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Javier Milei recua e corre contra o tempo para aprovar pacotão de reformas

Em nova proposta, governo argentino elimina 141 artigos, adia mudança eleitoral e elimina petroleira de privatizações

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Buenos Aires

Ainda que não queira admitir, o presidente Javier Milei deu um passo atrás ao ver o pacotão de leis que propôs para reformar a Argentina travar em comissões do Congresso. Agora, o ultraliberal corre contra o tempo para impulsionar sua aprovação ainda nesta semana, testando pela primeira vez seu apoio.

Nesta segunda (22), o governo apresentou uma nova proposta aos deputados que exclui 141 artigos da versão original, com 664 pontos. Entre as mudanças, o texto reduz o prazo do estado de emergência que concede poderes excepcionais ao Executivo de no máximo quatro para dois anos.

O presidente da Argentina, Javier Milei, após discursar no Fórum Econômico Mundial em Davos, na Suíça, no último dia 17 - Fabrice Coffrini/AFP

Também adia a reforma eleitoral que pretendia acabar com as eleições primárias, retira a petroleira YPF da lista de empresas públicas a serem privatizadas e elimina a polêmica definição de manifestação como "uma reunião de três ou mais pessoas", na intenção declarada de "evitar interpretações incorretas".

Na economia, a proposta altera a fórmula de reajuste de aposentadorias e retira taxas a algumas exportações regionais, em aceno a governadores. Desiste ainda de reduzir fundos ambientais e culturais, diante de protestos de diretores de cinema que incluíram nomes como o do espanhol Pedro Almodóvar.

Por outro lado, o projeto de Milei mantém a maioria das suas reformas de base, como a privatização completa ou parcial de outras 40 estatais. "Não cedemos em nada, há melhoras. Quando alguém nos propõe uma melhora, aceitamos", declarou o presidente em uma entrevista pela manhã.

"O resultado é um projeto que incorpora grande parte do debate público, mas que mantém as bases fundamentais de ampliação das liberdades" e "do equilíbrio orçamentário", defende o governo na introdução do documento.

A chamada "lei ônibus" foi proposta por Milei ao Congresso às vésperas do fim do ano e vem sendo discutida há duas semanas por três comissões da Câmara: de Legislação Geral, de Assuntos Constitucionais, e de Orçamento e Fazenda —foram 70 horas de debate com a participação de 125 dos 257 deputados de todos os blocos.

Na primeira semana, um grupo de ministros e funcionários do governo respondeu a centenas de perguntas desses parlamentares reunidos num plenário. Já na segunda, expuseram suas visões 201 organizações e associações de diversos setores, que vão da indústria aos direitos humanos.

Um parecer deveria ter sido finalizado pelas comissões até a última sexta (19), para enviar o projeto ao plenário da Câmara, mas, sem consenso, isso não aconteceu. Milei então estendeu na mesma noite, por decreto, as sessões extraordinárias que convocou para discutir a "megalei", de 31 de janeiro para 15 de fevereiro.

Agora, o presidente argentino tem pressionado seus deputados e assessores a acelerar as negociações com as demais forças políticas, para que o projeto seja discutido na Casa na quinta (25) e depois remetido ao Senado. A expectativa de Milei sempre foi aprová-lo até essa data, porém ele esperava consegui-lo sem modificações.

Apenas um dia antes, nesta quarta (24), trabalhadores de diversos setores farão uma greve geral convocada pela Confederação Geral do Trabalho (CGT), a maior central sindical do país, contra as reformas e cortes de Milei —quase todos os voos entre Argentina e Brasil foram cancelados nesta quarta.

Eles marcharão até as portas do Congresso, adicionando mais tensão a essa semana que colocará o apoio ao novo presidente à prova.

A coalizão governista A Liberdade Avança tem apenas 37 das 257 cadeiras na Câmara, e 7 das 72 cadeiras no Senado, mas tem tentado demonstrar confiança de que conquistará outros partidos de centro ou centro-direita, como o PRO do ex-presidente Mauricio Macri, a União Cívica Radical e até alguns peronistas e forças menores.

Os interlocutores de Milei que têm liderado as conversas com os congressistas são seu assessor "estrela", Santiago Caputo, o ministro do Interior, Guillermo Francos, e o presidente da Câmara, Martín Menem, sobrinho do ex-presidente neoliberal admirado pelo atual líder.

O porta-voz do governo, Manuel Adorni, chegou a dizer que ficou "contente por ter encontrado uma oposição razoável". Mas nem tudo será tão fácil. A nova versão final da megalei apresentada nesta segunda pela Presidência foi recebida com cautela pelos demais partidos, que apenas começam a analisar as mudanças, diz o jornal Clarín.

Veja as principais mudanças de Milei na 'lei ônibus'

Como era Como fica
Número de artigos 664 artigos 523 artigos
Poderes ao Executivo Dava poderes extraordinários ao governo por 2 anos (prorrogáveis por mais 2 pelo próprio governo) ao declarar emergência econômica, fiscal, previdenciária, sanitária, administrativa, social, de defesa, entre outras Prazo da emergência se reduziria a 1 ano (prorrogável por mais 1 com aprovação do Congresso) e seria eliminada a emergência "social e de defesa"
Sistema eleitoral Eliminava as eleições primárias, chamadas de "Paso", e o sistema de votação em listas dos partidos para o Legislativo Reformas seriam debatidas em sessões normais do Congresso a partir de março, assim como mudanças na saúde mental, Justiça nacional e lei de sociedades
Privatização de empresas públicas Incluía 41 empresas públicas na lista de possíveis privatizações Petroleira YPF sairia da lista e outras três empresas só poderiam ser privatizadas parcialmente: Banco Nación, Nucleoeléctrica (energia nuclear) e Arsat (telecomunicações)
Direito a manifestação Artigo determinava que uma reunião ou manifestação era definida como a "congregação intencional e temporária de 3 ou mais pessoas num espaço público" Artigo seria excluído "para evitar interpretações incorretas sobre o corte". Ampliaria-se a proibição de manifestações políticas a funcionários "e empregados" públicos
Reajuste de aposentadorias Hoje o reajuste é feito a cada 3 meses, seguindo uma fórmula fixa que combina a variação salarial da população e a arrecadação da agência Anses, equivalente ao INSS brasileiro. Milei queria eliminar a fórmula atual e fazer os aumentos por decreto Método atual seria mantido até março, mas a partir de abril os reajustes seriam mensais e automáticos, pela inflação do mês anterior. Se eliminariam as aposentadorias vitalícias para presidente e vice-presidente a partir de seu mandato, mantendo as da Corte Suprema
Taxas a exportações Estabelecia taxas de até 15% a exportadores de quase todos os setores, incluindo as chamadas "economias regionais" (como cítricos, algodão, erva mate e tabaco), o que desagradou governadores Economias regionais ficariam livres das taxas, mas seria mantido o aumento de impostos à soja (de 31% para 33%), trigo e milho (de 12% para 15%), carne bovina (de 9% para 15%) e produtos industriais (de 0% para 15%)
Ambiente Proibia queimadas sem autorização e determinava que, se pedido não fosse respondido em 30 dias pelo governo, a queima estava autorizada Prazo de resposta seria ampliado para 90 dias. Também seriam corrigidos "erros na redação" do capítulo no sentido de proteger glaciares e bosques
Cultura Propunha um desfinanciamento do Instituto de Cinema e Artes Audiovisuais (Incaa) e o fim do Fundo Nacional das Artes (FNA), que financia bolsas para artistas Incaa manteria uma alocação específica de recursos e FNA não seria encerrado, mas teria gastos limitados
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