Descrição de chapéu The New York Times

Harvard elege 1ª reitora negra em meio a debate sobre cotas raciais

Política de admissões da universidade é acusada de favorecer alunos brancos, negros e hispânicos e excluir aqueles de origem asiática

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Stephanie Saul Vimal Patel
Nova York | The New York Times

A Universidade Harvard anunciou que sua nova reitora será Claudine Gay, diretora da Faculdade de Artes e Ciências da instituição. Ela será a primeira líder negra da instituição e apenas a segunda mulher a ocupar o cargo, sucedendo Lawrence Bacow.

Gay assumirá em julho, justamente quando a universidade deve enfrentar uma decisão crucial da Suprema Corte americana que pode obrigá-la a rever seus processos de admissão. Harvard tem sido criticada por levar em conta fatores que favorecem candidatos brancos e de alto poder aquisitivo ao mesmo tempo que usa ações afirmativas para atrair estudantes negros e hispânicos —o que, alegam alunos de origem asiática, dificultaria a entrada deles na universidade.

Caso o tribunal concorde com os argumentos dos autores do processo, a decisão poderia ter um efeito cascata, com ações afirmativas sendo revogadas em outras instituições americanas de ensino superior.

A cientista política Claudine Gay, especialista em estudos africanos e afro-americanos, que se tornou a primeira reitora negra da Universidade Harvard
A cientista política Claudine Gay, especialista em estudos africanos e afro-americanos, que se tornou a primeira reitora negra da Universidade Harvard - Stephanie Mitchell - 14.dez.22/Universidade Harvard/AFP

Apoiadores afirmam que Gay é a pessoa ideal para liderar a instituição nesse momento. Afinal, ela propôs um aumento da diversidade nas contratações, além de ser especialista em representação de minorias e participação política no governo. "É uma líder excepcional, dedicada a conservar e a elevar a excelência acadêmica de Harvard", diz Penny Pritzker, diretora do comitê de seleção de reitores.

"A universidade fez história acadêmica com a escolha", diz Henry Louis Gates Jr., diretor do centro Hutchins de pesquisas africanas e afro-americanas da instituição. "Essa é uma vitória da diversidade e da excelência. Harvard continuará a ser um exemplo na manutenção dos mais elevados padrões de excelência acadêmica, avançando as fronteiras do conhecimento ao mesmo tempo que promove estratégias de inclusão."

Gay, 52, é professora de ciência política e estudos africanos e afro-americanos em Harvard desde 2006. De acordo com a universidade, seus estudos exploraram como a eleição de membros de minorias para cargos públicos afeta a percepção que os cidadãos têm do governo, a cooperação entre grupos minoritários e como programas de mobilidade habitacional afetam a participação política dos pobres.

Recebida com uma ovação, Gay se reapresentou na tarde desta quinta (15) à comunidade de Harvard, onde iniciou sua carreira como estudante de pós-graduação três décadas atrás, levando para a residência universitária Haskins Hall seu futon e uma frigideira de ferro para fritar bananas-da-terra. "Aquela Claudine jamais teria podido imaginar que seu caminho a conduziria para cá", disse.

Gay afirmou que, em uma época de profundas transformações sociais, políticas e tecnológicas, Harvard vai ter de se esforçar para ficar mais conectada ao mundo, o que inclui estratégias como oferecer bolsas de estudo, firmar parcerias e envolver-se mais com a população. "A ideia da torre de marfim é o passado da academia, não seu futuro. Não existimos fora da sociedade, mas como parte dela. Isso quer dizer que Harvard tem o dever de participar no mundo, engajar-se com ele e estar a seu serviço."

Antes de entrar para o corpo docente da universidade, em 2006, Gay foi professora-assistente e adjunta de ciência política em Stanford, universidade na qual obteve um bacharelado em economia. Ela fez seu doutorado em Harvard em 1998.

O trabalho como diretora da Faculdade de Artes e Ciências não foi isento de polêmicas. Neste ano, após a decisão de impor medidas disciplinares ao professor de estudos afro-americanos e antropologia John L. Comaroff, algumas dezenas de docentes, incluindo alguns dos nomes mais eminentes da faculdade, assinaram uma carta aberta a Gay. Comaroff foi posto em licença acadêmica após alegações de má conduta sexual.

Uma investigação interna concluiu que ele praticou uma conduta verbal que infringiu as normas da universidade, mas não confirmou as alegações de contato sexual indesejado. Três mulheres que se disseram vítimas do professor moveram uma ação judicial contra Harvard. Mais tarde, a maioria dos professores retirou seus nomes da carta aberta.

Gay também esteve no centro de uma controvérsia em torno da decisão tomada em 2019 de negar a Lorgia García Peña, professora de línguas e literatura neolatinas, uma vaga no quadro permanente de docentes. A escolha levou mais de cem docentes a escrever cartas de protesto, citando o receio de que professores não brancos –García Peña é negra e latina— sejam alvos de discriminação em processos envolvendo cargos do tipo. Em outubro de 2021, uma revisão da decisão encomendada por Gay confirmou a decisão. García Peña acaba de ser nomeada professora na Universidade de Princeton.

A escolha de Gay foi fruto de um processo de procura em grande escala que gerou mais de 600 indicações e incluiu mais de 20 reuniões do comitê de seleção, segundo Pritzker. O comitê de seleção foi composto por membros dos conselhos que regem a universidade, a Harvard Corp. e o Conselho de Supervisores.

A Suprema Corte deve anunciar, provavelmente em junho, uma decisão sobre a ação judicial movida contra Harvard em 2014 pela organização estudantil Students for Fair Admissions, contrária a ações afirmativas. O processo contesta o uso de incentivos para aumentar a diversidade racial de seus alunos.

Enquanto muitos especialistas legais preveem que a corte, com sua maioria conservadora, vai derrubar décadas de precedentes para decidir contra o uso da ação afirmativa, Gay disse recentemente ao Harvard Crimson, jornal estudantil da universidade, que a instituição permanecerá firme em seu "compromisso de construir e fomentar uma comunidade universitária diversa e dinâmica".

Exatamente como a universidade vai fazê-lo não está claro, mas isso exigiria uma revisão completa de seu processo de admissão de estudantes, de modo a eliminar não apenas o favoritismo que beneficia os filhos de antigos alunos da universidade, mas também o favorecimento de doadores e atletas que competem em esportes como golfe, polo aquático e squash.

Gay vai enfrentar outros grandes desafios quando assumir as rédeas da universidade, da oposição local à expansão do campus para uma parte do bairro de Allston-Brighton a queixas dos docentes sobre o aumento de sua carga de trabalho e a críticas da iniciativa Legado da Escravidão, um fundo de US$ 100 milhões reservado para compensar o abuso de pessoas escravizadas pela universidade no passado.

Críticos do plano dizem que não entendem exatamente como o dinheiro será usado.

Tradução de Clara Allain

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.