Haiti como fugitivo.

Ele foi preso em 2017, pouco antes de assumir o cargo de senador, condenado em um tribunal federal dos EUA por lavagem de dinheiro.

Philippe foi deportado para o Haiti em novembro. Especialistas viram isso como uma jogada destinada a inflamar a política local.

"Este é um cara que tem manobrado e conspirado por 20 anos para tomar o poder no Haiti", disse James B. Foley, que foi embaixador dos EUA no Haiti durante o golpe de 2004. "Nós o indiciamos, o extraditamos e o deixamos de lado, e agora o enviamos de volta para um Haiti que está em total anarquia, e o resultado é óbvio, previsível e horrível."

Desde que retornou, Phillippe tem vivido em sua base em Pestel, e disse que planeja ir a Porto Príncipe nos próximos dias para realizar protestos. Ele espera que a grande maioria da população o apoie na exigência pela renúncia do primeiro-ministro, Ariel Henry.

Analistas acreditam que o desapontamento geral da população com Henry, principalmente na incapacidade da polícia nacional lidar com as gangues, dará força às intenções de Phillippe.

"Se fosse um golpe, seria um golpe legítimo, mas não estamos fazendo nenhum golpe", disse Philippe. "Não estamos aqui para tomar o poder pela força."

Homem está em vilarejo, andando com pessoas ao lado
Guy Philippe cumprimenta moradores de sua cidade natal, Pestel (Haiti), um ano antes de ser preso - Meridith Kohut - 16.out.16/The New York Times

Em um comunicado, o primeiro-ministro disse estar alarmado com as ações inadequadas de muitos membros do B-SAP, que, segundo ele, não possuem estrutura legal ou administrativa.

Henry afirma que a cobertura da imprensa junto aos oficiais rebeldes corre o risco de criar confusão sobre o trabalho legítimo do grupo de vigilância ambiental. O governo criou uma comissão para revisar o trabalho da agência.

Quanto a Philippe, o escritório do primeiro-ministro disse que "Ariel Henry é responsável por aplicar a lei."

Os Estados Unidos têm pressionado fortemente por uma missão de segurança planejada para o Haiti liderada pelo Quênia, o que alguns analistas veem como um endosso tácito à liderança de Henry.

Philippe disse que "tem amigos" no grupo ambiental no norte, uma aliança que pode ser perigosa. O Haiti, que já foi lar de uma força policial secreta conhecida como Tonton Macoutes, tem uma longa história de forças paramilitares que cometem atrocidades.

Philippe disse que considera o chefe da brigada ambiental "um aliado" com o mesmo objetivo de fazer o primeiro-ministro renunciar.

De acordo com um jornal local, Phillippe e a brigada estão coordenando esforços para se opor ao governo atual.

"O B-SAP não é o braço armado da oposição", disse Jeantel Joseph, que foi demitido da função de chefe da agência e liderou os protestos do grupo.

Joseph disse que ele e Philippe fazem parte de um consórcio maior de partidos políticos, sindicatos e organizações de base comprometidas em encerrar o mandato de Henry de forma pacífica.

Com dois movimentos —sendo Joseph ao norte e Philippe no sul— o primeiro-ministro terá que recuar, disse ele.

Jeantel Joseph afirma que brigada ambiental não é uma ameaça e simplesmente fornecia segurança para as manifestações.

"Nunca houve qualquer questão de tomar o poder pela força das armas", disse.

A situação do Haiti não poderia ser mais grave. De um contingente de cerca de 15 mil policiais, quase 3.000 policiais abandonaram seus postos nos últimos dois anos, de acordo com dados da polícia.

As Nações Unidas informaram esta semana que mais de 4.700 pessoas foram mortas no Haiti no ano passado —mais que o dobro do número em 2022— e quase 2.500 foram sequestradas. Um grupo de freiras locais foi mantido refém por quase uma semana antes de ser libertado na quarta-feira.

Mais de 150 mil pessoas fugiram para os Estados Unidos no ano passado.

A segurança piorou após o assassinato do presidente Jovenel Moïse em 2021. O país não tem sido seguro o suficiente para realizar eleições, e Ariel Henry, o primeiro-ministro nomeado, pediu intervenção internacional.

Em outubro do ano passado, as Nações Unidas aprovaram uma missão de segurança multinacional a ser liderada pelo Quênia, mas ela foi adiada por decisões judiciais internas. O Quênia se comprometeu a fornecer pelo menos 1.000 agentes de segurança, e espera-se que outras nações ofereçam recursos.

A implementação foi adiada devido a objeções sobre se o governo queniano seguiu os protocolos adequados para autorizar a missão. Na sexta (26), o Supremo Tribunal do Quênia barrou a iniciativa.

Philippe denunciou publicamente a missão do Quênia, dizendo que ela apoiaria o governo de Henry e apoiaria o "imperialismo". Ele também divulgou um vídeo chamando os quenianos de "irmãos africanos", mas advertindo que, se aceitassem a implantação, seriam vistos como "inimigos".

O grupo B-SAP deve trabalhar para proteger áreas ambientalmente sensíveis, mas muitas vezes opera de forma independente e longe dessas regiões, segundo um recente relatório das Nações Unidas, questionando o escopo da missão do grupo.

O grupo foi iniciado em 2018 sob o comando de Moïse com 100 pessoas, embora o governo de Ariel Henry pareça ter pouco controle sobre suas ações ou uma ideia de quantos membros estão ativos.

Na terça-feira (23), Henry demitiu o responsável pela agência que administra o B-SAP, o que irritou os membros do grupo. Vídeos compartilhados nas redes sociais mostraram centenas deles cantando nas ruas de Ouanaminthe, no nordeste do Haiti, exigindo o retorno de seu chefe e a saída de Henry.

Perto da fronteira com a República Dominicana, agentes do B-SAP dispararam tiros para o alto e ordenaram aos cidadãos que voltassem para casa.

O B-SAP foi acusado de participar de crimes, disse Gédéon Jean, chefe do Centro de Análise e Pesquisa em Direitos Humanos, uma organização haitiana que suspendeu suas operações em novembro devido ao aumento da violência.

O risco é ainda maior se o grupo se aliar a gangues locais, disse ele.

"O que você tem é uma figura muito disruptiva nesta região", disse Robert Muggah, que liderou um estudo sobre os sindicatos criminosos do Haiti para as Nações Unidas, referindo-se a Guy Philippe.

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