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Claudine Gay

Sou um alvo por ser uma mulher negra em Harvard, diz reitora que renunciou

Sofro a projeção de todas as ansiedades sobre as mudanças geracionais e demográficas dos campi dos Estados Unidos

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Claudine Gay

Ex-reitora da Universidade Harvard, onde é professora de estudos africanos e afro-americanos

The New York Times

Na terça-feira (2), tomei a dolorosa, mas necessária, decisão de renunciar como reitora de Harvard. Por semanas, tanto eu quanto a instituição à qual dediquei minha vida profissional fomos atacadas. Minha integridade e inteligência foram questionadas.

Meu compromisso em combater o antissemitismo foi colocado em dúvida. Minha caixa de entrada foi inundada com invectivas, incluindo ameaças de morte. Fui chamada de "nigger" [termo usado para se referir pejorativamente a pessoas negras nos EUA] mais vezes do que gostaria de contar.

A então reitora de Harvard, Claudine Gay, depõe durante audiência ao Comitê de Educação no Congresso dos EUA, em Washington
A então reitora de Harvard, Claudine Gay, depõe durante audiência ao Comitê de Educação no Congresso dos EUA, em Washington - Ken Cedeno - 5.dez.23/Reuters

Minha esperança é que, ao renunciar, eu negue aos demagogos a oportunidade de usar ainda mais minha presidência em sua campanha para minar os ideais que animam Harvard desde sua fundação: excelência, abertura, independência, verdade.

Ao partir, devo oferecer algumas palavras de advertência. A campanha contra mim foi sobre mais do que uma universidade e uma líder. Isso foi apenas uma única escaramuça em uma guerra mais ampla para desfazer a fé pública nos pilares da sociedade americana.

Campanhas desse tipo muitas vezes começam com ataques à educação e à expertise, porque essas são as ferramentas que melhor equipam as comunidades para enxergar através da propaganda. Mas essas campanhas não terminam aí. Instituições confiáveis de todos os tipos —desde agências de saúde pública até organizações de mídia— continuarão a ser vítimas de tentativas coordenadas de minar sua legitimidade e arruinar a credibilidade de seus líderes. Para os oportunistas que impulsionam o cinismo em relação às nossas instituições, nenhuma vitória única ou líder derrubado esgota seu zelo.

Sim, cometi erros. Em minha resposta inicial às atrocidades do 7 de Outubro, eu deveria ter afirmado com mais veemência o que todas as pessoas de boa consciência sabem: o Hamas é uma organização terrorista que busca erradicar o Estado judeu. E em uma audiência no Congresso no mês passado, caí em uma armadilha bem preparada. Deixei de articular claramente que os apelos ao genocídio do povo judeu são abomináveis e inaceitáveis e que usaria todas as ferramentas ao meu alcance para proteger os estudantes desse tipo de ódio.

Mais recentemente, os ataques se concentraram em minha pesquisa acadêmica. Meus críticos encontraram casos em meus escritos acadêmicos nos quais parte do material duplicava a linguagem de outros estudiosos, sem a devida atribuição. Acredito que todos os estudiosos merecem crédito completo e apropriado por seu trabalho. Quando tomei conhecimento desses erros, solicitei prontamente correções das revistas nas quais os artigos sinalizados foram publicados, de acordo com a forma como vi casos semelhantes de professores sendo tratados em Harvard.

Nunca distorci os resultados de minhas pesquisas, nem reivindiquei crédito pela pesquisa de outros. Além disso, os erros de citação não devem obscurecer uma verdade fundamental: eu defendo com orgulho meu trabalho e seu impacto no campo.

Apesar do escrutínio obsessivo de meus escritos revisados por pares, poucos comentaram sobre o conteúdo de minha pesquisa, que se concentra na importância da ocupação de cargos por minorias na política americana. Minha pesquisa reuniu evidências concretas para mostrar que quando comunidades historicamente marginalizadas ganham uma voz significativa nos corredores do poder, isso sinaliza uma porta aberta onde antes muitos viam apenas barreiras. E isso, por sua vez, fortalece nossa democracia.

Ao longo desse trabalho, fiz perguntas que não haviam sido feitas, usei métodos de pesquisa quantitativa então inovadores e estabeleci uma nova compreensão da representação na política americana. Esse trabalho foi publicado nas principais revistas de ciência política do país e gerou pesquisas importantes de outros estudiosos.

Nunca imaginei precisar defender pesquisas de décadas atrás e amplamente respeitadas, mas as últimas semanas têm destruído a verdade. Aqueles que implacavelmente fizeram campanha para me expulsar frequentemente se envolviam em difamações e insultos pessoais, em vez de apresentar argumentos fundamentados. Eles reciclaram estereótipos raciais obsoletos sobre o talento e temperamento negros. Eles propagaram uma narrativa falsa de indiferença e incompetência.

Não me escapa o fato de que sou um alvo ideal para sofrer a projeção de todas as ansiedades sobre as mudanças geracionais e demográficas que estão ocorrendo nos campi americanos: uma mulher negra escolhida para liderar uma instituição de renome. Alguém que vê a diversidade como fonte de força e dinamismo institucional. Alguém que defendeu um currículo moderno que abrange desde a fronteira da ciência quântica até a história há muito negligenciada dos americanos de origem asiática. Alguém que acredita que uma filha de imigrantes haitianos tem algo a oferecer à universidade mais antiga da nação.

Ainda acredito nisso. Ao voltar ao ensino e à pesquisa, continuarei a defender o acesso e a oportunidade e trarei para o meu trabalho a virtude que discuti no discurso que proferi em minha posse como reitora: coragem. Porque é a coragem que me sustentou ao longo de minha carreira e é a coragem que é necessária para enfrentar aqueles que buscam minar o que torna as universidades únicas na vida americana.

Tendo agora visto como a verdade pode se tornar rapidamente uma vítima em meio às controvérsias, eu instaria a uma cautela mais ampla: nos momentos tensos, cada um de nós deve ser mais cético do que nunca em relação às vozes mais altas e extremas em nossa cultura, por mais bem organizadas ou bem conectadas que possam ser. Com muita frequência, elas estão buscando agendas egoístas que devem ser questionadas com mais perguntas e menos credulidade.

Os campi universitários em nosso país devem permanecer como lugares onde os estudantes podem aprender, compartilhar e crescer juntos, não espaços onde batalhas por procuração e exibicionismo político se enraízem. As universidades devem permanecer como locais independentes onde coragem e razão se unem para fazer a verdade avançar, não importa quais forças se oponham a elas.

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