Construção de porto flutuante em Gaza prometida pelos EUA pode levar 2 meses

Autoridade da ONU chama plano de 'absurdo' em razão do apoio militar de Washington a Israel

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São Paulo

O porto flutuante que vai ser construído pelas Forças Armadas dos Estados Unidos na Faixa de Gaza para entregar ajuda humanitária por mar ao território pode demorar até dois meses para ficar pronto, disse o Pentágono nesta sexta-feira (8).

A medida foi anunciada na quinta-feira (7) pelo presidente americano, Joe Biden, em seu discurso anual ao Congresso. O planejamento da operação será realizado a partir da ilha de Chipre e não prevê o envio de militares dos EUA a Gaza, território sob ataque intenso de Israel há cinco meses e onde já morreram mais de 30 mil palestinos.

Foto mostra prédios em ruínas, com escombros por toda parte, e duas figuras humanas caminhando por entre os destroços, ao longe
Palestinos caminham entre escombros na cidade de Rafah, no sul da Faixa de Gaza - Khaled Omar - 8.mar.2024/Xinhua

O anúncio de Biden acontece no momento em que ele busca apaziguar críticas do eleitorado mais à esquerda e de setores do Partido Democrata pelo forte apoio militar e diplomático que Washington histórico presta a Tel Aviv desde o início da guerra contra o Hamas. Entretanto, o plano tem sofrido fortes críticas de especialistas.

O porto planejado pelos EUA vai ser construído por engenheiros militares americanos e envolver mil soldados do país, segundo o Pentágono, e ainda não tem estimativa de custo. Ele deve ficar localizado na antiga marina do Porto de Gaza, no distrito de Rimal. Mas o prazo de dois meses até que fique pronto torna a medida ineficaz para solucionar a grave fome pela qual passa o território neste momento.

Michael Fakhri, relator especial da ONU pelo direito à alimentação, disse que planos como esse e a entrega de suprimentos pelo ar são "absurdos" e "cínicos" dado o forte apoio militar prestado pelos EUA a Israel durante a guerra. Desde o início do conflito, os EUA já enviaram cerca de 21 mil munições de precisão e mais de US$ 4 bilhões em auxílio militar, de acordo com o Pentágono.

"Entregas por ar, por exemplo, fazem muito pouco para aliviar a desnutrição e quase nada para conter a crise humanitária", disse Fakhri nesta sexta em Genebra, na Suíça. Segundo a ONU, cerca de 500 mil palestinos passam fome em Gaza, e todos os mais de 2 milhões de habitantes são afetados pela falta de comida e suprimentos. Agências das Nações Unidas também disseram em relatórios que a capacidade agrícola e pesqueira de Gaza foi quase totalmente destruída por Israel.

Mais de 80% da população do território está deslocada, e a maioria fugiu para Rafah, no extremo sul de Gaza, perto da fronteira com o Egito. Israel mantém Gaza sob cerco desde outubro e restringe a entrega de ajuda humanitária por terra, alegando que parte dos materiais pode ser um risco à segurança do país.

Na última semana, o deputado italiano Ângelo Bonelli, que integra uma delegação de seu país para monitorar a entrega de ajuda, denunciou que cerca de 400 pacotes destinados ao território palestino enviados por vários países, incluindo o Brasil, estão retidos próximos da passagem de Rafah, que separa Gaza do Egito. Alguns dos materiais estão parados há mais de um mês, diz Bonelli. Israel nega as acusações.

'DISTRAÇÃO' E FALTA DE PRESSÃO

O líder do partido político da Cisjordânia Iniciativa Nacional Palestina, Mustafa Barghouti, disse à rede Al Jazeera que o plano dos EUA "não é novo" e não passa de distração. "A comunidade internacional não tem feito nada para pressionar Israel a suspender o bloqueio a Gaza e permitir a entrada de ajuda", disse.

Especialistas ouvidos pelo jornal britânico The Guardian, por sua vez, dizem que, enquanto a entrega de suprimentos pelo mar é bem-vinda, ela não é tão eficaz quanto uma eventual pressão americana sobre o governo Binyamin Netanyahu a fim de permitir a entrada de mais ajuda por terra.

Outra medida dos EUA que vem sendo criticada é a entrega de pacotes de suprimentos pelo ar, iniciada no último sábado (2). A primeira leva entregou 38 mil refeições, uma pequena fração do necessário para uma população de mais de 2 milhões.

Além disso, uma falha no paraquedas de um dos carregamentos matou 5 pessoas e feriu outras dez nesta sexta (8), de acordo com o hospital Al-Shifa, no norte de Gaza. Um vídeo que circula nas redes sociais mostra um pacote de ajuda caindo em alta velocidade depois de ser lançado de um avião, aparentemente com o paraquedas parcialmente fechado.

Um oficial israelense disse na sexta que Israel "apoia totalmente o envio de um cais temporário" na costa de Gaza e a operação seria realizada "com total coordenação entre as duas partes". Os EUA confirmaram que Tel Aviv vai ficar responsável pela segurança da estrutura.

A União Europeia também prevê a abertura de um corredor marítimo de ajuda humanitária entre sábado (9) e domingo (10), partindo da ilha de Chipre.

Sigrid Kaag, coordenadora humanitária e de reconstrução da ONU para Gaza, disse que a criação de um corredor marítimo é uma boa notícia, mas que "entregar por ar e mar não são um substituto para a terra".

Também na sexta, Biden disse que um acordo para um cessar-fogo entre Israel e o Hamas parecia improvável de ser atingido antes do Ramadã, o mês sagrado do Islamismo. O presidente americano disse ainda que vai ter uma reunião séria sobre ajuda humanitária com Netanyahu.

A guerra na Faixa de Gaza começou em 7 de outubro, quando o Hamas invadiu o sul de Israel e matou cerca de 1.200 israelenses em um dos maiores ataques terroristas da história da região.

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