Equador vê violência explodir com boom de investimentos do tráfico

Produção recorde de cocaína no mundo devasta Guayaquil e converte nação antes pacífica em campo de batalha

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Julie Turkewitz
Guayaquil | The New York Times

Um total de 210 toneladas de drogas apreendidas em um ano —um recorde no Equador. Pelo menos 4.500 homicídios no ano passado. Crianças recrutadas por quadrilhas. Presídios que atuam como centros de criminalidade. Bairros consumidos por vendetas entre grupos criminosos. E esse caos sendo financiado por estrangeiros poderosos com muito dinheiro e experiência de sobra no tráfico global de drogas.

O Equador tornou-se em poucos anos o país da "corrida ao ouro" do narcotráfico. Grandes cartéis de lugares tão distantes quanto México e Albânia estão unindo forças com quadrilhas dos presídios e das ruas, desencadeando uma onda de violência diferente de qualquer coisa vista na história recente do país.

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Autoridades prendem suspeitos em Guayaquil, no Equador - Victor Moriyama - 30.mai.23/The New York Times

O que alimenta essa turbulência é a crescente demanda global por cocaína. Enquanto muitos legisladores têm falado especialmente da epidemia de opioides, que mata dezenas de milhares de americanos a cada ano, a produção da droga tem subido para níveis recordes, fenômeno que agora está devastando a sociedade equatoriana e convertendo uma nação antes pacífica em um campo de batalha.

"As pessoas consomem a droga em outros países, mas não entendem as consequências aqui", afirma o major Edison Núñez, oficial de inteligência da Polícia Nacional. Não que o Equador seja novato no ramo das drogas. Situado entre os maiores produtores de cocaína do mundo, Colômbia e Peru, há anos o país exerce o papel de ponto de exportação de produtos ilícitos para a América do Norte e a Europa.

Mas um boom na Colômbia no cultivo da folha de coca, o ingrediente de base da cocaína, aumentou a produção da droga, enquanto anos de policiamento fraco do narcotráfico no Equador converteram o país em uma base atraente para manufatura e distribuição de drogas.

A violência ligada às drogas começou a crescer por volta de 2018, quando grupos locais disputavam posições no tráfico. Num primeiro momento, a violência se limitou a presídios, cuja população havia crescido após um endurecimento das penas ligadas às drogas e ao uso crescente da prisão preventiva.

O governo, então, perdeu o controle do sistema carcerário. Detentos coagem outros presos, obrigando-os a pagar por camas, serviços e segurança e chegando a tomar as chaves de seus blocos nos presídios. Em pouco tempo, segundo especialistas, as penitenciárias viraram bases operacionais do narcotráfico.

O crime organizado internacional enxergou nisso uma oportunidade para ampliar suas operações. Hoje, os mais poderosos cartéis mexicanos, Sinaloa e Jalisco Nueva Generación, atuam como financiadores do tráfico no Equador, ao lado de um grupo dos Bálcãs que a polícia chama de máfia albanesa.

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Cemitério em Guayaquil onde estão enterradas muitas das pessoas mortas durante motim em uma prisão, em setembro de 2021 - Victor Moriyama - 30.mai.23/The New York Times

Quadrilhas de penitenciárias e das ruas, com nomes como Los Choneros e Los Tiguerones, trabalham com os grupos do exterior, coordenando a armazenagem, o transporte e outras atividades.

A cocaína ou sua precursora, a pasta-base, chegam ao Equador vindas de Colômbia ou Peru e geralmente deixam o país por via marítima.

Segundo Núñez, as autoridades só conseguem revistar 20% dos cerca de 300 mil contêineres que partem a cada mês de uma das cidades mais populosas do país, Guayaquil –um dos portos mais movimentados da América do Sul. As drogas saem dos portos equatorianos escondidas sob pisos reconstruídos, em caixotes de bananas, paletes de madeira e de cacau, para mais tarde chegar a festas nas cidades universitárias dos EUA e boates de cidades europeias.

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Porto de Guayaquil, movimentado centro de tráfico internacional de drogas no Equador - Victor Moriyama - 30.mai.23/The New York Times

Em Guayaquil, cidade de clima úmido cercada de colinas verdes, com 3,5 milhões de habitantes em sua região metropolitana, as rivalidades entre grupos criminosos já transbordaram para as ruas. Produzem um estilo de violência aterradora e pública para induzir o medo e exercer controle.

As emissoras de TV divulgam notícias frequentes sobre decapitações, carros-bomba, assassinatos de policiais, rapazes pendurados em pontes e crianças mortas a tiros diante de suas casas ou escolas.

"É doloroso demais", diz um líder comunitário que pediu para não ser identificado. Ele conta que seu bairro mudou completamente nos últimos anos e que crianças de 13 anos são recrutadas à força para atuar para as quadrilhas. "São ameaçadas. Dizem a elas: ‘Você não quer participar? Então vamos matar sua família’."

Em resposta, o presidente equatoriano, o conservador Guillermo Lasso, já declarou vários estados de emergência. Ele enviou militares às ruas para vigiar escolas e estabelecimentos comerciais.

Mais recentemente, a Los Choneros e outras gangues encontraram ainda outra fonte de renda: extorsão. Lojistas, lideranças comunitárias e até mesmo provedores de água, lixeiros e escolas são obrigados a pagar uma taxa às organizações criminosas em troca de sua segurança.

Nas penitenciárias, a extorsão é praticada há anos. Numa manhã recente em Guayaquil, Katarine, 30, mãe de três filhos, estava sentada no meio-fio diante da maior penitenciária do país. Contou que seu marido, produtor de bananas, fora detido cinco dias antes, depois de uma briga de rua.

O marido lhe telefonou da prisão, pedindo que ela transferisse dinheiro a uma conta bancária pertencente a uma gangue. Se não pagasse, ele seria espancado. Katarine, que pediu para que fosse usado apenas seu primeiro nome, acabou transferindo US$ 263 (R$ 1.260), o equivalente a um mês de seu salário. Para conseguir o dinheiro, teve que penhorar seus pertences. "Eu estava mais que desesperada", explicou, questionando por que as autoridades não estão fazendo mais para controlar essa prática. Segundo ela, cada pessoa que é posta na prisão representa mais uma que vai pagar taxas às quadrilhas.

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Soldado revista mototaxista em Guayaquil - Victor Moriyama - 30.mai.23/The New York Times

Entre 2005 e 2015, o Equador viveu uma transformação. Milhões de pessoas saíram da pobreza na onda de um boom petrolífero cujos lucros o então presidente Rafael Correa, esquerdista, injetou na educação, na saúde e em outros programas sociais.

Assim, empregadas domésticas e pedreiros começaram a acreditar que seus filhos poderiam concluir o ensino médio, qualificar-se e viver vidas diferentes das suas. Hoje esses mesmos equatorianos estão vendo seus bairros deteriorarem em meio a criminalidade, drogas e violência.

O declínio do país também foi aprofundado pela pandemia, que atingiu a economia fortemente, como aconteceu em outras partes do mundo. Hoje, apenas 34% dos equatorianos têm um emprego adequado, parcela que uma década atrás chegava a quase 50%.

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Policial inspeciona caixas de camarão que serão exportadas pelo Equador - Victor Moriyama - 30.mai.23/The New York Times

A crise penetrou o governo, no qual alguns funcionários são acusados de terem sido cooptados por grupos criminosos. Jornalistas abandonaram o país, promotores foram assassinados e ativistas de direitos humanos têm sido silenciados por investigar ou denunciar crimes ou corrupção.

O índice de aprovação de Lasso é baixo, segundo pesquisas, e em maio, diante da possibilidade de impeachment por acusações de corrupção, ele dissolveu a Assembleia Nacional e convocou eleições.

Os equatorianos vão eleger um novo presidente e nova Assembleia em agosto, com um possível segundo turno em outubro. Enquanto isso, o país está numa encruzilhada política, e a violência se intensifica.

Tradução de Clara Allain

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